Acadêmico
Mauriti Maranhão. Formado em 1964, pela AMAN, permanecendo no serviço
ativo do Exército Brasileiro até 1987. Complementou a formação acadêmica na
Escola Nacional de Ciências Estatísticas (1971) e no Instituto Militar de
Engenharia (Engenharia Mecânica - 1972). Mestre em Ciências em 1979 pela
Universidade Federal de Itajubá. Atuou em pesquisa e na produção de materiais
para defesa. Especialização em Ensaios Não Destrutivos na França e em Auditoria
na Inglaterra. Entre 1987 e 1989 trabalhou no Instituto de Pesquisas da Marinha.
Durante as décadas de 1970 e 1980 ministrou aulas de graduação e pós-graduação
na Faculdade de Engenharia de Guaratinguetá (UNICAMP) e na Escola de Engenharia
de Lorena (hoje, USP). Hoje atua em consultoria de gestão empresarial, tendo
publicado oito livros, todos voltados à gestão com destaque para o seu ultimo
livro Relações interpessoais construtivas cujos problemas ele acredita ser a
causa do insucesso dos esforços de transformação organizacional.
Como você percebe os impactos e
consequências da COVID-19?
Percebo os impactos e as consequências
da pandemia pelo COVID19 como formas análogas, mas muito mais atenuadas, do
ingente sofrimento de povos devastados por guerras, quase sempre sem apoio nem
perspectivas concretas de sobrevivência. Felizmente hoje temos comunicações e
capacidade logística para assegurar padrões mínimos de dignidade à maioria das
pessoas que sofrem. Malgrado as muitas mortes provocadas por desconhecimento da
doença e por pobreza ou descaso de autoridades, penso que a superação da doença
é possível e será muito menos penosa. Alguns hábitos certamente mudarão,
especialmente o consumismo desenfreado. Todavia, a natureza humana, imutável há
mais de 70.000 anos, fará o resto, de acordo com a Seleção Natural, como tem
sido até hoje. A necessidade de interação pessoal (olho no olho) e do contato
físico ressurgirão, considerando que geram mecanismos indispensáveis à saúde
mental das pessoas.
O que fazer no curto
prazo, afora as medidas já tomadas, para atenuar o impacto econômico,
empresarial e social?
Os riscos de pandemia já haviam sido apresentados
pelo menos desde 2010. Poucos países se prepararam. Os mais ricos já podiam
contar com infraestruturas de saúde, de logística, comunicação e educação superiores.
Por consequência, penso que no nosso caso seria oportuno copiar e aprimorar as
iniciativas implementadas pelos países que melhor souberam administrar os
efeitos danosos da pandemia. Países do Sudeste Asiático foram e ainda são modelos.
Entre nós, a falta de liderança, combinada com a indisciplina generalizada,
pobreza, ignorância e fake news, acabaram
por provocar alienação e muita desinformação, especialmente nas classes D e E, causando
mortes e sofrimento desnecessários. Torna-se emergente estimular o
desenvolvimento e a atuação de lideranças de agentes públicos e privados, de
modo que assumam as suas respectivas responsabilidades para controlar os
efeitos da pandemia e mitigar os sofrimentos dos hipossuficientes.
Como a qualidade e a
gestão podem ajudar para saída da crise?
Ensinar a sociedade a aprender com os
recorrentes erros cometidos. O “encaixe” do significado de Accountability é indispensável, especialmente nos escalões
superiores da República, a nossa “elite”. Contribuir para o aprendizado dos
indicadores e exigência das respectivas ações de correção e prevenção por quem
tem o poder para fazê-lo. Enfim, somente evolui quem reconhece e é capaz de aprender
com os erros cometidos.
Sempre dizemos que o
Brasil é o país do futuro: Isso pode acontecer algum dia? Quando? Como será
possível?
Similarmente à questão anterior, somente
deixaremos de ser o “país do futuro” se aprendermos com os erros cometidos, se
valorizarmos a nossa memória, se tornarmos a accountability um hábito, se houver responsabilização por ações e
omissões. De acordo com a lógica do PDCA, o progresso exige certos requisitos
que me parecem insuficientemente incorporados entre nós. Não há almoço grátis.
Os resultados são provenientes de esforço, tal como a China nos ensina com o
modelo “996” (o trabalho se
inicia às 9h da manhã, termina às 9h da noite, durante os seis dias da semana).
Penso que tudo na vida é intimamente relacionado. É e sempre foi, uma vez que compomos
um subsistema. Há, portanto, consequências em todas as coisas que fazemos ou
deixamos de fazer. O economista Edmar Bacha publicou um texto que me parece
lapidar, referindo-se à “ideia mãe de todas”; se adotada, emularia todas as
outras ações. Concordo plenamente com o que ele diz: a ideia mãe proposta é
abrir o mercado, observando concorrência ética em todos os sentidos. O homem é
movido a desafios; para crescer requer desafios. É obvio que haverá mortos e
feridos, efeito colateral de todas as guerras. Seria bom que pudéssemos ter uma
saída amena e doce; mas isso, infelizmente, contraria a natureza.
Que conselhos daria a um
jovem que está trabalhando e se vê impactado por esta crise?
Em primeiro
lugar, manter esforço continuado e orgulho pelo que faz. Felizmente, fui do
tempo em que o ensino na escola pública era bom. De outra forma, como tinha
origem humilde, dificilmente teria me formado. Tenho orgulho de até hoje
lembrar-me dos hinos das escolas que marcaram a minha vida, desde a escola
secundária até a formação como paraquedista. Conhecer-lhes os hinos significa ter
“encaixado” o valor simbólico de cada uma dessas escolas. Reconhecer o
necessário simbolismo dos nossos entes parentais é uma condição que lamentavelmente
hoje permanece quase que exclusivamente em escolas militares e nas escolas que
preparam forças especiais. Este modelo é universal, cujas condições se repetem
mundo afora, em face estruturação dos respectivos provedores (professores e
instrutores entusiasmados). Todas têm em comum a estimulação ao orgulho pela
conquista, que reside nas áreas mais profundas do sistema nervoso, e por isso
marcantes.
Em segundo
lugar, ler! Ler muito e o tempo todo. Não temos o hábito da leitura. Nossas
bibliotecas públicas são poucas e despreparadas. Sem ler acabamos por ser um
país de ignorantes. Atualmente, diante das facilidades do Google e de outras
ferramentas, cada vez mais nos tornamos superficiais, resistentes à leitura.
Em terceiro
lugar, faria um apelo aos mestres: seria muito oportuno que a ABQ tivesse no
seu portfólio de ações voltadas à indução de políticas de estímulo à leitura em
casa e nas escolas, ponto de partida para a geração do indispensável hábito da
leitura, sem a qual será difícil sairmos da armadilha da renda média.
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