Acadêmico José Israel Vargas é PhD por Cambridge, UK, Professor Catedrático e
emérito da UFMG. Membro e Ex-presidente da Academia Brasileira de Ciências e da
Academia de Ciências do Terceiro Mundo - TWAS (atual Academia Mundial de
Ciências) a qual presidiu por duas vezes. Membro da Academia Europeia de
Ciências, Letras e Artes, Ex-Secretário da Secretaria de Tecnologia Industrial
– STI. Foi membro e presidente do IPR – Instituto de Pesquisas Radioativas, pesquisador
emérito do CBPF - Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas –, membro emérito da
Seção de Física da Academia Brasileira de Ciências e Chefe de Pesquisas do
Comissariado de Energia Atômica de Grenoble, França. Ex-Ministro de Estado de Ciência e Tecnologia
(1992-1998) e de Minas e Energia. Embaixador do Brasil UNESCO (2000-2003). Foi agraciado
como Cavaleiro Comandante da Ordem do Império Britânico e no maior grau da
Legião de Honra da França.
Tem trabalhos em modelagem
matemática de sistemas em epidemias e atualmente estuda o modelo para a
COVID-19. Até julho de 2019 frequentava a UFMG assiduamente, de forma voluntária,
ensinando modelagem matemática.
Acompanhe a sua entrevista
realizada após a 2ª quinzena de julho, à distância.
Como você percebe os impactos e consequências da
Covid-19?
Impacto crescente com o
número de mortes chegando a um quadro escandaloso, similar a uma guerra. Na II
Guerra Mundial o afundamento de um navio com 270 pessoas causou tamanha
indignação que fez o Brasil sair da neutralidade. Hoje morre, por dia, quase
cinco vezes este número de pessoas!
Com a epidemia nos sentimos
incapacitados e utilizamos meios rudimentares e óbvios, para impedir o sucesso
do vírus: a higienização das mãos, o uso de máscara e o distanciamento.
Recentemente 239 cientistas, em carta aberta, pediram à OMS que reconhecesse
que a transmissão se dá também pelo ar, em ambientes fechados.
Lembro-me, quando era jovem
cientista, do teste do perfume aberto na porta da sala. Por efeito cinético,
alcança distancias consideráveis, dependendo da temperatura, pressão e
altitude. Isso ficou marcado em minha mente. Li o romance “Diário do Ano da
Peste” do jornalista e escritor Daniel Defoe, o mesmo autor de “Robinson
Crusoe”, que descreve a grande peste de Londres ocorrida em 1665. Este livro
foi escrito baseado em documentos e registros da época, e relata que para
evitar a transmissão da doença, se evitava o contato com os doentes. Também li
sobre a peste bubônica de 1360 quando 1/3 da população da Europa, que era de 75
milhões de pessoas, morreu. Esta pandemia resultou em profunda revolução que
gerou a Renascença e a emergência dos seus conhecidos gênios da Vinci,
Michelangelo e Rafael, e da ciência moderna.
No Brasil, a situação é
extremamente preocupante, pelas características do país e do tempo em que
vivemos. O presidente adotou posições estranhas, indefensáveis, bancando o
médico (receitando a hidroxicloroquina que não funciona), negando o
distanciamento social, o uso de máscara, dando assim mau exemplo à população, e
culminando com a demissão de dois ministros da saúde médicos. Estamos sofrendo
muito mais do que a imensa maioria dos países afetados. Não é por acaso que os
EUA e o Brasil estão similares, pois há um paralelismo de posições entre seus
presidentes, embora não haja comparação entre o nível de desenvolvimento dos
EUA e Brasil.
O impacto pode ser muito
grande e depende do tempo que levará para termos a vacina. Caso ela não
aconteça podemos sofrer alterações profundas no nosso modo de viver.
No Brasil já há um enorme
prejuízo educacional, cultural, técnico e cientifico e pior de tudo, terríveis
quase 80.000 mortos e mais de 2 milhões de infectados. O Instituto Oswaldo Cruz
tem contribuído enormemente no combate à pandemia. Seus pesquisadores e os de
universidades públicas têm atuado com muita ciência oferecendo informações aos
gestores públicos, realizando divulgação científica sobre o Coronavirus e se
empenhando em melhor conhecer o vírus para combatê-lo. Apesar da paralisia do
Ministério da Saúde, o SUS tem sido essencial neste combate.
A Renascença surgiu da peste
que fez também surgirem gênios e mudanças. Espero que a sociedade brasileira
também se modifique para melhor.
O que fazer no curto prazo, afora as medidas já
tomadas para atenuar o impacto econômico, empresarial e social?
Antes de tudo, ouvir a
ciência, nossos excelentes epidemiologistas, especialistas em saúde pública e
pesquisadores, vários dos quais vêm atuando em conselhos de experts para assessorar prefeituras,
governos estaduais e o Consorcio Nordeste.
É necessário conduzir
políticas públicas de acordo com o que a ciência aponta, buscando o apoio da
população, através de campanhas no rádio e na televisão, com informações
necessárias para que compreenda o tamanho do desafio e se engaje na luta. É
preciso ressaltar o papel fundamental
que a imprensa tem desempenhado na divulgação de informações.
Faltou coordenação nacional e
um discurso único, o que dificultou a realização de lockdown pelo tempo necessário na imensa maioria das cidades.
Entretanto, ainda é tempo de minimizar danos, na reabertura e até que se tenha
acesso à vacina, através de planejamento cuidadoso e levando em conta
recomendações baseadas em dados científicos e análises de riscos e seguindo os
protocolos estabelecidos pela Organização Mundial da Saúde.
É necessário cuidar da
instalação de melhorias e equipamentos do SUS no interior do país para onde a
pandemia vem progredindo. Em mais longo prazo, urge enfrentar o desafio de
melhor financiar o SUS e melhorar sua gestão.
Apesar de os bancos terem
recebido do Banco Central em março R$ 1,2 trilhão adicionais para emprestar a
pessoas e empresas, a imprensa tem relatado dificuldade de acesso ao crédito de
micro e pequenas empresas que são as que mais empregam. É imperativo acelerar a
concessão de empréstimos para ajudá-las a salvar seus negócios em meio à
pandemia e amenizar os efeitos da crise.
É preciso acelerar a
liberação dos auxílios, inclusive alimentar, dos desvalidos do país, de modo
que estas pessoas possam se proteger minimamente do vírus. Para isto é preciso
promover uma melhor gestão inclusive para localizar mais potenciais
beneficiários e viabilizar seu acesso ao auxílio.
Os gestores públicos e
sociedade precisam apoiar iniciativas de comunidades pobres das periferias,
como as de Paraisópolis, uma das maiores favelas de São Paulo, que virou
exemplo de ações contra o Coronavírus recentemente divulgado na imprensa.
Temos 12,9% de desempregados
e as prefeituras poderiam apoiar programa especial, inclusive de voluntariado da
sociedade, para alimentá-los.
Na área educacional é
imperativo promover o ensino a distancia, inclusive pelo radio e a televisão,
usando a tecnologia já desenvolvida. Além disto, várias iniciativas
imaginativas podem ser colocadas em prática para auxiliar a volta às aulas. Por
exemplo, o infectologista da UFMG Dr. Unaí Tupinambás, do Comitê que vem
aconselhando a Prefeitura de Belo Horizonte no combate à Covid-19, sugeriu
recentemente que, especialmente em pequenas cidades do interior de Minas, a
sala de aula poderia ser transferida para a rua, fechada com um tapume e
coberta com um toldo para proteger do sol. A rua é um ambiente aberto, onde o
vírus se dilui, e mantendo-se as mesas distantes e alunos e professor com
máscara, torna-se um ambiente seguro. No passado se dizia que basta a sombra de
uma mangueira, um quadro negro, giz e um professor de qualidade para ensinar. O
que não pode é deixar as crianças fora da escola até que a vacina chegue! Ideias
como esta necessitam de gestão pública.
Como a qualidade e a gestão podem ajudar para saída da
crise?
Nossa crise não é normal, se
comparada com os demais países. Temos o dobro ou triplo de mortos do que seria
previsto. É desgoverno. O governo insiste em manter um general intendente como Ministro
da Saúde, ignorando o lado técnico, necessário ao enfrentamento da pandemia.
Muitos problemas abordados
nas questões anteriores dependem de uma gestão de qualidade. Neste contexto, a
nossa academia tem o importante papel de alertar o público para a gravidade da
crise, vez que é pouco provável que ela possa ser controlada antes da descoberta
de uma vacina. Cabe notar como fez o Dr. Teich, Ex-Ministro da Saúde em debate
recente na Globonews, que a demanda para viabilizar a vacina uma vez existente
será enorme. Por exemplo, terá o Brasil capacidade de produzir 210 milhões de
frascos a curto prazo, digamos 1 ano? Claramente será indispensável organizar
toda a logística, não somente de produção de embalagem, importação das matérias
primas e produção das vacinas, como também de distribuição. Naturalmente a Aeronáutica,
o Exercito e a Marinha, na ocasião da distribuição e até da vacinação, poderão
prestar grande serviço ao SUS.
A necessidade de qualidade e
gestão é um problema geral do serviço público brasileiro que precisa de
solução. A qualidade é uma TIB (Tecnologia Industrial Básica) que serve
indistintamente a todos os setores produtivos e, portanto, tem papel importante
na retomada econômica e social brasileira, em novas bases pós-Covid-19. A
ciência é que liberta. Veja o caso da abolição da escravidão. Com o advento das
máquinas a vapor e seu uso na Inglaterra e nos Estados Unidos, inicialmente, o
trabalho ficou mais produtivo, substituindo o trabalho muscular físico.
Esta pandemia vai mudar o
mundo, com a experiência de viver e trabalhar em casa, com novas formas de
comunicações e relacionamento e o uso da IA (Inteligência Artificial). O
esforço mais bruto e perigoso será substituído por robôs. Resta o formidável
problema do trabalho apesar das variadas iniciativas que vêm sendo adotadas. É
duvidoso que haja mitigação do problema social sem redistribuição de riqueza e
acesso à educação, incluindo ai educação a distância para todos. Será
indispensável adotar algumas medidas inovadoras. Por exemplo, como o comércio
será feito predominantemente à distância, é possível que sejam liberadas instalações
luxuosas, que poderão ser utilizadas para habitação popular.
Sempre dizemos que o Brasil é o país do futuro: Isso
pode acontecer algum dia? Quando? Como será possível?
Quando o povo for educado, as
desigualdades sociais vencidas e tivermos consciência, como nação, da
importância do protagonismo do Brasil como líder global na questão ambiental,
da biodiversidade e clima, e produtor de energia limpa.
A recente carta aberta do
Fórum dos ex-ministros do Meio Ambiente do Brasil em defesa da democracia e da
sustentabilidade socioeconômica, que apoio integralmente, condena veementemente
a destruição acelerada dos biomas brasileiros e o desmantelamento dos órgãos
ambientais e normas federais. O mundo
está cada vez mais consciente da importância e urgência da conservação do meio
ambiente e da natureza em prol da sobrevivência da espécie. Estivemos na
liderança, especialmente no uso de energias renováveis no mundo. É preciso
reconquistar esta liderança.
Subscrevo também as propostas
da carta dos ex-ministros da Fazenda e ex-presidentes do Banco Central para
descarbonizar a economia brasileira
e pautar o desenvolvimento econômico do Brasil por ações que respeitem o meio
ambiente. É necessário fortalecer o INPE e instituições de ensino e pesquisa,
investir na formação de pessoal qualificado e no desenvolvimento de novas
tecnologias. É urgente o Brasil assumir suas responsabilidades na proteção do
meio ambiente, inclusive para que, no curto prazo, restabeleça e amplie o
comércio internacional para superar a crise atual.
Que conselho você daria a um jovem que está
trabalhando e passa a viver esta situação de crise.
O jovem deve se esforçar para
manter o emprego. Para tal deve manter a saúde, seguindo os protocolos de
segurança da OMS.
O mundo vai mudar e os jovens
precisam se preparar, atualizando-se em sua profissão, em particular pelo uso da
informática e do conhecimento das tecnologias digitais.
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