Por Luiz Nascimento
Introdução
Essa deverá ser a 6ª edição da norma ISO
9001, a primeira edição foi publicada em 1987. Seguiram-se as edições de 1994,
2000, 2008 e a última em 2015. Nesses mais de 30 anos, a norma passou por
várias atualizações para se adequar à evolução da gestão da qualidade e às
transformações no ambiente de negócios.
De acordo com as diretivas da International
Organization for Standardization – ISO, suas normas devem passar por um
processo chamado systematic review, no máximo a cada cinco anos, para
determinar se devem ser confirmadas, emendadas, revisadas ou descartadas. Seu
objetivo é manter as normas atualizadas e relevantes para o mercado em geral e
em particular para seus diversos públicos de interesse, como dirigentes de
organizações que decidem adotá-la, gerentes da qualidade, provedores de
capacitação, consultores e auditores, entre outros. Esse processo deve ser
iniciado ainda neste mês de julho com uma consulta aos países membros da ISO. A
partir do resultado da systematic review, o subcomitê encarregado da
norma terá seis meses para decidir que rumo tomar com relação à revisão da ISO
9001:2015.
O processo de revisão de uma norma é
determinado por diversos fatores além do período máximo de vigência definido
pela systematic review. A experiência e o aprendizado acumulados pela
aplicação da norma ao longo do tempo também são relevantes para o seu
desenvolvimento. Da mesma forma, as necessidades e expectativas dos vários
públicos de interesse. Além desses diversos inputs, a ISO tem diretivas que
condicionam a elaboração de seus documentos.
Faremos a seguir uma breve retrospectiva do
desenvolvimento histórico da norma e algumas considerações sobre a revisão do
chamado Anexo SL das diretivas da ISO. Por fim, à guisa de conclusão, nos
atreveremos a fazer algumas especulações a respeito da próxima edição.
Desenvolvimento
histórico da norma ISO 9001
A edição original de 1987 da norma ISO 9001
era constituída por uma coleção de requisitos isolados para os sistemas da
qualidade das organizações de então, à época majoritariamente manufaturas, sem
correlação explícita entre si. Era dividida em três modelos com níveis
diferentes de requisitos que deveriam ser selecionados em função da abrangência
do processo produtivo particular do fornecedor. O nível mais abrangente, representado
pela ISO 9001, estabelecia os requisitos para um sistema da qualidade segundo
um modelo de garantia em projeto & desenvolvimento, produção, instalação e
assistência técnica. O nível intermediário, representado pela ISO 9002, era
basicamente voltado para organizações que não desenvolviam projeto &
desenvolvimento, e o terceiro, pela ISO 9003, aplicava-se principalmente a
distribuidores e representava um sistema da qualidade para um modelo de
garantia apenas por meio de inspeção e ensaios finais. Essa edição original foi
revisada pela primeira vez em 1994, quando as tendências de uso apontavam para
uma convergência dos três modelos para um modelo único de garantida da
qualidade. À época já havia uma certa experiência acumulada na aplicação dessas
normas ao redor do mundo e as estatísticas mostravam que o mercado adotava
majoritariamente o modelo da ISO 9002, seguido pela ISO 9001. Talvez por ser a
norma primordial de “sistemas de gestão” da ISO, verificava-se um fenômeno que
eventualmente possa-se atribuir ao caráter incipiente dessas normas: a adoção
do modelo da ISO 9002 por empresas que desenvolviam atividades de projeto &
desenvolvimento, mas que preferiam iniciar pelo modelo da ISO 9002 para ganhar
experiência e progredir para a ISO 9001, embora não fosse esse o propósito da
divisão em níveis. O modelo da ISO 9003 tinha uma participação extremamente
tímida no mercado e sua tendência era deixar de ser adotado em um futuro
próximo. A primeira revisão em 1994, sem mudar essencialmente os requisitos e conceitos
dos sistemas da qualidade, desempenhou o papel de antecipar a revisão que viria
a acontecer em 2000, como uma espécie de norma de transição.
A terceira edição da ISO 9001, em 2000, se
afigurou como a primeira revisão de fato da norma, ou seja, pela primeira vez
desde a edição original trazia à cena novidades e alterações significativas
para os sistemas da qualidade. Nessa versão, os três níveis de modelos
anteriores foram consolidados em uma norma única de sistema de gestão, a ISO
9001, com flexibilidade de aplicação de seus requisitos para as organizações
que não desenvolviam todas as etapas do processo produtivo e que aplicavam até
então os modelos parciais da ISO 9002 ou ISO 9003. De maneira inédita, porém
refletindo o que já era praticado por organizações de gestão mais desenvolvida,
foi introduzido na norma o conceito de sistema de gestão e de gestão por
processos. Os requisitos estabelecidos pela norma não apareciam mais de maneira
isolada, mas incorporavam a visão sistêmica e foram correlacionados segundo um
modelo de processo que enfatizava suas interações e os objetivos globais do
sistema de gestão. Essa edição representou um enorme avanço para os sistemas de
gestão da qualidade da época e causou um impacto significativo no mercado,
especialmente para as organizações que ainda não praticavam a gestão por
processos e para os esquemas de certificação de sistemas de gestão da
qualidade. Essas novidades foram de lenta assimilação pelos diversos agentes
envolvidos nos sistemas, como as próprias organizações que visavam conformidade
com a norma, clientes dessas organizações, certificadores e auditores, além de
provedores de treinamento, etc. Em 2008 foi lançada a quarta edição da norma.
Naquela ocasião os conceitos e requisitos da revolucionária edição de 2000
ainda não haviam sido completamente assimilados pelos sistemas de gestão e,
portanto, o mercado optou por uma revisão “menor” da norma em que eram
permitidas apenas pequenas alterações no texto para melhorar sua clareza, sem,
contudo, incorporar nenhuma alteração em requisitos. Dessa forma, seu impacto
não foi significativo, não havendo tampouco a necessidade de recertificação
para as organizações que detinham um certificado de acordo com a terceira
edição de 2000.
Depois de permanecer praticamente inalterada
por quase quinze anos, a norma ISO 9001 passou novamente por uma revisão
profunda em 2015. Essa quinta edição, que é a vigente, trouxe maior
flexibilidade às organizações para definir os aspectos mais significativos para
suas operações e para atender aos requisitos da norma de uma forma adequada às
suas necessidades específicas, foram abolidas praticamente todas as prescrições
que diziam respeito às formas de implementação das atividades, como a exigência
de um manual da qualidade e da designação de um representante da alta direção
para o sistema de gestão da qualidade, e foi realçado o foco na adequação do
sistema de gestão da qualidade às finalidades do negócio da organização. Depois
de mais de vinte e cinco anos de aplicação da norma, os sistemas de gestão já
tinham atingido uma maturidade que possibilitava que passassem a ser
especificados, de fato, pelo seu maior interessado: as próprias organizações
que os implementam. Houve, a exemplo do que ocorreu em 2000, um impacto
significativo, tanto para a alta direção das organizações, que se deparou com
uma demanda de atuação mais estratégica e com uma nova ênfase nas suas
atribuições, como para auditores, que passaram a lidar com requisitos menos
prescritivos e a ter que admitir que a própria organização determinasse o que é
relevante para o seu sistema. Duas outras novidades tiveram impacto
significativo para os sistemas de gestão a partir da edição de 2015: a
introdução do conceito de risco e o advento de uma estrutura comum para todas
as normas de requisitos de sistemas de gestão da ISO. A incorporação da
mentalidade de risco aos sistemas de gestão talvez tenha sido o principal fator
que proporcionou uma melhor assimilação do sistema de gestão da qualidade ao
sistema de gestão global da organização. Ao permitir que a organização
determine quais riscos e oportunidades lhes são significativos, deixou de fazer
sentido a aplicação linear de todos os requisitos e abriu-se a possibilidade da
aplicação mais eficaz e eficiente de controles robustos sobre os aspectos mais
vulneráveis e ao mesmo tempo um alívio em controles sobre as atividades que não
representam risco significativo. A gestão dos riscos, em última instância,
torna o sistema mais ajustado ao contexto da organização e reduz seus custos.
Diretivas ISO
- O Anexo SL
Com a lançamento das normas de gestão
ambiental da família ISO 14000 em 1996, várias organizações ao redor do mundo,
atendendo às demandas ambientais, decidiram estabelecer também sistemas de
gestão que atendessem a requisitos dessa natureza. Ao necessitarem implementar
esses sistemas simultaneamente com os sistemas de gestão da qualidade,
tornaram-se evidentes as incongruências entre as normas ISO das duas
disciplinas. Posteriormente, com a edição de normas de sistemas de gestão de
outras disciplinas, como saúde e segurança do trabalho, segurança da
informação, segurança alimentar, e dezenas de outras normas de sistemas de
gestão que se seguiram, o problema ganhou uma nova dimensão. Com o propósito de
melhorar a compatibilidade e o alinhamento de suas normas de requisitos de
sistemas de gestão, a ISO decidiu editar uma estrutura comum para todas as suas
normas de requisitos de gestão. Essa abordagem comum para as normas de
requisitos de sistemas de gestão visava aumentar o valor de tais normas para os
usuários, particularmente para aquelas organizações que escolhessem operar um
sistema de gestão singelo, algumas vezes chamado “integrado”, que pode atender
aos requisitos de duas ou mais normas simultaneamente.
O Technical Management Board da ISO -
TMB, instância superior aos comitês técnicos, foi essencial na coordenação de
todas essas iniciativas. Em 2012, seguindo as propostas do Joint Technical
Coordination Group - JTG, o TMB adotou a resolução de que todas as normas
de requisitos para sistemas de gestão da ISO passassem a compartilhar a mesma High
Level Structure, com idênticos texto básico e termos e definições que
constituem o seu o núcleo. Essas disposições
foram incorporadas no anexo SL das Diretivas da ISO parte 1 High level structure,
identical core text and common terms and core definitions for use in Management
Systems Standards. A High
Level Structure inclui as 10 seções principais e seus títulos, em uma
sequência fixa. O texto básico idêntico inclui os títulos e o conteúdo de
subseções numeradas. Todas as normas de requisitos para sistemas de gestão da
ISO tiveram compulsoriamente que seguir, a partir de então, essa determinação,
com alguma flexibilidade para adicionarem requisitos específicos em função da
disciplina específica de cada norma.
Os trabalhos de coordenação entre os diversos
comitês internacionais da ISO que editam normas de sistemas de gestão e de
aumento de compatibilidade de suas normas já vêm, portanto, de longa data. O
resultado mais significativo dessa iniciativa nesses anos todos, antes da
edição do Anexo SL, foi a integração das antigas normas de auditorias na atual,
e única, ISO 19011.
As normas de sistemas de gestão da ISO, com a
edição do Anexo SL, passaram a desfrutar de um conteúdo comum, mas que, em
contrapartida, influencia seu conteúdo específico. O grau de determinação do
Anexo SL sobre o conteúdo das normas de requisitos de sistemas de gestão varia
em função da disciplina específica, mas é significativo para qualquer uma
delas, representando praticamente a maior parte do texto. Um outro efeito da
edição do Anexo SL foi uma certa sincronização implícita das edições das
diversas normas que a ele estão subordinadas. Assim, as revisões das normas
passaram ter um compromisso com a evolução do Anexo SL, tanto em termos de
conteúdo, como cronologicamente.
Embora, por ser um documento de uso interno,
o anexo não esteja sujeito às regras da systematic review, também
precisa ser atualizado em compatibilidade com a atualização necessária das
normas que adotam seu conteúdo como base comum. Passados oito anos desde a
edição do Anexo SL, a Task Force do JTCG designado para revisar a High
Level Structure concluiu recentemente a revisão do apêndice 2. Essa revisão
está sendo encaminhada para votação entre os países membros ainda neste mês de
julho. O trabalho da Task Force prossegue com a revisão do apêndice 3,
que trata das formalidades de redação da norma. No entanto, no que se refere à
influência sobre o conteúdo das normas de sistemas de gestão, o apêndice 2 é
definitivo.
Considerações
finais
Com base no histórico de desenvolvimento das
revisões anteriores da norma ISO 9001, nas perspectivas resultantes da revisão
ao Anexo SL, na evolução dos trabalhos dos grupos de revisão e em outros
“sinais”, arriscamo-nos a especular sobre o teor da próxima revisão.
A análise histórica das cinco edições
anteriores da norma ISO 9001 demonstra que, apesar de o tempo entre revisões
ser longo e das mudanças cada vez mais aceleradas no contexto dos negócios aos
quais se aplica a ISO 9001, essa dinâmica não se reflete nas demandas por
revisão da norma. Como uma norma de requisitos para Sistema de Gestão da Qualidade,
a ISO 9001 desempenha um papel fundamental nas transações comerciais. Outras
normas da família da ISO 9001 tem papéis específicos, inclusive para melhoria
do desempenho das organizações, mas a ISO 9001 é uma especificação que tem sido
usada em situações onde um provedor precisa demonstrar para seus compradores
que atende a um conjunto mínimo de requisitos com o objetivo de dar confiança
em que o que foi especificado na compra será de fato entregue. Como
consequência desse caráter contratual, a norma ISO 9001 enfrenta, a cada
revisão, o dilema de evoluir, acompanhando a evolução dos contextos e ao mesmo
tempo manter uma relativa estabilidade, dado que grandes ou constantes
alterações, em geral, são indesejáveis em contratos comerciais.
Desde sua edição original em 1987, apenas as
revisões de 2000 e 2015 trouxeram alterações profundas e significativas na
norma. As revisões intermediárias de 1994 e 2008 foram de pouco impacto. A
primeira, em 1994, foi apenas um alinhamento dos três níveis de requisitos vigentes
em 1987, representados pelas antigas ISO 9001, ISO 9002 e ISO 9003 para uma
futura transição para um modelo de um único nível que foi a edição de 2000 e a
segunda, em 2008, passou apenas por alterações de texto, sem a introdução de
novos requisitos ou requisitos modificados em relação à edição de 2000,
tecnicamente nem chegou a ser considerada uma revisão, mas um amendment (uma
emenda). A expectativa agora é que ocorra o mesmo com a próxima revisão, ou
seja, que não haja alterações significativas em relação à ISO 9001:2015.
Examinando a evolução do Anexo SL até o
momento, particularmente as propostas de revisão do apêndice 2, também pode-se
inferir que não deverá haver alterações significativas na edição atual. O texto
da High Level Structure passou por uma revisão limitada com alguns
ajustes de forma no texto e de terminologia, sobretudo com relação ao uso dos
verbos “manter” e “reter” em conjunto com a expressão ‘informação documentada”.
A expectativa de uma mudança em relação à abordagem de risco, por falta de
consenso, não se verificou.
Ainda que estejam por
vir o resultado da consulta aos países membros sobre a systematic review
e os resultados da pesquisa que o subcomitê encarregado da revisão da norma ISO
9001 deverá conduzir junto aos usuários da norma até o final do ano, a aposta é
que a nova edição da norma ISO 9001 não deverá trazer surpresas nem alterações
significativas em relação à atual versão 2015. A conferir!
Luiz
Carlos do Nascimento é Engenheiro Naval, Gestor
do ABNT/CB-25 Comitê Brasileiro da Qualidade da Associação Brasileira de Normas
Técnicas. Líder
da delegação brasileira no Comitê Internacional ISO/TC 176. Group Leader do ISO/TC 176/ SC2/ TG 01 for Input into
the work of the Joint Technical. Coordination Group for Management System Standards
(the JTCG) e Membro
da ABQ – Academia Brasileira da Qualidade
Fonte: Revista AdNormas (https://www.revistaadnormas.com.br/)
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