Vivaldo Antonio Fernandes
Russo
1.
Considerações iniciais
No ano do descobrimento do Brasil em
1500, Pero Vaz de Caminha era o escrivão da armada de Pedro Alvares Cabral. Ele
redigiu uma longa carta para o rei de Portugal D. Manuel I contando a boa nova.
Ao final dela, assim escreveu: “Nela, até agora, não pudemos saber que haja
ouro, nem prata, nem coisa alguma de metal ou ferro; nem lho vimos. Porém a
terra em si é de muito bons ares, assim frios e temperados como os de Entre
Douro e Minho, porque neste tempo de agora os achávamos como os de lá. Águas
são muitas; infindas. E em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar,
dar-se-á nela tudo, por bem das águas que tem” (MINISTÉRIO DA CULTURA,
2020). Este foi o primeiro registro oficial de que um futuro promissor era
reservado ao Brasil.
Transcorridos quinhentos e vinte anos,
hoje sabemos que Caminha estava certo. O território brasileiro tem dimensões
continentais. Praticamente oitenta porcento da Europa cabe dentro dele. O solo
é rico em minerais, metais preciosos como ouro e metais industriais como ferro,
alumínio, nióbio, além de vários outros. Há extensas florestas, a fauna é rica,
os inúmeros rios, como o Amazonas, caudalosos. O clima é equatorial e
temperado. E, praticamente, livre de fenômenos climáticos notáveis como
terremotos, vulcões, tornados e furacões. Conforme dados da Carlos Cogo
Consultoria (2017) a área total do país tem mais de 850 milhões de hectares,
dos quais 30% é disponível para agricultura. Esta por sua vez, somente 32% é
utilizada atualmente. A área ainda disponível para agricultura é a maior do planeta.
Seremos celeiro do mundo. A população passa de 210 milhões de habitantes. Muitas
universidades tanto públicas como da iniciativa privada complementam a rede de
ensino. Todavia, ainda, o Brasil não é um país desenvolvido!
De
fato, de acordo com o Banco Mundial, o Brasil é classificado como país de renda
média. Seu Produto Interno Bruto
(PIB) per capita anual é em torno de 15 mil dólares norte-americanos,
enquanto países de renda alta como Estados Unidos e Alemanha, apresentam PIB per
capita de, no mínimo, 50 mil dólares norte-americanos por ano. Em outras
palavras, o Brasil está preso na armadilha da renda média. O país continua,
desde a época de Caminha, sendo o país do futuro!
O
objetivo do trabalho mostrado nesse relatório é estudar as razões pelas quais o
Brasil está preso e não consegue escapar desta armadilha. Iniciaremos o estudo
analisando, naturalmente, publicações de cunho econômico. Todavia, veremos que,
provavelmente, no Brasil, as causas raízes desse desafio são mais profundas e
se devem às certas características intrínsecas da sociedade brasileira
adquirida ao longo de sua formação.
2. Teoria da “Armadilha da Renda Média”
O termo “armadilha da renda
média” foi cunhado em 2006 por Homi Kharas e Indermit Gill quando estudaram a
economia de países do Leste Asiático. Desde então, inúmeros especialistas
pesquisaram o assunto, basicamente para responder sobre duas questões: há
evidência que suporta a existência da armadilha? E como os países de renda
média podem escapar delas?
Kharas & Gill (2020) fizeram
uma síntese do que foi escrito até agora sobre o tema. Analisando a vasta quantidade
de artigos publicados, os autores encontraram várias dificuldades para identificar
áreas que pudessem ser sugeridas aos responsáveis por definir políticas públicas
para manter o crescimento econômico dos países de renda média. Entre essas
dificuldades, destacam muitos problemas econométricos, limitado número de transições
bem sucedidas de renda média para renda alta e o caráter muito geral de
evidências robustas (como, por exemplo, economias abertas crescem mais rápido).
Tais obstáculos levaram os
autores a buscarem teorias que possuem como temas centrais as transições e suas
dinâmicas, pois devemos imaginar os países de renda média como estando numa
fase de transição complexa de uma economia entre acumulação e inovação.
Portanto, esta fase envolve, aumentar investimento em capital humano e
financeiro (acumulação), criar incentivo para inovação e criar instituições que
assegurem o alinhamento, no tempo, da transição da acumulação à inovação, isto
é, garantir que não apareçam estruturas obsoletas que emperrem o crescimento. Esta
estratégia de três pontas é bem mais complexa do que a simples estratégia de
transformar um país de renda baixa em renda média cujo foco primário se assenta
na acumulação ou a estratégia, também relativamente simples, de fazer um país
de renda alta crescer ainda mais, onde o foco primário está na inovação, embora
algumas vezes englobe acumulação de capital. Os responsáveis por definição de
políticas públicas envolvidos em situações como as dos países de renda média
têm encontrado, em modelos fundamentados na teoria Schumpeteriana da destruição
criadora, boas orientações.
O economista Joseph
Shumpeter, reconhecido como um dos gigantes do pensamento econômico,
considerava que a instabilidade seria parte da própria essência do capitalismo.
O dinamismo desse resultaria justamente da possibilidade de novos entrantes no
sistema – os participantes inovadores com alguma descoberta relevante –
desafiarem o poder de mercado das empresas até então dominantes. Daí o nome de
“destruição criadora”. Destruição, porque não há como uma inovação surgir sem
deixar um rastro dela no caminho e, criadora, porque a inovação seria a força-motriz
do sistema (GIAMBIAGI, 2015).
Esses modelos, segundo
Kharas & Gill (2020), ajudam explicar o investimento necessário na
acumulação de capital humano, em infraestrutura e em esforços para acelerar
inovações. Como exemplo, os autores citam o caso de várias economias da América
Latina que, de acordo com McKinsey Global Institute (2019), apresentam incontáveis
empresas, frequentemente, informais, que coletivamente empregam milhões, mas
que seguram o crescimento do país devido à baixa produtividade. Além disso, a
competição doméstica não é forte suficiente para obrigar estas firmas se
inovarem, ou forçá-las a falir, liberando recursos a ser empregados de maneira
mais produtiva. Para casos como esses, os autores mencionam que Lee (2014) sugere que países de renda
média deveriam se especializar naqueles setores onde a tecnologia está movendo
mais rapidamente. Nesses setores, Lee enfatiza que a legislação para “pequenas
patentes” exige menor grau de inovação para períodos de proteção de apenas 10
anos, porem elas podem ser registradas mais rapidamente e a menor custo.
Tendo isso em mente, os
autores complementam suas sugestões recomendando que os responsáveis por políticas
públicas dos países de renda média procedam uma análise séria no ambiente
competitivo, cuidem da gestão de crises decorrentes da destruição criadora e garantam
a mobilidade social, que permitem empreendedores de sucesso moverem em direção
à elite econômica e diminuam a desigualdade social. Todavia, esta última
sugestão é polêmica e geram caminhos alternativos.
Assim sendo, os autores concluem
que o Banco Mundial identifica poucos caminhos para igualar as oportunidades
econômicas: cuidados maternais decentes e desenvolvimento, desde cedo, da
criança; acessibilidade de educação de qualidade para todos; e mercado de
trabalho eficiente. Tudo próprio de políticas públicas através investimentos,
legislação e incentivos.
Dentro dessas perspectivas, eles
declaram, é difícil não concluir que os desafios de um país de renda média são
assustadores.
Para consolidar esses
conceitos, vamos, a seguir, extrair alguns trechos da entrevista do economista Otaviano
Canuto, do Banco Mundial, realizada em 2014 e posta no sítio InfoMoney:
“A armadilha da renda
média é o risco de que um país, depois de transitar de níveis baixos de renda
para níveis médios, não consiga manter o ritmo e ascender aos patamares de países
desenvolvidos. Há coisas em comum em todos os casos de transição de renda baixa
para renda média: a transferência de pessoas de atividades de subsistência para
atividades modernas, em geral nas cidades, grandes aumentos na produtividade
total, até porque os trabalhadores não precisam ganhar muita escolaridade,
usasse tecnologias existentes, etc. e tal. Pois bem, a partir daí, o quadro de
políticas necessárias muda, porque se passa a se precisar de mais inovação
interna e menos imitação, há necessidade de níveis de educação mais elevados da
população, há necessidade de instituições que permitam o funcionamento da
economia com baixos custos de transação, porque elas se tornam mais
complexas…Grandes cadeias de produção… E aí a tarefa se torna, às vezes, muito
difícil para alguns países transitar de uma fase para outra. A América Latina,
de certa maneira, que tem países quase todos de renda média, alcançou esse estágio
há algum tempo atrás, várias décadas atrás, e, no entanto, não conseguiu
transitar para cima”. ... “O Brasil tem uma renda média, mas ele tem pedaços de
renda baixa. Tem uma parcela da população com atividades de baixa
produtividade, cada vez menos, felizmente, mas tem, e tem pedaços de economia
avançada. Pense na agricultura sofisticada brasileira, é uma agricultura
intensiva em tecnologia, intensiva em informação meteorológica, intensiva em
insumos modernos e em maquinário. Pense na capacidade de produção de petróleo em
águas profundas, ou a Embraer, que é também um excelente exemplo de uma cadeia
de valor agregado global que está sob o comando por conta da capacidade de
design dos aviões etc. Mas esses pedaços, essa parcela da população ocupadas
nessas atividades de alta renda, não é suficientemente grande para permitir a
subida do nível de renda como um todo”. ... “Na verdade, ao invés da dicotomia
entre importar ou produzir, o que vale é a solução criativa. Hoje em dia, e há
muito tempo, as tecnologias são sistemas complexos que não tem que ser
inteiramente geradas no mesmo local. A interação com o que acontece no resto do
mundo é fundamental, porque ela permite a fertilização. É preciso haver um
esforço criativo de adaptação da tecnologia, porque a partir da adaptação
criativa é que se cria outras inovações. Na verdade, não há anteposição entre a
imitação e a inovação, desde que se valendo do mero processo de utilizar
tecnologias padronizadas sem agregar nada” (CANUTO, 2014).
3.
Causas econômicas ou político-sociais?
Pelo
que vimos no item anterior, a complexidade para um país de renda média saltar
na direção de um país de renda alta exige grande liderança e suporte do Governo,
através de políticas públicas, no sentido de dar esse salto com sucesso,
através da criação de um ambiente competitivo, da administração de crise e da
mobilidade social (redução da desigualdade social).
Uma
vez que, até hoje, o Brasil nunca escapou da armadilha da renda média, podemos questionar
se as causas que impedem o crescimento econômico e, consequentemente, seu
desenvolvimento, fazem parte de certas características intrínsecas do perfil da
própria sociedade brasileira. Tudo
indica que, se for o caso, essas causas nasceram durante sua formação ao longo
da história. Mas a tarefa de responder tal questionamento é extremamente
complexa. Em artigo sobre ataques a monumentos considerados símbolos da
injustiça social, Martins (2020a) advertiu que “na mentalidade popular e na da
elite, a mesma distorção preside nossa concepção da história, a de que é ela
unilateral, linear e dos que mandam. A história é processo movido por
contradições que respondem pela legítima diversidade dos atores, seus desencontros
e, também, seus encontros”.
Sendo
assim, propomos o seguinte método para tentar esclarecer as razões da prisão do
país na armadilha da renda média: com opiniões sobre o tema de alguns
especialistas, montamos uma hipótese e depois verificamos se ela atende a
alguns momentos históricos importantes, atuais e passados. Mas, essa verificação
não será exaustiva. Ficará em aberto para eventuais contestações no futuro, que
sempre serão bem-vindas e analisadas. Portanto, a hipótese aqui formulada, se confirmada,
permanecerá, mas não necessariamente, para sempre...
Este
procedimento é bem conhecido e adequado quando estamos diante de um problema complexo
cujas causas são difíceis de encontrar e comprovar. Um exemplo famoso trata da proposta
de Albert Einstein denominada Teoria da Relatividade Especial. No início do século
passado, alguns aspectos relacionados à velocidade da luz ainda não eram bem
entendidos pela comunidade científica. A mecânica clássica de Newton considera
que tempo e espaço são grandezas absolutas. Mas, a velocidade precisa de uma
referência para ser definida. Por exemplo, provavelmente, o leitor deste
relatório esteja sentado numa poltrona no interior de uma sala lendo-o. Sua velocidade
em relação às paredes é nula, porem sua velocidade em relação ao sol não é
zero, pois acompanha o movimento da Terra! Em 1905 Einstein concebeu que a
velocidade da luz no vácuo é sempre a mesma, independente do referencial usualmente
escolhido. Esta hipótese chocou o universo científico. Ela oferece uma
explicação para as dúvidas acima mencionadas, todavia admiti-la significa aceitar
que espaço e tempo não são absolutos! Na época não havia condições técnicas de
montar experimentos para provar a nova Teoria. Por outro lado, aqueles que
ainda ponderam pela validade da mecânica newtoniana são contestados pelo fato
de que as velocidades dos corpos ao nosso redor são muito menores do que a da
luz. Assim, as variações de tempo e espaço em relação às velocidades desta
ordem de grandeza são imperceptíveis ao observador. Mais tarde, com o avanço da
tecnologia, novas situações foram respondidas positivamente pela hipótese
relativística. E, isso, permanece até agora, mas não, necessariamente, para
sempre...
Voltando
à nossa hipótese, é preciso confrontá-la também com a história dos Estados
Unidos, tomada por referência, uma vez que eles foram colonizados, como o
Brasil, pelos europeus e, na mesma época. Martins (2020b) comentando o saber
médico e o popular disse “o brasileiro é culturalmente duplo, nas concepções e
na língua, uma das consequências das duas escravidões que fizeram o Brasil que
conhecemos, a indígena e a negra, além da influência do branco retrógrado.
Somos um país atrasado”. ... “O problema começa pelo fato de que há no Brasil,
historicamente, uma ampla ignorância induzida, que se tornou o fundamento de
uma cultura paralela de permanente disputa entre juízos de valor e juízos de
realidade. A ignorância é desde a origem do Brasil, um instrumento de poder”.
Entretanto, os Estados Unidos experimentaram também a escravidão negra e, mesmo
assim, ela não impediu que o país se transformasse na maior potência do
planeta.
Antes de formular a hipótese
acima, é importante trazer alguns conceitos sobre desenvolvimento e o papel do
crescimento econômico – medido pelo PIB ou PIB per capita - neste
processo. Caso contrário, não há justificativa para encontrar as causas que
levaram o Brasil à armadilha da renda média e a necessidade de sair dela pela
eliminação destas causas.
O crescimento econômico aumenta a renda
real da maioria das famílias, mas não garante o bem-estar social. Em outras
palavras, crescimento econômico é condição necessária, porém não suficiente para
melhorar o bem-estar da população. “Portanto,
o crescimento econômico é um importante impulso para o bem-estar nos estágios
iniciais, mas torna-se menos significante nos estágios posteriores do ciclo de
desenvolvimento sustentável” (RUSSO & BRESCIANI, 2020).
Os autores mostram ainda como algumas
instituições internacionais avaliam o bem-estar social. A Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE), por exemplo, “identifica três pilares
para entender e medir o bem-estar social: a) condições materiais de vida; b)
qualidade de vida; c) sustentabilidade”.
As condições materiais consideram renda
e riqueza, trabalho e suas condições e moradia. A qualidade de vida reúne as
dimensões saúde, equilíbrio vida-trabalho, educação, conexões sociais,
engajamento cívico e governança, qualidade do meio ambiente, segurança pessoal
e bem-estar subjetivo, muitas vezes conhecido como felicidade. Finalmente, a
sustentabilidade se refere às fontes dos recursos que garantem o bem-estar
futuro, isto é, capital natural, capital econômico, capital humano e capital
social.
4. Formulação da hipótese sobre as causas
da prisão do Brasil na armadilha da renda média
A armadilha da renda
média tem, a princípio, caráter econômico. Desta forma, lançamos mão das opiniões
sobre o assunto por parte de alguns analistas brasileiros especialistas na área
da Economia. Com isto esperamos criar uma hipótese consistente.
Em sua coluna no
jornal O Estado de São Paulo, Celso Ming, faz referência aos quinhentos anos da
Reforma Protestante de Martinho Lutero, da qual destacamos:
“Algumas considerações publicadas na
imprensa brasileira sobre esses 500 anos sugerem que a Reforma Protestante teve
baixo impacto sobre a formação do nosso povo e da nossa cultura. É grave
equívoco. O principal impacto pode ser mais bem avaliado de maneira negativa.
Enquanto as colônias da Inglaterra e da Holanda nas Américas foram plasmadas
pela ética protestante e pelo espírito da Reforma, as colônias de Portugal e
Espanha foram construídas pelas doutrinas da Contrarreforma e do Concílio de
Trento (1545 a 1563). Essa diferença explica muita coisa. Enquanto as colônias
informadas pela Reforma tiveram mais condições para prosperar, construíram nova
ética do trabalho, cujo fruto passou a ser apropriado em consequência do mérito
e não das concessões do rei, as colônias ibéricas, Nova Espanha e Brasil, foram
conduzidas à Inquisição e à retranca, e até hoje continuam paralisadas pelo
patrimonialismo, pelo nepotismo e pela corrupção. A Reforma não se conteve nas
95 teses ... mas foi alavancada pelo pensamento modernizador, que valorizou o
ser humano. Começou com o Renascimento, de Erasmo de Roterdã, foi aprofundado
por Descartes, Hobbes e pela crítica ao atraso, que culminou no Iluminismo e em
Immanuel Kant. A Contrarreforma caminhou em círculos no âmbito da ortodoxia, da
sociedade fechada, das nomeações – que, dependendo da situação do tesouro,
podiam ser obtidas a peso de ouro -, das honrarias concedidas pela coroa e por
força dos seus monopólios. Nesse modelo, a sociedade não é um conjunto de
indivíduos com autonomia para tomar decisões, construir sua vida, escolher seus
dirigentes e criar as bases do estado moderno. Na Contrarreforma, a sociedade é
formada por associações de subgrupos hierarquicamente organizados, impostos de
cima para baixo, e não o fruto do contrato social”. ... “Enfim, cá estamos nós,
500 anos depois, tentando construir o futuro com essa matéria-prima, com essa
circunstância, com a liberdade possível”. (MING, 2017).
Posteriormente,
o autor publica na sua coluna artigo sobre a atuação das corporações na
política e na economia onde afirma, entre outras coisas:
“É conceito antigo.
Dá para dizer que vem da concepção aristotélica da sociedade e da política
segundo a qual os homens são naturalmente desiguais. Há as elites dirigentes,
os cidadãos comuns e ... também naturalmente, os escravos. Enfim, na sociedade
há uma ordem. A partir da cabeça, que é o rei, seus membros mantêm posição que
corresponde a uma função, como no corpo humano – daí o conceito de
corporativismo. Os privilégios decorrem do exercício da função na sociedade.
São direitos adquiridos. Cabe ao rei e aos dirigentes organizar essa
desigualdade e à Justiça, garanti-la”. ... “Em Portugal, a concepção
corporativista foi sacramentada por um corpo de leis denominadas Ordenações Manuelinas
(do rei dom Manuel), no qual são definidos e reconhecidos os principais
privilégios que se entendem como intangíveis, portanto não podem ser removidos
nem sequer pela Justiça.” ... “Até o fim do Império, o Brasil não reconhecia a
igualdade entre os homens. A abolição da escravatura, por exemplo, só chegou 18
meses antes da Proclamação da República. Mas muitos privilégios do Império,
como o dos cartórios, continuam aí. Outros foram se instalando e tomando corpo,
apesar da revolução iluminista, como certas entidades empresariais e segmentos
do funcionalismo público. É gente que se organiza em grupos, bancadas e
associações informais para defender seus próprios interesses e os interesses do
grupo”. ... “E já foi identificada a do BBB (Bala, Boi e Bíblia) que reuniria, evidentemente
não em bloco único, os defensores de uma segurança rígida, os pecuaristas e os evangélicos.
O presidente Getúlio Vargas inspirou-se no sistema corporativo da Itália
fascista, que se organizou a partir de um modelo de governo baseado na
representação de grandes grupos de interesses coordenados pelo Estado. Na
versão tupiniquim, a ideia pretendeu exercer controle tanto sobre o
proletariado como sobre as entidades patronais. A Consolidação das Leis do
Trabalho, a CLT, deriva desse espírito. As corporações não se aferram apenas a
uma concepção em última análise de desigualdade entre pessoas e, nessas
condições, pretendem ser “mais desiguais do que os outros”, no conceito
desenvolvido pelo britânico George Orwell no seu livro 1984” (MING, 2018).
Marcos Mendes
ao analisar 10 causas do baixo crescimento da economia brasileira desde 1985 comenta
a história por traz desta realidade sobre a qual nos chama atenção:
“Ao longo da história
do país, desde o período colonial, os grupos mais ricos usaram seu poder
econômico e antigos laços com a elite política para criar, preservar e ampliar seus
privilégios: crédito subsidiado de bancos públicos para grandes empresas;
socorros financeiros a empresas e empreendimentos agrícolas; sistema judiciário
frágil e sujeito a influência de poder econômico; proteção comercial aos
produtores nacionais etc” (p. 74). ... “Criou-se no Brasil um forte estímulo ao
comportamento rent-seeking, no qual cada grupo tenta extrair o máximo
possível de benefícios para si, ao mesmo tempo em que procura empurrar o custo
das políticas públicas para outros, fugindo à tributação” (p. 76). ... “Em suma,
a “a história por traz do baixo crescimento” parece ser a de um conflito social
existente em uma sociedade muito desigual, na qual os vários grupos pressionam
o governo por políticas distintas. O
Estado, por sua vez, tenta acomodar o conflito “redistribuindo renda para todos,
ou quase todos” com efeitos perversos sobre o potencial de crescimento
econômico. Cria-se assim, um modelo de baixo crescimento com distribuição
dissipativa”. ... “Ao longo de quase 30 anos de regime democrático, foi
possível equilibrar as pressões políticas e preservar a democracia. A economia,
porém, está sobrecarregada por tributação excessiva, infraestrutura ruim,
educação precária, altas taxas de juros e ambiente de negócios inóspito. As
perspectivas de crescimento de médio prazo são pálidas”. ... “Há um cenário
negativo, de perpetuação do atual modelo disfuncional. Para que se entre no
círculo virtuoso, seria necessária uma queda muito forte da desigualdade, que
ainda está em níveis muito altos apesar das reduções da última década” (ps.
78-79) (MENDES, 2014)
Em sua
coluna para o jornal Valor Econômico, Armando Castelar Pinheiro tratou da
armadilha da renda média, da qual destacamos:
“Entre 1985, ano da redemocratização, e 2018 nosso PIB per
capita cresceu à taxa média de 0,9% ao ano (a.a.)”. ... “Caminhamos para deixar
de ser um país de renda média e voltar a ser um país pobre. Por que o Brasil
fracassou de forma tão retumbante em se desenvolver durante um período tão
longo? Fracasso que, diga-se de passagem, não damos indicação de estar em vias
de superar”. ... “Melhor teria sido perguntar por que fomos incapazes de
utilizar a mesma "tecnologia de desenvolvimento" adotada por tantos
outros países? Por que insistimos em adotar políticas que já se mostraram
incapazes de gerar desenvolvimento, quando há alternativas comprovadamente mais
bem sucedidas e estas são de conhecimento público? Há anos me debato com estas
perguntas e, confesso, não parece haver resposta simples. De algum tempo para
cá convergi para a conclusão que uma das principais causas de não nos desenvolvermos
é adotarmos o presidencialismo de coalizão, que, talvez não por coincidência,
prevaleceu durante todo esse período. Também penso que, sem mudar isso,
continuaremos fracassando em nos desenvolver. Como explica Carlos Pereira, o
modelo eleitoral adotado pela Constituição de 1988 incentiva o
multipartidarismo e, "quanto maior o número de partidos, menor a chance de
o partido do presidente alcançar sozinho a maioria de cadeiras do Congresso. Se
desejar governar evitando o desconforto da condição de minoria, terá de
gerenciar coalizões pós-eleitorais. Para tal, precisa ofertar recursos
políticos e financeiros com os potenciais parceiros em troca de apoio político
no Legislativo" Entre esses "recursos" estão "ministérios,
cargos na burocracia, emendas no Orçamento etc.". ... “Ora, é mais ou
menos óbvio que um sistema desse dá fortes incentivos para que o Congresso
mantenha o governo -e o país - refém de seu apoio, de forma a poder continuar
usufruindo dos "recursos" que lhe são dados pelo presidente. Assim,
ainda que não deseje jogar o país no abismo da crise, o Congresso também não
deseja que o país se afaste muito dele”. ... “A falta de disciplina fiscal, em
especial com a forte expansão do gasto público, é outro problema causado, pelo
menos em parte, pelo presidencialismo de coalizão. De um lado, porque o
presidente precisa de recursos públicos para distribuir entre os partidos com
representação no Congresso. De outro, pois a falta de responsabilização dos
partidos pelos problemas do país estimula a aprovação de "pautas
bombas". Não por coincidência, a gestão do presidencialismo de coalizão ficou
mais difícil a partir de 2015, quando o governo passou a ter de conter o aumento
do gasto público”. ... “Penso que precisamos caminhar para um sistema com poucos
partidos, em que a sociedade reconheça claramente aqueles que apoiam o governo,
responsabilizando-os por seus erros e acertos” (PINHEIRO, 2019).
Em entrevista para o jornal O Estado de São Paulo sobre
desigualdade, Arminio Fraga relacionou-a com a armadilha da renda média:
“O
Bolsa Família é o programa mais relevante e há outras iniciativas, como a
política do salário mínimo, o Benefício de Prestação Continuada (BPC) e uma
série de ações ligadas à saúde, como a Atenção Primária, que é o pilar fundamental
do SUS. Mas é preciso turbinar e fortalecer tudo isso”. Perguntado se a China é
exemplo, respondeu; “Eles partiram de uma situação igualitária de extrema
pobreza, para índices de crescimento gigantescos. Isso gerou riqueza e, em
certa medida, um país mais desigual. Porém, o crescimento foi tão astronômico
que a qualidade de vida da esmagadora maioria das pessoas melhorou muitíssimo”.
... “O Brasil parte de um ponto extremamente desigual e pouco capaz de gerar
crescimento. É o pior dos mundos. O País ficou preso nessa armadilha da renda
média. E o atual governo, equivocadamente, está preferindo adotar uma linha bem
mais liberal, sem olhar o social. Essa era a ideia original, lá atrás, de que o
crescimento viria e resolveria o problema”. E, justificou que não deu certo “porque
o grau de desigualdade aqui é tal que o Brasil se tornou presa fácil para
populismos. E estes, por sua vez, tendem a gerar políticas públicas de péssima
qualidade, que não produzem melhoria de vida e bem-estar. A resposta para as extremas
desigualdades é investir na criação de oportunidades, melhorando a educação,
sobretudo a pública, melhorando a saúde, resolvendo o saneamento básico, investindo
em infraestrutura, em bens públicos. Tudo isso é pró-crescimento”. E completou
dizendo: “É impossível um país se desenvolver sem um Estado bom. Que cumpra
suas funções direitinho e que pense no bem maior, no bem público, e que aja de
maneira competente. Pode ser um Estado pequeno, médio, grande, isso não
importa. Como se sabe, há países que se desenvolveram com um Estado pequeno,
como os EUA. E há outros, como os escandinavos, com um Estado grande. O modelo
não faz diferença, desde que o Estado funcione”. (FRAGA, 2020).
Recentemente,
opinando no jornal O Estado de São Paulo, Roberto Macedo aproveita o momento da
pandemia do COVID-19 e cria o termo “embromavírus” para justificar a prisão do
Brasil na armadilha da renda média;
““Embromavírus”
é metáfora para um mal que acomete seriamente o Brasil, o adiamento ou
procrastinação de soluções para graves problemas que o País enfrenta há décadas,
ou mesmo séculos. O resultado é sintetizado por sua queda na armadilha da renda
média. O crescimento econômico do País desde o início do século passado,
revelado por seu produto interno bruto (PIB), foi bastante acelerado até a
década de 1970, levando-o, em termos per capita, a deixar o grupo dos países de
renda baixa e a integrar o de renda média. Mas ficou por aí, pois desde a
década de 1980 o PIB passou a uma fase de estagnação, definida como a de um
crescimento bem abaixo do potencial do País, que dura até hoje”. ... “Na raiz
dos problemas da economia está o “embromavirus”. ... “Gestores
devem buscar a solução de problemas importantes e urgentes, mas não podem, como
se faz aqui no setor público, descuidar dos importantes, mas não tão urgentes,
pois essa procrastinação pode agravar tais problemas, e dificultar ainda mais a
sua solução. O “embromavírus” chegou ao Brasil desde os seus primórdios. Quem
aqui mandava criou problemas e procrastinou sua solução, como ao permitir
escravos, adiar a sua libertação e, depois que esta veio, descuidar do sustento
deles e da sua educação. Hoje, com seus mandões atacados fortemente por esse
vírus, entre outros casos a má qualidade da educação pública infantil e básica
permanece como sério problema. A Previdência Social teve sua reforma adiada por
décadas e a de 2019 ainda deixou questões por resolver. Há a aversão a
reformas, a lenta burocracia, os super salários, um Executivo também lento, os
privilégios de um Judiciário igualmente marcado pela lentidão e os de um
Legislativo aético ao não se pautar pelo bem comum, salvo exceções cada vez
mais excepcionais. Os parlamentares prezam principalmente seus privilégios e a reeleição
de seus membros, outorgando-se as tais emendas parlamentares e uma profusão de
assessores, o que é indiretamente um financiamento público de campanhas
eleitorais para incumbentes, em prejuízo dos demais candidatos. O sistema
eleitoral proporcional, para escolha de deputados e vereadores, facilita a eleição
de bancadas voltadas para interesses de grupos organizados e que se opõem a reformas
que contrariem esses interesses. O que tem isso que ver com o crescimento
econômico? Sucumbindo a pressões políticas, o governo passou a um custoso
distributivismo de recursos, que levou a um forte aumento da carga tributária. Essa
carga retira recursos de empresas e cidadãos, que, da sua renda, poupam e
investem uma proporção maior que a do governo, de sua arrecadação e do que toma
de empréstimos, o que prejudica o investimento em capital produtivo, um motor
muito importante do crescimento. Também ao financiar seus déficits o governo
toma poupança do setor privado, e em larga medida a “despoupa” ao não investi-la.
No setor financeiro, os altos spreads bancários continuam a inibir quem busca
financiar-se para investir produtivamente. Sem investimentos, como em educação,
saúde, infraestrutura, incluído saneamento, inovação, competitividade, e outros
postergados pelo “embromavírus”, o Brasil não vai aumentar sensivelmente seu
PIB per capita, o que equivaleria a tornar seus cidadãos bem mais produtivos
por unidade de tempo e precisa ser incutido na cabeça de todos. Ou o País
acorda para derrotar o “embromavirus”, ou continuará na estagnação em que se
encontra, agravada pela enorme depressão ora em andamento e agravamento.
Sem derrotar esse vírus o País permanecerá na armadilha da renda média” (MACEDO,
2020).
Logo depois, Zeina Latif também
escrevendo para o jornal O Estado de São Paulo abordou diretamente o desafio da
armadilha da renda média. Destacamos os seguintes trechos do artigo:
“É
mais fácil um país pobre tornar-se um país de renda média do que este se tornar
rico. Os economistas Homi Kharas e Indermit Gill, do Banco Mundial,
identificaram essa dificuldade e a denominaram como “armadilha da renda média”
em 2007”. ... “As dificuldades são de duas naturezas. A primeira é mais
técnica: o investimento em infraestrutura e capital instalado gera crescimento
do PIB, mas em intensidade decrescente ao longo do tempo. Ficar rico exige
passos além: ganhos de produtividade, o que depende de muitas variáveis. A
segunda dificuldade é política. É necessário um arranjo institucional mais
sofisticado envolvendo a academia, imprensa, órgãos públicos e privados para se
construir consensos sobre políticas pró-crescimento. Boa vontade dos
governantes é essencial, mas não basta. Há um grande consenso entre economistas
mundo afora de que a educação de qualidade é variável chave para um país sair
da armadilha da renda média. No entanto, em países de renda média não se nota
mobilização de atores políticos nessa direção e tampouco envolvimento da
sociedade”. ... “Nesses países, o setor produtivo é, grosso modo, pouco
sofisticado, sendo menos penalizado com a falta de mão de obra qualificada em
comparação ao que ocorre em países ricos, que produzem tecnologia e buscam
inovação. O que o mobiliza não é a cobrança por educação de qualidade, mas sim benefícios
diretos”. ... “Direcionar mais recursos para abrir vagas e aumentar salários é tarefa
fácil e traz resultados e dividendos políticos rapidamente. Difícil mesmo é
pular para um segundo estágio de elevar a qualidade do ensino, como fizeram os
países ricos, para manter os jovens motivados na escola e prepará-los para a
vida. Especialistas apontam a necessidade de afastar professores pouco
eficientes, enfrentar sindicatos, treinar professores, revisar currículos e
adequar as escolas para a nova realidade tecnológica” (LATIF, 2020).
Após estes comentários dos analistas
escolhidos já podemos montar a hipótese que, acreditamos, ser bastante provável
para justificar o Brasil ter caído na armadilha da renda média e dela não ter
saído mais até agora. A redistribuição dissipativa do Estado para atender os
vários grupos que pressionam o governo. apontada por Mendes (2014). A
quantidade excessiva de partidos políticos que impedem a sociedade brasileira consiga
identificar a responsabilidades deles pelos acertos e erros, levantada por
Pinheiro (2019). A enorme desigualdade social que fez o Brasil tornar presa
fácil do populismo que gera políticas públicas de péssima qualidade, na visão
de Fraga (2020). O “embromavirus” que chegou ao Brasil desde seus primórdios e que
sempre procrastinou as soluções de sérios problemas, observado por Macedo
(2020). A falta de mobilização de atores políticos e envolvimento da sociedade
na direção da educação de qualidade alertada por Latif (2020). Todas essas
conclusões, convergem para a sociedade aristotélica da aceitação natural da
desigualdade entre os seres humanos adotada pelo corporativismo, tomado como
sendo um dos fundamentos básicos da Contrarreforma, seguida por Portugal e
Espanha desde a colonização da América, descrita acima por Ming (2018). Tal perfil
social compõe a raiz da nossa hipótese a ser testada, ou seja, os motivos que
levaram o Brasil a ficar preso e não se libertar da armadilha da renda média são
oriundos de um forte traço de corporativismo da sociedade brasileira deixado
como herança por Portugal, desde o período da colonização, por este último ter
adotado os princípios da Contrarreforma para se opor a Reforma Protestante de
Martinho Lutero.
Em nossa hipótese, o conceito de
corporativismo é o indicado pelos artigos do Ming (2017 e 2018), citados anteriormente,
no qual a formação da sociedade obedece a uma ordem. “A partir da cabeça, que é
o rei, seus membros mantêm posição que corresponde a uma função, como no corpo
humano”. Portanto, “nesse modelo, a sociedade não é um conjunto de indivíduos
com autonomia para tomar decisões, construir sua vida, escolher seus dirigentes
e criar as bases do estado moderno”.
Todavia, devemos ter em mente que o
conceito de corporativismo é mais amplo. De acordo com Noto (2014), o
corporativismo é um fenômeno multifacetado compreendendo muitos aspectos. Para
o autor, embora haja importantes teorias, o corporativismo é indubitavelmente fundamentado
em fatos históricos. Mais de 2000 anos de História nos impedem de defini-lo
simplesmente como estando posicionado em algum lugar entre o capitalismo e o
socialismo ou como a doutrina econômica de alguns regimes autoritários.
Dito isso, passamos a testar nossa
hipótese, nos próximos itens, confrontando-a com alguns fatos históricos que
julgamos importantes para sua comprovação.
5. Formação dos Estados Unidos
Antes
de tudo, temos que testar nossa hipótese diante dos Estados Unidos, tomado como
referência neste estudo, indagando a razão pela qual a hipótese a ser testada
não os impediu de alcançar alto grau de desenvolvimento econômico. Afinal, a
estratificação da sociedade aristotélica também aparece por lá. A meritocracia tomada
como valor primordial da Reforma Protestante e aceita pela Inglaterra e Holanda
conforme relatada por Ming (2017) nos dá uma pista.
Vamos
lançar mão de alguns trechos iniciais da seminal obra de Alexis de Tocqueville
escrita no século XIX sobre a democracia nos Estados Unidos:
“A América é o único
país onde se pôde assistir ao crescimento natural e tranquilo de uma sociedade
e no qual foi possível distinguir precisamente a influência exercida pela
origem sobre o futuro dos Estados” (p.54). ... “Na época das primeiras
imigrações, o governo comunal, esse fecundo germe das instituições livres, já
penetrara profundamente nos hábitos ingleses e, com ele, o dogma da soberania
do povo se introduzira no próprio seio da monarquia dos Tudores. Estávamos, por
essa época, em meio às querelas religiosas que agitaram o mundo cristão. A
Inglaterra precipitara-se com extrema veemência naquela nova ordem de coisas. O
caráter dos habitantes, que sempre fora grave e reflexivo, tornara-se austero e
argumentador. A instrução havia crescido muito naquelas lutas intelectuais; o
espírito recebera nelas uma cultura mais profunda. Enquanto ocupavam as gentes
de falar de religião, os costumes tornavam-se mais puros. Todos esses traços
gerais da nação se encontravam, em maior ou menor grau, na fisionomia daqueles
filhos seus que tinham ido buscar um novo porvir nas bordas opostas do Oceano”
(p.55). ... “Todas colônias inglesas tinham pois, entre si, na época de seu
nascimento, extraordinárias semelhanças. Todas, desde o princípio pareciam
destinadas a oferecer terreno propício ao desenvolvimento da liberdade, não a liberdade
aristocrática de sua pátria, mas a liberdade burguesa e democrática, de que a
história do mundo de nenhum modo apresentava ainda um modelo completo. No meio
desta uniformidade geral, percebiam-se, porém, acentuados matizes, e é
necessário mostrá-los. Podem distinguir-se na grande família anglo-americana
dois ramos principais que até o presente, cresceram sem se confundir
inteiramente, um do sul e um do norte. A Virginia recebeu a primeira colônia
inglesa. Os imigrantes lá chegaram em 1607. Nessa época, estava ainda a Europa
singularmente preocupada com a ideia de que as minas de ouro e prata constituem
a riqueza dos povos: ideia funesta que mais empobreceu as nações europeias que
a ela se entregaram e destruiu mais homens na América do que a guerra e todas
as más leis no seu conjunto. Foram, pois, homens à procura de ouro que se
enviaram à Virgínia; homens sem recursos e sem conduta, cujo espírito inquieto
e turbulento perturbou a infância da colônia e tornou incertos os seus
progressos. Chegaram depois os artífices e os cultivadores, raça mais moral e
mais tranquila, mas que quase não se elevava, em ponto algum, acima do nível das
classes inferiores da Inglaterra. Nenhum pensamento nobre, nenhuma combinação imaterial
presidiu à fundação das novas colônias. Mal era criada esta, introduzia-se nela
a escravidão; foi este o fato capital, que deveria exercer uma influência
imensa no caráter, nas leis e no futuro todo do Sul. A escravidão ... desonra o
trabalho; introduz a ociosidade na sociedade e, com ela, a ignorância e o
orgulho, a pobreza e o luxo. Obnumbra os poderes da mente e adormece a
atividade humana. A influência da escravidão, combinada com o caráter inglês,
explica os costumes e o estado social do Sul. Sobre esses mesmos alicerces ingleses,
desenvolvera-se ao Norte matizes inteiramente contrários. ... Foi nas colônias
inglesas do Norte, mais conhecidas sob o nome de Estados da Nova Inglaterra,
que se combinaram as duas ou três ideias principais que hoje constituem as
bases da teoria social dos Estados Unidos. Os princípios da Nova Inglaterra
propagaram-se, de início pelos Estados vizinhos; depois, pouco a pouco, foram
chegando aos mais afastados, acabando, se assim me posso exprimir, por penetrar
na Confederação inteira. Exercem hoje a sua influência para além dos seus
limites, abrangendo todo o mundo americano. A civilização da Nova Inglaterra
foi como esses fogos que se acendem nas culminâncias e que, depois de ser
propagado o calor à sua volta, ainda tingem com a sua claridade os mais remotos
confins do horizonte. A fundação da Nova Inglaterra ofereceu um espetáculo
novo; ali, tudo ere singular e original. Quase todas as colônias tiveram como
primeiros habitantes homens sem educação e recursos, impelidos pela miséria e
pela má conduta, para fora dos países que os tinham visto nascer, ou
especuladores ávidos e empreendedores de indústria. Há colônias que não podem reclamar
sequer tão honrada origem: São Domingos foi fundada por piratas e, hoje em dia,
as cortes de justiça da Inglaterra se encarregam de povoar a Austrália. Os
imigrantes que foram estabelecer nas praias da Nova Inglaterra pertenciam todos
às classes independentes da metrópole. A sua reunião em solo americano
apresentou, desde o início, o fenômeno singular de uma sociedade na qual não se
encontravam nem grandes senhores, nem povo, nem, por assim dizer, pobres ou
ricos. Havia, guardada as proporções, um acervo maior de inteligência
distribuído entre aqueles homens do que no seio de qualquer nação europeia de
nossos dias. Todos, sem exceção de um sequer, tinham recebido uma educação bastante
avançada e vários dentre eles se tinham feito conhecer na Europa pelos seus
talentos e pela sua ciência. As outras colônias tinham sido fundadas por
aventureiros sem família; os imigrantes da Nova Inglaterra levaram consigo
admiráveis elementos de ordem e de moralidade; entravam pelo deserto
acompanhados de suas esposas e de seus filhos. Mas o que os distinguia
sobretudo de todos os outros era a própria finalidade de sua empreitada. Não
tinham abandonado o seu país forçados pela necessidade, deixavam para trás uma
posição social cuja perda seria lamentável e meios de vida garantidos; tampouco
passavam ao Novo Mundo a fim de ali melhorar a sua situação ou de fazer
aumentar as suas riquezas; arrancavam-se às doçuras da pátria para obedecer a
uma necessidade puramente intelectual, expondo-se às misérias inevitáveis do
exílio, desejavam fazer triunfar uma ideia. Os imigrantes, ou, como eles mesmos
merecidamente se denominavam, os peregrinos (Pilgrims), pertenciam àquela seita
inglesa que, por causa da austeridade de seus princípios, tinham recebido o
nome de puritana. O puritanismo não era apenas uma doutrina religiosa;
confundia-se ainda, em vários aspectos, com as teorias democráticas e
republicanas mais absolutas. Por causa dessa tendência, tinha ganha os seus
mais perigosos adversários. Perseguidos pelo governo da mãe-pátria, ofendidos
no rigor de seus princípios pela marcha quotidiana da sociedade em cujo seio
viviam, os puritanos procuravam uma terra tão bárbara e tão abandonada pelo
mundo que nela pudessem ainda viver à sua maneira e rezar a Deus em liberdade”
(ps. 56 – 57). ... “Satisfeitos de ver afastarem-se dele germes de perturbações
e elementos de novas revoluções, o governo inglês assistia de bom grado àquela
emigração numerosa. Chegava até a encorajá-la com todo seu poder e mal parecia preocupar-se
com o destino daqueles que iam procurar em solo americano asilo contra os
rigores das suas leis. Dissera-se que encarava a Nova Inglaterra como uma
região entregue aos devaneios da imigração e que deveria ser abandonada aos
livres esforços dos inovadores. As colônias inglesas, e foi esta uma das
principais causas da sua prosperidade, sempre gozaram de maior liberdade
interior e de maior independência política, que as de outras nações; em nenhuma
parte, porém, foi esse princípio de liberdade mais completamente aplicado que
nos Estados da Nova Inglaterra” (p. 60). (TOCQUEVILLE, 2010).
Após a publicação da Declaração
de Independência em 4 de julho de 1776 e as hostilidades militares contra a
Inglaterra que se seguiram, finalmente esta reconhece, através do Tratado de
Paris em 1783, a independência dos Estados Unidos da América. Em 1787 a
Assembleia Constituinte elabora sua Constituição. De acordo com Nancy Priscilla
S. Naro, a Constituição encorajou o surgimento de um sistema partidário, sendo
o Partido Republicano um dos primeiros a surgir. Vejamos a seguir alguns
comentários da autora:
“A proposta de
cidadania tinha como traço fundamental o vínculo entre o cidadão e a economia
de mercado; mas isto foi insuficiente para eliminar os antigos localismos do
período posterior à independência, que voltaram à tona, atualizando as
divergências entre os estados recém-formados. Mesmo assim, os sentimentos
republicanos e capitalistas se juntaram aos poderes do Estado para motivar a
expansão gradativa do mecanismo do mercado. Para T.H. Marshall, os direitos que formaram
o elemento civil da cidadania no século XVIII não estavam em conflito com as
desigualdades da sociedade capitalista; eram, ao contrário, necessários para a
manutenção daquela determinada forma de desigualdade, porque o núcleo da
cidadania se compunham de direitos civis tidos como indispensáveis a uma
economia de mercado competitivo. Esta definição de Marshall seria mais
relevante para a cidadania que se estava desenvolvendo no Norte. Lá, a
influência moral e religiosa dos primeiros colonos impediu que a sociedade adotasse
as normas e os valores associados à condição de nascimento, de linhagem e de
riqueza, como era comum na Europa da época. A sociedade do Norte consolidou a
sua participação política através dos governos das comunidades locais onde a
soberania do povo era respeitada. É claro que, nesta sociedade estável e há
muito estabelecida, reinava o princípio do igualitarismo. Na prática, estas
comunidades elegiam líderes considerados como portadores de uma educação formal
e de probidade moral. E, embora fosse praticamente anulada no Norte a restrição
do voto àqueles que possuíam propriedades, o sufrágio eleitoral mantinha-se restrito
àqueles reconhecidos com “gente de bem”. Antes da independência, a maneira pela
qual a coerção econômica externa se manifestava sobre as colônias situadas ao
norte da Pensilvânia foi diferente da das colônias do Sul. Por um lado, a forma
pela qual foi feita a distribuição de terras no Norte permitiu ao pequeno
proprietário trabalhar em conjunto com sua família e diversificar
progressivamente a sua produção. O excedente desta produção era finalmente
destinado aos mercados locais e regionais” (p.14). ... “No Sul, as raízes
sociais eram menos profundas do que no Norte. A própria distância entre as plantations
espalhadas no território dificultava um convívio social intenso entre os colonos,
como o que era visto nas cidades do Norte. Por isso, predominou no Sul um
sistema de distribuição de terras administradas por grandes proprietários, que
não eram portadores de privilégios especiais, que lhes permitissem controlar a
população nas suas terras no estilo de um grande senhor feudal. Mas, mesmo
assim, o conceito de cidadania no Sul se associou ao poder absoluto de um só
homem” (p.15). ... “Uma plantation é uma propriedade agrícola extensiva
dirigida por proprietários (organizados em sociedades mercantis) e operada por
uma força de trabalho submetida ao controle dos primeiros. Contando com o
emprego de abundantes capitais, tem como objetivo suprir um mercado de grande
escala. Os fatores de produção são aí dirigidos principalmente para garantir a
acumulação do capital mercantil. A partir da década de 1630, escravos foram
introduzidos com bastante regularidade para cumprir as exigências da produção
mercantil” (p.16). ... “A Constituição de 1787 estipulava que a importação de
escravos seria permitida apenas até o ano de 1807 e, mesmo assim, com a
cobrança pela federação de um imposto sobre cada escravo importado. ...
Naturalmente, a questão da expansão devia ser analisada através dos pontos de
vista quer dos defensores da escravidão quer dos que defendiam a mão-de-obra
livre. E, à medida que os Estados Unidos se expandiam, o problema tornava-se
cada vez mais discutido” (p.19). ... “Os discursos públicos do candidato
vitorioso do partido para a presidência em
1860, Abraham Lincoln, deixavam bem claros, já na década de 1850, que a nação
não poderia suportar por tempo indeterminado a coexistência de dois sistemas
que eram diametralmente opostos. Ele advertiu que um acabaria predominando
sobre o outro. Na verdade, Lincoln procurava preservar o mundo pré-industrial –
o mundo do artesão e do assalariado, que, segundo ele, tinham possibilidades de
ascender socialmente naquela sociedade. Não se entenda, por isso que Lincoln se
preocupasse com a condição dos operários que eram vítimas das desigualdades provocadas
pelo capitalismo. Interessava-lhe, apenas, a abolição do mal moral que ameaçava
expandir-se e tomar o controle da sociedade livre: a escravidão. Segundo seu
pensamento, a escravidão enfraquecia o poder da mente e paralisava a atividade
humana. Ela desonrava o trabalho (entendido como liberdade) e introduzia na
sociedade a ociosidade, a ignorância, o orgulho, a pobreza e o luxo
ostentatório” (ps. 31 – 32). ... “As opiniões dos historiadores diferem com
respeito às principais causas da guerra entre os estados conhecida como a
Guerra Civil. Para uns, a questão das tarifas foi de primeira importância; para
outros, foi a escravidão a causa principal. E um terceiro conjunto de opiniões
ainda ressalta que a questão da preservação da União foi o dado decisivo. A
Guerra Civil começou em 1861, depois da separação dos estados sulistas da União
e da formação de uma Confederação dos Estados do Sul ... Depois de quatro anos
de luta, o Sul reconheceu sua derrota e terminou em 1865 uma guerra que custou
... 250 000 vidas do Sul e 360 000 vidas do Norte” (p. 34) ... O legado da
Guerra Civil acabou sendo a transmissão para o negro de uma condição ambígua: a
de ser nem escravo e nem cidadão. O negro passou ainda muitos anos como um
membro de um sistema de castas e vivendo como um cidadão de segunda classe numa
sociedade que, desde o século XVIII tinha se manifestado a favor da proposta de
que “todos os homens eram criados iguais” (p. 38). (NARO, 1991).
Não podemos nos
esquecer de que a independência dos Estados Unidos coincidiu com o início da
Revolução Industrial na Inglaterra. Após o final da Guerra Civil, as condições
do país se mostraram favoráveis a que ele aproveitasse a oportunidade de
embarcar naquele processo histórico da Europa. Podemos ainda supor que o
capitalismo industrial estivesse alinhado aos valores da Reforma Protestante e,
portanto, que o caráter empreendedor do indivíduo e as forças do mercado seriam,
por si sós, suficientes para iniciar essa transformação durante o século XIX
sem a participação maior do Estado. Todavia, Reginaldo C. Moraes & Maitá de
Paula e Silva, mostram o contrário, ou seja, que a participação do Estado foi de
vital importância para que os Estados Unidos se tornassem a maior potência
capitalista do mundo. Vamos então extrair alguns trechos dos autores para
entender melhor como esta transformação aconteceu durante o século XIX.
“Na primeira metade
do século XIX, dois ilustres europeus visitaram a jovem república americana e
delas desenharam retratos bem diferentes. O magistral Da democracia na
América, de Alexis de Tocqueville, levava aos europeus aquilo que a aristocracia
normanda via como as grandes lições do Novo Mundo – o avanço da igualdade, suas
glórias e seus riscos. A ciência política ocidental (e a norte-americana, em
especial) sublinhou duas ideias fortes desse estudo. Uma delas a inclinação dos
norte-americanos para criar e multiplicar associações civis. A outra a fraca
presença do Estado na regulação da vida social. De outro lado, o alemão Georg
Friedrich List destacava, no experimento além-mar, algo que sugeria lições bem
diferentes. Entusiasmava-se com a intervenção estatal na construção da
infraestrutura para o desenvolvimento do país, com ênfase nas ferrovias e na
política industrialista de Alexander Hamilton. A mensagem de List não
se tornou mainstream na ciência política norte-americana, mas fez
germinar correntes heterodoxas nada desprezíveis no Novo Mundo, no Velho Mundo
e ... naquilo que viria ser o “Terceito” Mundo” (p. 1). ...“[O fim da guerra
civil] muda completamente o cenário do país. ... a destruição do Sul e a
subordinação dos democratas – escravistas, latifundiários e separatistas – aos
republicanos – abolicionistas, industrialistas e integracionistas. Os
indicadores de riqueza deslocam-se, algo que só podemos compreender se levarmos
em conta que grande parte dos “ativos” do Sul era composta de uma propriedade
que evaporou exatamente em razão da guerra, uma massa enorme de escravos que
deixaram de ser “propriedade” para se tornar “gente”. ... Ao longo do século
XIX, o país acelerou a marcha para o oeste, abrindo estradas, construindo
escolas ... O modo como se deu esse avanço das ferrovias para o oeste também é
uma particularidade norte-americana, quando comparado com o mesmo processo na
Inglaterra. Os estudiosos da expansão ferroviária na ilha-mãe apontam o caráter
essencialmente privado do empreendimento: as linhas eram inversões de
capitalistas interessados em responder a uma demanda claramente identificada. Uma
linha ligava uma cidade a outra e assim o investimento era recuperado. Nos
Estados Unidos, as linhas saiam de algo mais ou menos parecido com uma cidade e
iam em direção a algo parecido com ... nada. De fato, as cidades nasceriam ao
longo da ferrovia, quase como resultado da construção da linha, não como
demanda pressuposta e atendida. ... As terras doadas pela União viabilizaram as
ferrovias, fizeram surgir as cidades, orientaram a ocupação do território e
abriram caminho para o sonho de migrantes e imigrantes de todo tipo. Além
disso, criaram as bases para o surgimento do maior mercado interno do mundo,
algo decisivo para os ganhos de escala das corporações que vão surgir no fim do
século. E, de quebra, foram as especulações financeiras em torno de terras e
ferrovias que deram origem às primeiras grandes fortunas do país” (ps. 27 – 31).
... “Outro fato notável da história norte-americana na virada do século XIX
para o XX foi a mudança radical das estruturas da produção e do mercado, do
capitalismo competitivo fortemente ancorado em empresas individuais e
familiares para o corporate capitalism [capitalismo corporativo]. ... O
caminho rumo ao capitalismo corporativo foi traçado em duas etapas. Antes de
1890, eram poucas as manufaturas organizadas segundo esse padrão. As grandes
empresas privadas corporativas eram coisas híbridas – quase agências
governamentais, licenciadas pelo Estado, verdadeiros “santuários” privados. E
concentravam-se em áreas como infraestrutura, transporte, comunicações e
crédito. Num segundo momento, diz Roy, isso se estendeu à
manufatura. Até 1890, indústria e capital financeiro viviam em mundos bem
separados, do ponto de vista institucional. Os papéis negociados em Wall Street
concentravam-se em negócios como ferrovias, telégrafos, obras públicas de
municípios e estados. A junção dos dois mundos – Wall Street (finanças) e Main
Street (indústria e comércio) – é o que se pode chamar de revolução corporativa.
... Esse processo provoca transformações na forma da propriedade – algo que o
estudo de Berle e Means já sublinhara em 1932, ao
chamar a atenção para a separação entre gestão e propriedade – e alavanca um
novo segmento dentro da classe capitalista norte-americana. ... O capitalismo
corporativo, levou ao divórcio entre a representação em papel da propriedade e
os objetos físicos do capital, redefinindo deste modo o significado da
propriedade. Esta se tornou mais substituível e alienável. Podia ser parcelada
e vendida sem afetar diretamente a administração e a operação, criando uma
forma de lucro distinta das rendas e gastos da companhia. ... Como resultado,
as empresas capitalizadas como corporações publicamente negociadas podiam
operar de forma algo independente dos rendimentos, podiam crescer com
facilidade e associar-se com relativamente pouco capital em dinheiro” (ps. 32 –
35) (MORAES & PAULA E SILVA. 2013).
A interferência do
Estado para o desenvolvimento do país se deu também no campo do ensino e
pesquisa. Isto resultou numa vasta rede de universidades e faculdades (colleges)
no século XIX através do sistema de doação condicional de terra federais (lend
grant colleges and universities). Vejamos alguns aspectos importantes desta
evolução segundo os autores acima:
“No período colonial,
o ensino superior, nos Estados Unidos, concentrava-se em algumas poucas
instituições, sujeitas a diferentes graus de controle público, mas
essencialmente controladas por entes privados. Após a Guerra da Independência, alguns
estados começaram a criar universidades públicas. ... O congressista Justin
Smith Morrill apresentou sua primeira proposta de lei para a criação de land
grant colleges em 1857. Após um ano de manobras legislativas, o Congresso
aprovou em 1859 a Lei Morrill (Morrill Act). Ela foi vetada pelo presidente Buchanan
(eleito com apoio dos sulistas) sob a alegação de que violava a tradição da
política federal de deixar aos estados o controle da educação. ... Com a Guerra
Civil e a ausência dos congressistas dos estados do Sul, então separados da
União, o ambiente no Congresso se tornou mais favorável e a Lei Morrill foi
aprovada em 1862. ... A Lei Morrill concedia terras públicas aos estados para
que fossem usadas (diretamente ou por sua venda) para o estabelecimento de ao
menos um college voltado para a agricultura e a engenharia. Embora
alguns estados já possuíssem universidades pública, a maioria respondeu à lei
com legislações que estabeleciam novos colleges, ao invés de
simplesmente canalizar os recursos recebidos para os já existentes. Assim
começou a se formar uma grande rede de instituições, colleges e
universidades, que, ainda hoje, mantem a designação A&M (Agricultura e
Mecânica)” (ps. 46 – 48) ... “A trajetória do sistema é reveladora. Em 1860, década
em que os land grant colleges foram estabelecidos, metade da população
norte-americana vivia no campo e mais da metade da força de trabalho era
empregada na agricultura. O número de propriedades agrícolas aumentou até 1920,
mas depois começou a cair e a população rural diminuiu rapidamente. No entanto,
a produtividade agrícola cresceu tanto depois da criação dos land grant
colleges – em parte como consequência delas – que um número menor de
propriedades agrícolas e agricultores pode alimentar, hoje, muito mais pessoas
do que há cem anos” (p.55). ... “Algo salta aos olhos quando observamos a
história da economia norte-americana, ainda em seus primórdios. É que o país
que poderia ser chamado “celeiro do mundo” no século XIX, também havia
produzido um modo novo de organizar a indústria, o “sistema norte-americano de
manufatura”, que já assombrava os europeus em 1850, antes, portanto, da segunda
revolução tecnológica e do casamento da ciência com o mundo produtivo. Numerosos
historiadores têm sublinhado que, até então, os inventos eram herdeiros apenas
indiretos, quando tanto, do saber que se gerava nas academias: artesãos
habilidosos eram responsáveis pelos dispositivos que revolucionavam o mundo
desde o fim do século XVIII. E o que o “sistema norte-americano de manufatura”
introduzia não era um ou outro invento, mas algo que autores como Vernon Ruttan chamam de “general
purpose technologies”, inovações persuasivas e revolucionárias que
invadem e transformam radicalmente vários ramos produtivos. O sistema norte-americano
era um modo novo de organizar o trabalho produtivo e gerar o produto final: a
ideia das partes padronizadas e intercambiáveis, aparentemente engendrada pelos
franceses, mas desenvolvidas nos arsenais da jovem república norte-americana e
estendida a seus ramos industriais. Um meio caminho para a produção em massa
que se configuraria, no começo do século XX, com o taylor-fordismo. ... A
capacidade de responder às necessidades dos negócios e da indústria, em
especial, não estava apenas confinado[a] no lado “pesquisa” do sistema de
ensino superior norte-americano, altamente descentralizado e capilarizado. O
alto grau de acessibilidade teve um papel fundamental nesse caso. Já se notava
uma iniciativa inovadora na relação do ensino superior com a agricultura por
meio dos land grant colleges e das estações experimentais, no século XIX.
E prolongava-se com a multiplicação de escolas superiores voltadas para a
formação de professores (teachers colleges), os junior colleges e
as instituições locais e estaduais que democratizavam e capilarizavam o acesso.
Mowery e Rosenberg destacam que a “crescente
utilização de métodos e conhecimentos científicos na indústria era amplamente
acelerada por uma expansão de pessoal tecnicamente treinado – especialmente
engenheiros”. Reconhecem que o treinamento “era em com frequência de natureza
elementar e não preparava os engenheiros para trabalhar na fronteira da
ciência”. No entanto, asseveram que esse – e não necessariamente a “frontier
science” – era o tipo de conhecimento requerido pelo aparato industrial em
expansão. Os engenheiros são vistos por esses autores como “mensageiros” ou
“portadores” do conhecimento científico, de modo que o número de pessoas que
lidavam com conhecimento e métodos científicos nas atividades produtivas era
bem maior do que aquilo que a sociedade costuma rotular de “cientistas”” (ps.
57 – 60) ... “Ora, tanto a natureza da “maioria dos trabalhos” quanto o perfil das
“técnicas relevante” para execução mudam velozmente. Assim, muda não apenas o
repertório das “habilidades para finalidades gerais” que o sistema educativo
tem de prover, como também a forma e os ritmos de sua provisão. No
gerenciamento dessa mudança, enquadrando-a em uma grande estratégia nacional que
vai além das divisões partidárias, um papel central coube ao estado
norte-americano, um ente que está longe de ser simples expectador da mudança e
resultado passivo de pressões de grupos de interesse ou paralelogramos de
forças vetoriais” (p. 78). (MORAES & PAULA E SILVA. 2013).
6. Formação da sociedade brasileira
Desde o
início do século XVI até o final do século XVIII, a colonização portuguesa se
caracterizou pela exploração das riquezas da América, a começar do pau-brasil, conforme
nos mostra Jorge Caldeira et al de cuja obra retiramos alguns trechos:
“No século XVII, o
trabalho em toda Europa ainda era organizado segundo um modelo medieval. No
campo os senhores cobravam impostos e tinham participações nas colheitas, mas
não interferiam no modo como o trabalho era realizado. Nas cidades, as
corporações de ofícios determinavam os métodos de produção e os preços, sobre
os quais os comerciantes não tinham o menor controle. Na América, ocorreu algo
muito diferente. A escravidão em massa permitiu outra organização do trabalho.
Como não estavam sujeitos a nenhuma limitação ao seu poder imposta pelos costumes
ou pela tradição, os senhores de engenho portugueses acabaram mostrando um
protótipo do que seriam as grandes indústrias. As tarefas dos escravos eram
definidas segundo as necessidades da produção. Na época da moagem de cana,
trabalhavam dia e noite no engenho, em turnos, como hoje nas grandes fábricas.
Tal coisa seria inconcebível no esquema feudal. Além disso, como ocorreria na
Europa da Revolução Industrial, os escravos não eram donos de suas ferramentas,
tendo de usar as do senhor como esse indicasse. Para os proprietários de
engenhos, o negócio era excelente: a produtividade era altíssima se comparada à
da Europa e os lucros, imensos. Para escravos, contudo, manter esse ritmo de
trabalho era massacrante. Em média, não suportavam mais de oito anos de labuta
em engenho sob esse regime, ficando incapacitados ou morrendo. Os índios
sucumbiam com rapidez ainda maior. Só restava aos escravos tentar reduzir o
ritmo de trabalho ou então fugir. O primeiro método diminuía o esgotamento, mas
era combatido pelos feitores com o chicote. A fuga, no início mais usada pelos
índios, bons conhecedores do território, passou depois a atrair também os
negros do Nordeste na medida em que aprendiam a sobreviver no mato. Para
minimizar isso, os senhores recorriam aos capitães-do-mato, em geral mestiços
que caçavam escravos fugidos em troca de recompensa” (p. 51). ... “Apesar de
sua desumanidade – ou talvez por causa dela -, o tráfico de africanos foi
fundamental para os brasileiros. Proibidos de exercer por sua conta o comércio
internacional, a grande fonte de lucros durante toda a era mercantilista, os
habitantes da Colônia encontraram uma fresta e uma oportunidade no comércio de
escravos. Na época da invasão holandesa de Pernambuco, a Coroa portuguesa
(então parte da União Ibérica), sem dispor de alternativas, permitiu que
negociantes brasileiros armassem navios para comercializar com a África. Estes
– como não dispunham de recursos para concorrer com os ingleses, franceses,
holandeses e espanhóis – montaram um esquema de escambo: seus navios levavam
para a África tabaco, aguardente e búzios produzidos no Brasil e os trocavam
por escravos. A autorização para que os brasileiros fizessem tais negócios
nunca foi aceita pelos portugueses, que sempre protestaram contra ela. Os
coloniais, por sua vez, agarraram a oportunidade por unhas e dentes. Como
produziam as matérias-primas para a troca, acabaram se impondo e romperam, no
Brasil, o ciclo do comércio triangular. A partir do século XVIII, houve uma
divisão: navios e comerciantes portugueses cuidavam do comércio europeu, enquanto
os brasileiros ficaram com os negócios africanos. O custo disso foi elevado. Os
navios brasileiros jamais receberam proteção da marinha portuguesa, e assim
tornaram-se alvos fáceis na África. Sem temer represálias, naus de todos os
países europeus os assaltavam para tomar tabaco e aguardente. E, além disso, volta
e meia uma ordem régia mandava prender ou tirava os bens de comerciantes que
sobressaiam. Ainda assim, valia a pena. O lucro médio de uma travessia bem
sucedida, isto é, daquelas nas quais não morreriam de fome ou sede muitos
escravos, era em geral de 50%, num período de três meses. Com o extraordinário
aumento da demanda por escravo após a descoberta do ouro, os lucros cresceram
ainda mais. Em função disso, os traficantes tornaram-se cada vez mais poderosos.
No final do século XVIII eram os homens mais ricos da Colônia, com fortunas
maiores do que as dos mais ricos fazendeiros e mineradores. Logo os traficantes
diversificaram suas atividades, passando a armadores de navios e emprestadores
de dinheiro a juros altos. E, tanto no Rio de Janeiro como na Bahia, passaram a
oferecer seguros de grande porte, de modo a atenuar os riscos das viagens” (p. 76).
... “A súbita riqueza do ouro tornou o Brasil atraente para um tipo de
português que raramente viera para cá no início da colonização: os nobres. No
século XVIII, porém, eles começaram a ocupar cargos como os de governador-geral,
comandantes de capitanias ou até intendentes de certas regiões. Como
responsáveis pela coleta de impostos, não lhes era difícil de enriquecer. E
havia muitos impostos a serem cobrados. Em geral, a Coroa ficava com 20% do
ouro extraído: era o “quinto”. Mas também havia direitos de passagem de
escravos e mercadorias para as zonas mineradoras, taxas alfandegárias, impostos
por indivíduo. Todos esses tributos eram pagos sem reclamações, pois os
caminhos melhoravam e a autoridade dirimia os inevitáveis conflitos” (p. 87). (CALDEIRA
et al, 1999).
O século XIX foi de
grandes transformações para o Brasil. Em 1808 ele se transforma em Colônia-Reino
com a chegada de D.João VI acompanhado da Corte e da Família Real em fuga das
invasões napoleônicas na Europa. Em 1822, ocorre a Independência em relação a
Portugal, seguida de dois reinados – D.Pedro I e seu filho D.Pedro II – e, em
1888, a abolição da escravatura. Finalmente, em 1889 termina o regime imperial em
função da Proclamação da República. Vamos destacar alguns aspectos relevantes
deste período tomando como referência Adriana Lopez & Carlos Guilherme Mota:
Exótica e pitoresca,
a cidade do Rio de Janeiro, muito precariamente, tornou-se uma capital cosmopolita.
Grande quantidade de pintores, artistas, escritores, comerciantes, diplomatas, financistas,
jornalistas e um leque variado de profissionais deram um novo tom à vida
social, política, econômica e artística no Brasil. A ex-colônia passou a
beneficiar-se de internacionalização, entrando no circuito mundial e livrando-se
de alguns entraves do sistema colonial. ... A presença inusitada no Novo Mundo
do paciencioso príncipe regente João de Bragança, casado com a inquieta Carlota
Joaquina de Bourbon, não evitou que o processo de descolonização continuasse em
curso no mundo luso-brasileiro, e nele se afirmasse as novas elites nativas,
com suas lideranças formadas e cientes de seu papel nos negócios do Estado e
nas relações internacionais. Tal processo, um tanto desacelerado pela
transmigração da corte, revela-se na série de movimentos liberais e
liberal-nacionais, desde a insurreição republicanas no Nordeste, em 1817 e
1824, movimentos com foco em Recife (Pernambuco), a Independência em 1822,
prosseguindo depois na expulsão de Pedro I em 1831 e nos conflitos, levantes e
revoluções do período regencial (1830-40). Quando Pedro II neto de João VI,
assumiu a Coroa com o golpe da Maioridade em 1840 definiu-se a “paz” do Segundo
Império. ,,, Neste longo processo, articulou-se o complexo sistema
oligárquico-imperial escravista (1822-1889), cristalizando-se num modelo
político e burocrático, já nacionalizado, de grande poder e complexidade administrativa
asfixiante. ... Única monarquia na América do Sul – com hábitos, mecanismos e
até uma nobreza própria, criada artificialmente após a Independência -, ao
longo do século plasmou-se no Brasil uma sociedade aristocrática de mentalidade
arraigadamente escravista. Escravismo que penetrou fundo nas instituições e,
sobretudo, na maneira de pensar-se a vida social e política. ... Nesse período
decisivo da formação histórica de Estado-nação brasileiro, travaram-se embates
crescentes – no plano social e na construção da arquitetura política -, que se
prolongariam pelo século a fora. ... Mais tarde, a Guerra contra o Paraguai (a
guerra da Tríplice Aliança, entre 1865 e 1870) revelaria o lado brutal dessa
época, provocando a reação dos jovens militares das camadas médias urbanas que,
ao se recusarem a ser “capitães-do-mato” em terras estrangeiras, ampliaram as
razões para o movimento republicano” (ps. 305 – 307). ... “A abolição do
tráfico de escravos (1850) foi um dos principais fatores que afetaram a
economia do Império na segunda metade do século XIX. O vínculo econômico entre
o Império e os países industrializados continuou o mesmo: o Brasil era um país
essencialmente agrário-exportador, isto é, especializava-se na produção
agrícola para ser vendida no mercado internacional. Se os principais gêneros
exportados pelo Brasil durante o período colonial foram o açúcar e o algodão,
no século XIX, nas províncias do Rio, Minas e São Paulo, o café tornou-se o
produto de exportação mais rentável para os cofres do Tesouro. Já no final do
século, a borracha e o cacau assumiram, no comércio de exportação, lugar de
importância comparável. O café fora introduzido no Brasil na primeira metade do
século XVIII. Naquela época, a mineração de ouro e diamantes era a principal
atividade econômica da colônia: a maioria dos investimentos em capital e
mão-de-obra era absorvida pelas minas. No início do século XIX, o café adquiriu
importância econômica, tornando-se, na década de 1830, um dos principais
gêneros tropicais de exportação para os países industrializados. ... No Vale do
Paraíba, formaram-se grandes fazendas, com seus pomares, bosques e senzalas, e
nelas se cultivou um estilo de vida europeizado, com bibliotecas,
mestres-escolas e preceptores europeus. Desenvolveu-se um colar de cidades, e
arregimentaram-se milhares de escravos. ... Esvaziada a economia cafeeira a
decadência deixou uma nobreza da terra déclassée e as “cidades mortas”,
tão bem descritas por Monteiro Lobato. E, ainda, uma particular cultura de
violência, que pode ser constatada no estudo de Maria Sylvia de Carvalho Franco, além de persistente
ranço conservador de uma sociedade com marcas profundas de um ethos
estamental-escravista passadista, asfixiante” (ps. 479 – 480). ... “Em 1889, o
Brasil do fim do Império era um semideserto, com população muito rarefeita. Contando
com apenas 12 milhões de habitantes, 1 milhão deles era de escravos, o restante
compunha a maioria de mestiços. A população quase toda analfabeta, estava
dispersa principalmente em centros urbanos litorâneos” (p. 530). (LOPEZ & MOTA,
2008).
Desde seu início em
1889 até os dias de hoje, o período republicano do Brasil tem assistido a
inúmeros acidentes de percurso. Tentativas de golpe fracassadas, golpes
consolidados, anulação de vigentes e promulgação de novas Constituições, suicídio,
renúncias e impedimentos de Presidentes. Para entender um pouco sobre essa fase
recente da História do país, iniciamos por Caldeira et al (1999):
“A abolição chegou
tarde demais. O governo não tinha planos para o dia seguinte, para o país sem
escravos. Passado o entusiasmo inicial, recrudesceu o divórcio entre o governo
e a sociedade. As reuniões republicanas tornaram-se mais concorridas,
configurando uma vasta conspiração. ... Tamanha era a desarticulação do governo
imperial que foi fácil derrubá-lo. Em 15 de novembro de 1889, d. Pedro II
estava em Petrópolis, desinformado do que acontecia ao seu redor. Em poucas
horas, um movimento militar o afastaria do trono quase sem fazer disparos;
apesar da simpatia geral, o velho imperador não tinha a quem recorrer. Foi tão
fácil como inesperado. Só depois os novos governantes lembraram-se de convocar
o povo, que parecia desinteressado. Afinal, vivia sem governo por tanto tempo
que o fim do Império não fazia muita diferença” (ps. 222 – 223). ... “A
monarquia caiu mais por sua incompetência para conceber e dirigir uma sociedade
sem escravos – problema que se arrastou por 67 anos – do que por méritos de
seus adversários. Embora os novos governantes também não tivessem solução para
o problema, possuíam mais disposição que o velho rei. Partilhavam a id[e]ia de
que a República era a melhor forma de organizar o país – e por isso o regime
foi aceito depressa – mas divergiam sobre como alcançar esse objetivo. Cada
grupo via de modo diverso o legado do Império” (p. 228). ... “O arrastado e vão
esforço do Império para encontrar uma alternativa para a escravidão dificultou
a tarefa dos republicanos, eles próprios desunidos. Mesmos passando por
mudanças aceleradas, o país herdou as instituições da monarquia: o mundo
político que valoriza a permanência contra a mudança, a elite com valores
aristocráticos, a massa de ex-escravos cujo objetivo era não trabalhar. Isso
contrastava com a sociedade que, na base, era aberta e democrática. O desafio
do regime era adaptar a lentidão do comando político à rapidez das mudanças
sociais. Tal como a classe política, a elite social organizou-se no Império em
torno de um ideal de permanência e imutabilidade, que refletia na
extraordinária valorização do comportamento aristocrático – numa época em que,
desde a Revolução Francesa, a nobreza fora varrida do mapa pelo avanço do
capitalismo. ... Desse modo, os princípios que organizaram o mundo político
transmitiam-se para a sociedade. Criava-se uma forma de carreira. Os
empresários mais bem sucedidos, sobretudo os fazendeiros, abandonavam seus
negócios na tentativa de se tornar nobres. E eram portadores do ideal de não
trabalhar que caracterizara os proprietários de escravos – cuja tradução
econômica mais acabada era a pessoa que, vivendo de rendas, dedicava-se ao ócio
e quase sempre era favorecida pelas decisões econômicas. A lógica da escravidão,
valorizando os que não trabalhavam, foi incorporada pelos próprios escravos no
momento de sua libertação. Para a maioria deles a passagem da condição de
cativos para a de cidadãos significava sobretudo a possibilidade de fazer o que
antes não lhes era permitido e que marcava os homens livres: não trabalhar. Evidentemente
que a grande maioria não tinha de fato essa possibilidade. Precisavam ganhar a
vida, e não havia quem trabalhasse por eles. Mas isso não os impedia de serem
contaminados pelo ideal secular que permeava toda a sociedade brasileira. ...
Muitos adotaram como seus os objetivos dos homens livres que conheciam,
arranjar um cargo, ainda que subalterno, no governo, ou um meio de vida que os
poupasse da sina do trabalho manual – condenado pela sociedade escravista.
Tanto quanto a elite escravista, também eles tiveram de se acostumar a uma
realidade distante do mundo das senzalas que conheciam: a do trabalho livre.
... Enquanto, na fase final do Império, a elite brasileira apegava-se a seu
caráter fechado, a população prosseguia com a abertura e mobilidade que sempre
marcaram sua formação. As uniões interétnicas, comuns desde o início da
colonização, continuavam corriqueiras, sobretudo entre os mais pobres. A força
desse costume ultrapassava os limites da economia escravista e sobreviveu à sua
ruína: mulatos, mamelucos, cafuzos, índios, negros e brancos continuaram
casando entre si. O afluxo de imigrantes não alternou tal padrão: como os
primeiros habitantes do país, os recém-chegados precisaram se adaptar à
realidade tropical. ... Tudo isso favorecia a aceitação de mudanças – o que não
era considerado positivo pelos novos donos do poder. No início da República, a
elite agia da maneira que lhe era habitual, tentando impor um projeto de
desenvolvimento contrário a essa realidade, considerada “anárquica” pelos
governantes. ... Nenhum projeto republicano para o Brasil levava em conta as tradições
políticas herdadas do Império ou a imensa fecundidade da cultura popular. Desde
logo, os recém-chegados ao poder colocaram-se em posição de ruptura, divergindo
apenas quanto ao método a ser adotado. Os militares, fortemente influenciados
pelo positivismo, queriam um Estado forte e unitário, enquanto os republicanos
paulistas privilegiavam o federalismo. Ambos só estavam de acordo em que
deveria ser um governo de elite. ... Nem o modelo militar nem o dos
republicanos paulistas previam uma grande participação popular no governo. Para
os militares, não só o povo mas também uma parte da própria elite deveria ser
excluída das decisões – que caberiam só aos mais comprometidos com os ideais de
ordem e progresso. Já os paulistas, ainda que menos radicais, defendiam as
eleições como a principal forma de participação popular, mas com a ressalva de
que nem todos estavam aptos a votar. Na solução adotada, limitou-se o direito
de voto apenas aos alfabetizados. Como apenas cerca de 8% da população sabia
ler e escrever, a maioria ficou de fora do âmbito da política” (ps. 230 – 234).
... “[No alvorecer do século XX,] no fim de seu governo, apesar de todo o
favorecimento aos cafeicultores, Rodrigues Alves enfrentou protestos dos
fazendeiros, que queriam ainda mais ajuda federal. Como nada conseguiram,
conceberam em 1906 uma política para favorec[e]-los, financiadas pelos governos
estaduais: o convênio de Taubaté. Para o sucessor de Rodrigues Alves, o mineiro
Afonso Pena, o esquema foi um alívio: permitiu que o governo federal praticasse
uma política de apoio à indústria e à imigração. O desenvolvimento industrial
se fez sentir sobretudo em São Paulo, onde surgiram os primeiros bairros
operários, com forte presença italiana e o primeiro grande conglomerado
industrial, controlado pelo imigrante Francisco Matarazzo” (p. 246). (CALDEIRA et
al, 1999).
É interessante também
recorrer à outra obra de Jorge Caldeira para analisar o período republicano, retirando
dela alguns trechos:
“Para aquilatar as
transformações ocorridas no Brasil entre a Proclamação da República e o momento
em que Getúlio Vargas tomou o poder, o melhor é recorrer aos números
disponíveis, apesar de toda imprecisão que ainda guardam. Para começar, os
relativos à população. De 14,3 milhões de pessoas em 1890 passou a 30,5 milhões
em 1920, crescendo 113% nessas três décadas. Não houve censo em 1930; o de 1940
apontou uma população de 41 milhões de pessoas, com crescimento de 36% no
intervalo de 20 anos, bem menos acentuado que no primeiro intervalo. ... Tanto quanto
se pode inferir de dados tão precários, o período entre 1889 e 1920 foi de considerável
aumento da população das grandes cidades em relação ao restante do país, e essa
mudança evoluiu de maneira bem menos atenuada nas duas décadas seguintes. Outra
maneira de entender as mudanças é examinar a relação entre o número de
operários e o de trabalhadores agrícolas. Em 1900 o contingente dos primeiros
representava 6,4% dos trabalhadores no campo; em 1920 essa proporção havia
dobrado, chegando a 12,8%. ... No período, o maior investimento em
infraestrutura ocorreu no setor ferroviário. Em 1890 havia 9,9 mil quilômetros
de linhas férreas no Brasil ... Em 1920, a 28,5 mil quilômetros. ... Em 1930
atingiram 32 mil quilômetros ... Em 1890 foram vendidas [ao exterior] 5,1
milhões de sacas [de café]. ... Em 1920 foram exportadas 11,5 milhões de sacas
... em 1890, apenas 17,4% da população brasileira eram alfabetizadas. Em 1920,
a taxa subiu para 28,8% ... Assim se pode focar melhor naquilo que muitos
estudos econométricos começam a revelar com clareza cada vez maior sobre o
período, e que as interpretações clássicas não permitem alcançar: o padrão de
crescimento da economia brasileira mudou com a República. Comparada com o
passado imperial, a economia deixou para trás a estagnação ao iniciar o
desenvolvimento capitalista. E comparado com o mundo, o Brasil deixou a posição
de atraso crônico, mostrando uma economia não só vigorosa, mas das que mais
cresceu no período. ... A indústria vendia para o sertão, o sertão vendia para
a cidade – e essas trocas iam constituindo esse mercado interno, impulsionadas
pela capacidade de, explorando o cenário internacional, exportar café e
importar equipamentos industriais. ... A comprovação numérica de uma dinâmica
interna ainda mais acelerada que a externa tem, para análise desse período [de
1889 a 1930], uma decorrência similar à da época colonial: mais do que buscar
novas explicações, trata-se de recolocar o problema. Em vez de ser uma
continuidade do atraso, cabe explicar a ruptura e o desenvolvimento capitalista
que marcam o período, associados à exportação agrícola. O novo enfoque do
problema muda também a forma de se entender o papel dos governos – e, nesse
sentido é essencial o plural “governos”. Tanto quanto a noção de economia de
subsistência impede a visão da dinâmica efetiva do desenvolvimento no sertão,
uma secular elaboração imagética mostra a realidade brasileira como decorrente
de uma dupla formação: o governo central como parte ativa (centro do dinamismo
econômico da política civilizada e da esfera letrada) e o sertão (imobilizado
na economia de subsistência, bárbaro em política e analfabeto, portanto incapaz
de articular formalmente o seu lugar no mundo). Em termos simbólicos essa
imagem do Brasil é herança direta da visão de mundo corporativista portuguesa,
que mostrava o governo central como cabeça permanente e o restante da sociedade
como corpo obediente com funções especializadas. Até o Império essa grande metáfora
– derivada também das imagens de senhor e escravo, fulcro da concepção de
governo aristotélica – inspirou a organização do sistema governamental e das
instituições civis, das leis que regiam as relações entre governados. Toda ação
do governo central na colônia e no Império pautou-se pela reiteração dessa
distância. O grande empenho nesse sentido, foi a manutenção seja do
analfabetismo generalizado, seja do mercado como instituição marginal que –
relembrando a definição de frei Vicente do Salvador no século XVII – acontecia
nas casas, mas não nas ruas. A principal diferença na passagem de país
independente fora de nuance: Enquanto os governos coloniais fundavam-se na
crença de uma soberania monárquica única, o governo imperial sustentou-se admitindo
a fórmula de duas soberanias, mas forcejando o tempo todo para subordinar a
soberania do eleitor. Na via inversa, o espaço de soberania popular aumentou em
relação ao da colônia, mas não o suficiente para impedir as instituições
centrais da economia na direção do capitalismo – ou da democracia, se pensada a
partir da progressiva implantação do voto universal e de eleições que
obrigassem o governo à vontade do eleitor soberano. O emprego da noção de
economia de subsistência permitiu que essa grande imagem corporativa/dualista fosse
aplicada também no período republicano. A falta de dados numéricos no campo da
economia, nesse momento, ajudou a manter a essencial impressão de uma falta de dinamismo
no sertão. Havia base real: a regressão no sistema eleitoral reforçava a
continuidade do papel apenas ritual das eleições comandadas pelo governo
central – e a soma gerava o foco interpretativo da continuidade do atraso. Mas
a realidade numérica agora visível é de ruptura do padrão de desenvolvimento, o
que leva a buscar fatores de ruptura também no lugar do governo como promotor
do desenvolvimento. A primeira e mais evidente ruptura prometida pelo regime
republicano foi a abolição do Poder Moderador: a autoridade central arbitrária
e irresponsável. Com isso se promoveu, muito rapidamente, uma inversão
fundamental entre costume e lei no que se refere à economia. Durante a colônia
e o Império, o viver pelo mercado e o empreendedorismo formam costumes gerais,
mas praticados num ambiente legal que relegava tudo isso a um plano marginal.
Em parte, o governo central – governo federal no período republicano – mudou
radicalmente esse cenário já em seus primeiros dias. Depois dos decretos de Ruy
Barbosa em 1890, o governo renunciou ao papel de interventor vigilante na vida
econômica e criou as condições legais para que empresários pudessem atuar em
liberdade. ... Bastou esse ato para que os empresários se libertassem do
confinamento de suas atividades à casa (isto é, a seus negócios pessoais) e
oferecessem os produtos de suas empresas (agora pessoas jurídicas legalizadas) no
mercado (agora uma instituição capaz de funcionar com o apoio da lei). A
mudança fez toda diferença para os industriais e financiadores do sistema de
crédito que atuavam na direção do capitalismo. A organização formal de uma
empresa era necessária para juntar capital, próprio ou por meio de crédito (agora
legal, com os bancos privados se multiplicando), tanto em empresas pessoais
quanto em sociedades anônimas (antes o capital de risco só podia ser reunido
com autorização do governo)” (ps. 512 – 517). ... “Apesar dessa capacidade dos nativos e
sertanejos de conviver sem problemas com o capitalismo industrial já avançado, a
Constituição de 1946 recriou diferenças típicas da imagem corporativista: mantinha
tanto os governos indígenas como a vasta populações dos sertões à margem do
direito de propriedade – e à margem da lei de uma economia produtiva.
Enquadrava a produção sertaneja como economia informal, economia do costume,
tal como nos tempos da colônia, ignorando que, apesar do tratamento ideológico,
era uma economia de empreendedorismo, e essencial para o mercado nacional
formal. Mesmo sem direitos, essa grande parcela da população continuou sendo a
maior consumidora de produtos industriais e a maior fornecedora de produtos para
os centros industriais e de serviço. As trocas entre essas partes, isoladas tanto
no mercado externo quanto da ação do governo federal, continuaram sendo aquelas
que geravam a dinâmica de crescimento da economia” (ps. 546 – 547). ... “O que
parecia uma crise impossível no governo interrompido pelo suicídio de [Getúlio]
Vargas foi superado com facilidade quando Juscelino Kubitschek soube se
aproveitar da recuperação no cenário internacional para alargar as portas da
felicidade industrial, atraindo o capital estrangeiro de risco para a montagem
da indústria automobilística. Ao mesmo tempo construiu Brasília, rompendo a
secular ligação entre sede de governo e sede da região importadora do país, em
clima de Bossa Nova e modernismo. Rasgou estradas de rodagem pelo sertão onde
foi erguida a nova capital, viabilizando a rapina das posses dos moradores e
tornando urgente um mínimo de igualdade entre os brasileiros" (p. 551). ...
“Como resultado, as rendas no sertão continuaram a crescer no período
republicano, mas em proporção menor que o incremento dos ganhos dos
trabalhadores urbanos. Assim, à medida que apareciam oportunidades, as pessoas
iam se mudando para a cidade. A intervenção governamental se resumia à
definição do salário mínimo, instrumento que afetava cada vez mais gente, mas
não a maioria da população que continuava no campo onde não valiam as regras de
reajustes. Tal equilíbrio automático pelas regras de mercado foi rompido com a
ditadura. ... O instrumento [do presidente Ernesto] Geisel chamava-se Plano
Nacional de Desenvolvimento. Nele havia previsão para construir, ao mesmo
tempo, tudo o que faltava para o país virar uma grande potência: usinas
nucleares, empresas petroquímicas, siderurgias, mineradoras, indústria pesada,
novas ferrovias e rodovias, energias alternativas ao petróleo, hidrelétricas,
centro de pesquisas – e o mais que a imaginação permitia colocar numa folha de
papel. Como todos os planos ousados, o PND deixava de lado detalhes como custos
exatos, viabilidade, disposição dos agentes” (ps. 566 – 568). ... “No auge do
endividamento e da infinidade de obras em andamento, em 1979, os produtores da
OPEP aumentaram ainda mais o preço do barril de petróleo: o patamar de 12
dólares em 1978, foi sendo elevado continuamente até atingir 29 dólares em 1980.
... O governo federal agora tinha muito buraco comercial para cobrir, muito
juro para pagar, muita dívida vencendo. E quem ficaria com a conta? Claro que
com o setor produtivo nacional, agora formado por centenas de estatais
endividadas (muitas sem a menor perspectiva de faturar nem sequer uma fração
dos empréstimos tomados), pelas empresas privadas que ainda tivessem lucro – e
pelos cidadãos que pagavam impostos” (ps. 570 – 571). ... “Num resumo bruto,
nos tempos em que se evidenciou o fracasso da onda empresarial estatal, o
governo central, no fim da ditadura, mais lembrava o que havia sido o governo
central imperial: pomposo no todo e ineficiente no que interessava. Em vez da
almejada economia líder em desenvolvimento, havia outra marcada pelo atraso
estrutural” (p. 582). ... “As pesadas marcas sociais deixadas como herança pela
ditadura pareciam estar sendo curadas. O prestígio do presidente [Luiz Inácio
Lula da Silva] era de tal ordem que foi reeleito no primeiro turno em 2006,
apesar de um processo por corrupção aberto contra os principais líderes de seu
partido e alguns aliados do governo. Nesse cenário ainda dominado pelo otimismo
vem outra notícia econômica relevante, em 2007: a intensificação das pesquisas
petrolíferas implantada com o fim do monopólio estatal do petróleo levara à
descoberta de gigantescas reservas na plataforma marítima brasileira, tão
grande que poderiam impulsionar um novo surto de progresso do país” (p. 597).
... “Todo investimento público havia sido feito com o pressuposto de receitas
proporcionadas por um patamar de preço do barril de petróleo da ordem de 120 dólares.
No entanto ao longo de 2015 esse patamar foi baixando até se estabilizar em 30
dólares, fazendo ruir o castelo de sonhos do crescimento como nos tempos de
Geisel. Ficou para o país, como antes, a obrigação de pagar o preço da aposta
perdida contra a globalização. ... Com isso, numa sociedade dominada por
costumes igualitários e globalizados, o corporativismo luta para sobreviver no
poder, para manter a imagem hierárquica como modelo” (p. 599). (CALDEIRA, 2017).
No caso dos Estados Unidos, vimos acima que o
ensino superior teve papel preponderante na arrancada do país para o sucesso da
implantação do capitalismo industrial e o desenvolvimento social. Vamos a
seguir analisar o papel do ensino superior no Brasil tendo como referência o
artigo de Helena Sampaio do qual retiramos alguns trechos:
O
ensino superior no Brasil só veio a adquirir cunho universitário nos anos 30, em
contraste com alguns países da América espanhola que tiveram suas primeiras universidades
ainda no período colonial, como o México e Peru, ou no pós-independência, como
o Chile. Por mais de um século, de 1808 – quando foram criadas as primeiras
escolas superiores – até 1934, o modelo de ensino superior foi o da formação
para profissões liberais tradicionais, como direito e medicina, ou para as engenharias”.
... “A vinda da corte portuguesa, em 1808, marca o início da constituição do
núcleo de ensino superior no Brasil, cujo padrão de desenvolvimento teve, como
características principais, sua orientação para formação profissional e o
controle do Estado sobre o sistema”. ... “O modelo de formação profissional
combinou, em sua origem, duas influências: o pragmatismo que havia orientado o
projeto de modernização em Portugal, no final do século XVIII – cuja expressão
mais significativa no campo educacional foi a reforma da Universidade de
Coimbra – e o modelo napoleônico do divórcio entre ensino e a pesquisa
científica. No Brasil, a criação de instituições de ensino superior, seguindo
esse modelo, buscava formar quadros profissionais para a administração dos
negócios do Estado e para a descoberta de novas riquezas, e implicava em
rejeitar qualquer papel educacional da Igreja Católica que fosse além do ensino
das primeiras letras. Ainda que reforma de Coimbra tendesse a favorecer a
formação especializada, o que acabou prevalecendo, no Brasil como na França e
em tantas outras partes, foi a formação para as profissões liberais, nas quais
o cunho propriamente técnico e especializado, presente em áreas como a
engenharia e a medicina, não chegou a predominar. As escolas de Medicina,
Engenharia e, mais tarde, de Direito, se constituiram na espinha dorsal do sistema,
e ainda onde estão entre as profissões de maior prestígio e demanda. Durante
esse primeiro período, de 1808 a 1889, o sistema de ensino superior se desenvolve
lentamente, em compasso com as rasas transformações sociais e econômicas da
sociedade brasileira. Tratava-se de um sistema voltado para o ensino, que
assegurava um diploma profissional, o qual dava direito a ocupar posições
privilegiadas no restrito mercado de trabalho existente e a assegurar prestígio
social. A independência política, em 1822, não implicou em mudança de formato
do ensino superior nem tampouco em uma ampliação ou diversificação do sistema.
Os novos dirigentes não vislumbraram qualquer vantagem na criação de
universidades, prevalecendo o modelo de formação para profissões, em faculdades
isoladas. Na verdade, o processo de emancipação não foi além de uma
transferência formal de poder. A sociedade pós-colonial permaneceu escravocrata
até o final do século XIX, atrelada a uma economia baseada largamente na
exportação de produtos, com uma vida urbana restrita a poucos núcleos de
assentamento ─ tradicionais e/ou decadentes ─ e a alguns centros
administrativos e exportadores”. ... “Nesse contexto de centralismo político do
regime imperial, o debate sobre a criação de uma universidade no Brasil
passava, inevitavelmente, pela discussão sobre o grau de controle do Estado na
educação. Para muitos, uma universidade seria exatamente uma forma de atender
aos objetivos centralizadores do governo. Assim, tanto para os defensores deste
tipo de organização do ensino superior como para os positivistas, seus
principais opositores, a id[e]ia de universidade aparecia associada, com raras
exceções, à de ingerência oficial no ensino”. ... “Com a abolição da escravidão
(1888), a queda do Império e a proclamação da República (1889), o Brasil entra
em um período de grandes mudanças sociais, que a educação acabou por
acompanhar. A Constituição da República descentraliza o ensino superior, que
era privativo do poder central, aos governos estaduais, e permite a criação de
instituições privadas, o que teve como efeito imediato a ampliação e a
diversificação do sistema, Entre 1889 e 1918, 56 novas escolas de ensino
superior, na sua maioria privadas, são criadas no país”. ... “No Brasil,
curiosamente, as id[e]ias gestadas no período de liberdade política e efervescência
social tendem a ser implementadas por regimes autoritários e centralizadores
que lhes seguem. Antes mesmo de ser criada qualquer universidade desse novo
estilo, o governo provisório de Getúlio Vargas, tendo fundado em 1930 o Ministério
de Educação e Saúde, publicou uma lei que definia como a universidade deveria
ser, e que ficou conhecida com o nome do primeiro Ministro da Educação do país,
como a "Reforma Francisco Campos"”. ... “A Universidade de São Paulo
tem uma história diferente, e faz parte da resistência da elite paulista ao
governo central no Rio de Janeiro, e que teve seu ponto culminante com a
Revolução Constitucionalista de 1932. Em 1934 há uma reconciliação entre as
elites paulistas e o governo federal, e é neste ano que a Universidade de São
Paulo é criada, dentro das normas gerais da legislação de Francisco Campos, com
uma Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, mas com uma orientação própria e
grande autonomia”. ... “As novas universidades, desta forma, não se
constituíram a partir de demandas de amplos setores da sociedade nem de reivindicações
do pessoal das instituições de ensino superior existentes. Foi antes uma
iniciativa de grupos de políticos, intelectuais, e educadores, nem sempre
ligados [ao] ensino superior. A universidade se implanta através de confrontos,
negociações e compromissos, que envolviam intelectuais e setores dentro da própria
burocracia estatal. Este processo é extremamente complexo, pois se dá em um momento
de mudança de regime político de tal forma que os proponentes da reforma se encontram
ora integrados nos grupos dominantes, ora em oposição a ele”. ... “Existe uma
tensão histórica entre o governo central e os Estados, que encontra seus
extremos no período imperial ─ quando todas as iniciativas eram do governo
central ─ e o primeiro período republicano, quando todas as iniciativas eram estaduais.
Apesar da grande centralização política que ocorre na década de 30, o governo
federal não consegue impor uma política centralizada para todo o ensino superior,
graças à resistência de São Paulo, e também a iniciativas de outros estados, que,
de uma forma ou outra, deram início a seus próprios sistemas universitários. Em
1945 o regime democrático é restabelecido, mas o peso crescente do governo
federal faz com que muitas universidades criadas timidamente pelos Estados busquem,
e consigam, passar para a jurisdição do governo federal. É assim que o governo
central, que na década de 30 pretendia ter somente uma universidade padrão, a
Universidade do Brasil, cujo modelo seria imposto ao resto do país, termina com
uma rede de dezenas de instituições em todo o território nacional, que tem que
administrar e financiar. É a partir da reforma de 1968 que o governo central
assume novo papel de liderança, pela introdução da reforma, pela repressão dos
primeiros anos da década de 70, e pela criação da rede de programas de
pós-graduação e pesquisa nos anos posteriores. Apesar disto tudo, sistemas
estaduais continuam a existir, e a marca principal do ensino superior público
brasileiro é o contraste entre o sistema federal e o sistema paulista, que concentra
os principais programas de pós-graduação e pesquisa, e os cursos profissionais mais
prestigiados do país”. (SAMPAIO, 1991).
Embora já tenhamos uma boa visão da
formação da sociedade brasileira a partir do que vimos até aqui, não poderíamos
deixar de trazer alguns pontos importantes relativos às raízes do Brasil
obtidos da consagrada obra escrita durante a primeira metade do século XX por Sérgio
Buarque de Holanda:
“E
o círculo de virtudes capitais para a gente ibérica relaciona-se de modo direto
com o sentimento da própria dignidade de cada indivíduo. Comum a nobres e
plebeus, esse sentimento corresponde, sem embargo, a uma ética de fidalgos, não
de vilões. Para espanhóis e portugueses, os valores que ele anima são
universais e permanentes”. ... “Efetivamente, as teorias negadoras do livre arbítrio
foram sempre encaradas com desconfiança e antipatia pelos espanhóis e
portugueses. ... Foi essa mentalidade, justamente, que se tornou o maior óbice,
entre eles, ao espírito de organização espontânea, tão característica de povos
protestantes, e sobretudo de calvinistas. Porque, na verdade, as doutrinas que
apregoam e a responsabilidade pessoal são tudo, menos favorecedoras da
associação entre os homens. Nas nações ibéricas, à falta dessa racionalização
da vida, que tão cedo experimentaram algumas terras protestantes, o princípio
unificador foi sempre representado pelos governos. Nela predominou,
incessantemente, o tipo de organização política artificialmente mantida por uma
força exterior, que, nos tempos modernos, encontrou uma das suas formas
características nas ditaduras militares. Um fato que não se pode deixar de
tomar em consideração no exame da psicologia desses povos é a invencível
repulsa que sempre lhes inspirou toda moral fundada no culto ao trabalho. ... É
compreensível, assim, que jamais se tenha naturalizado entre a gente hispânica,
a moderna religião do trabalho e o apreço à atividade utilitária. Uma digna
ociosidade pareceu mais excelente, e até mais nobilitante, a um bom português,
ou a um espanhol, do que a luta insana pelo pão de cada dia. O que ambos
admiram como ideal é uma vida de grande senhor, exclusiva de qualquer esforço,
de qualquer preocupação. E, assim, enquanto povos protestantes preconizam e exaltam
o esforço manual, as nações ibéricas colocam-se ainda largamente no ponto de
vista da antiguidade clássica. O que entre elas predomina é a concepção antiga
de que o ócio importa mais que o negócio e de que a atividade produtora é, em
si, menos valiosa que a contemplação e o amor. Também se compreende que a
carência dessa moral do trabalho se ajuste bem a uma reduzida capacidade de
organização social. ... No caso brasileiro, a verdade, por menos sedutora que
possa parecer a alguns dos nossos patriotas, é que ainda nos associa à
Península Ibérica, a Portugal especialmente, uma tradição longa e viva,
bastante viva para nutrir, até hoje, uma alma comum, a despeito de tudo que nos
separa. Podemos dizer que de lá nos veio a forma atual de nossa cultura; o resto
foi matéria que se sujeitou mal ou bem a essa forma” (ps. 9 – 11). ... “Nas
formas de vida coletiva podem assinalar-se dois princípios que se combatem e regulam
diversamente as atividades dos homens. Esses dois princípios encarnam-se nos
tipos do aventureiro e do trabalhador. Já nas sociedades rudimentares
manifestam-se eles, segundo sua predominância, na distinção fundamental entre
os povos caçadores ou coletores e os povos lavradores. Para uns, o objeto
final, a mira de todo esforço, o ponto de chegada, assume relevância tão
capital, que chega a dispensar, por secundário, quase supérfluos, todos os
processos intermediários. Seu ideal será colher o fruto sem plantar a árvore.
Esse tipo humano ignora as fronteiras. No mundo tudo se apresenta a ele em
generosa amplitude e onde quer que se erija um obstáculo a seus propósitos
ambiciosos, sabe transformar esse obstáculo em trampolim. Vive dos espaços
ilimitados, dos projetos vastos, dos horizontes distantes. O trabalhador, ao
contrário, é aquele que enxerga primeiro a dificuldade a vencer, não o triunfo
a alcançar. O esforço lento, pouco compensador e persistente, que, no entanto,
mede todas as possibilidades de esperdício e sabe tirar o máximo proveito do
insignificante, tem sentido bem nítido para ele. Seu campo visual é
naturalmente restrito. A parte maior do que o todo. ... Na obra da conquista e
colonização dos novos mundos coube ao “trabalhador”, no sentido aqui
compreendido, papel muito limitado, quase nulo. A época predispunha aos gestos
e façanhas audaciosos, galardoando bem os homens de grandes v[o]os. E não foi
furtuita a circunstância de se terem encontrado neste continente, empenhadas
nessa obra, principalmente as nações onde o tipo do trabalhador, tal como acaba
de ser descriminado, encontrou ambiente menos propício. ... E essa ânsia de
prosperidade sem custo, de títulos honoríficos, de posições e riquezas fáceis,
tão notoriamente caracterizada da gente da nossa terra, não é bem uma das
manifestações mais cruas do espírito de aventura? ... Nas suas plantações de
cana, bastou que desenvolvessem em grande escala o processo já instituído,
segundo todas as probabilidades, na Madeira e em outras ilhas do Atlântico,
onde o negro da Guiné era utilizado nas fainas rurais. ... Pode dizer-se que a
presença do negro representou sempre fator obrigatório no desenvolvimento dos
latifúndios coloniais. Os antigos moradores da terra foram, eventualmente, prestimosos
colaboradores na indústria extrativa, na caça, na pesca, em determinados
ofícios mecânicos e na criação do gado. Dificilmente se acomodavam, porém, ao
trabalho acurado e metódico que exige a exploração dos canaviais. ... O que o
português vinha buscar era, sem dúvida, a riqueza, mas riqueza que custa
ousadia, não riqueza que custa trabalho” (ps. 13 – 18). ... “Compreende-se,
assim, que já fosse exíguo o sentimento de distância, entre os dominadores,
aqui, e a massa trabalhadora constituída de homens de cor. O escravo das
plantações e das minas não era um simples manancial de energia, um carvão
humano à espera de que a época industrial o substituísse pelo combustível. Com
frequência as suas relações com os donos oscilavam de dependente para a de
protegido, e até de solidário e afim. Sua influência penetrava sinuosamente o
recesso doméstico, agindo como dissolvente de qualquer ideia de separação de
castas ou raças, de qualquer disciplina fundada em tal separação” (p. 24). ...
“Em sociedade de origem tão nitidamente personalista como a nossa é
compreensível que os simples vínculos de pessoa a pessoa, independentes e até
exclusivos de qualquer tendência para a cooperação autêntica entre os
indivíduos, tenham sido quase sempre os mais decisivos. As agregações e
relações pessoais, embora por vezes precárias e, de outro lado, as lutas entre
facções, entre famílias, entre regionalismos, faziam dela um todo incoerente e
amorfo. O peculiar da vida brasileira parece ter sido, por essa época, uma
acentuação singularmente energética do afetivo, do irracional, do passional, e
uma estagnação ou antes uma atrofia correspondente das qualidades ordenadoras,
disciplinadoras, racionalizadoras. Quer dizer, exatamente ao contrário do que
parece convir a uma população em vias de organizar-se politicamente. À
influência dos negros, não apenas como negros, mas ainda, e sobretudo, como
escravos, essa população não tinha como oferecer obstáculos sérios. Uma
suavidade dengosa e açucarada invade desde cedo, todas as esferas da vida
colonial” (ps. 30 – 31). ... “Nos domínios rurais é o tipo de família
organizada segundo as normas clássicas do velho direito romano-canônico,
mantidas na Península Ibérica através inúmeras gerações, que prevalece como
base e centro de toda organização. Os escravos das plantações e das casas, e
não somente escravos, como os agregados, dilatam o círculo familiar e, com ele,
a autoridade imensa do pater-famílias. Esse núcleo bem característico, em tudo
se comporta como seu modelo da antiguidade, em que a própria palavra “família”, derivada de famulus,
se acha estreitamente vinculada à ideia de escravidão, e em que mesmos os
filhos são apenas os membros livres do vasto corpo, inteiramente subordinado ao
patriarca, os liberi. ... Com o declínio da velha lavoura e a quase
concomitante ascendência dos centros urbanos, precipitada grandemente pela
vinda, em 1808, da Corte Portuguesa e depois pela Independência, os senhorios
rurais principiam a perder muito de sua posição privilegiada e singular. Outras
ocupações reclamam agora igual eminência, ocupações nitidamente citadinas, como
a atividade política, a burocracia, as profissões liberais. ... O trabalho
mental, que não suja as mãos e não fatiga o corpo, pode constituir, com efeito,
ocupação em todos os sentidos digna dos antigos senhores de escravos e dos seus
herdeiros. Não significa forçosamente, neste caso, amor ao pensamento
especulativo – a verdade é que, embora presumindo o contrário, dedicamos de
modo geral, pouca estima às especulações intelectuais – mas amor à frase sonora,
ao verbo espontâneo e abundante, à erudição ostentosa, à expressão rara. É que
para bem corresponder ao papel que, mesmo sem o saber, lhe conferimos, inteligência
há de ser ornamento e prenda, não instrumento de conhecimento e ação” (ps. 49 –
51). ... “Esse caráter puramente exterior, epidérmico, de numerosas agitações
ocorridas entre nós durante os anos que antecederam e sucederam à Independência,
mostra o quanto era difícil ultrapassarem-se os limites que à nossa vida política
tinham traçado certas condições específicas geradas pela colonização
portuguesa. Um dos efeitos da improvisação quase forçada de uma espécie de
burguesia urbana no Brasil, está em que certas atitudes peculiares, até então,
ao patriciado rural, logo se tornaram comuns a todas as classes como norma
ideal de conduta. Estereotipada por longos anos de vida rural, a mentalidade de
casa-grande invadiu assim as cidades e conquistou todas as profissões, sem
exclusão das mais humildes. É bem típico o caso testemunhado por um John
Luccock, no Rio de Janeiro, de simples oficial de carpintaria que se vestia à
maneira de um fidalgo, com tricórnio e sapatos de fivela, e se recusava a usar
as próprias mãos para carregar as ferramentas de seu ofício, preferindo
entregá-las a um preto. ... Toda a ordem administrativa do país, durante o
Império e mesmo depois, já no regime republicano, há de comportar, por isso,
elementos estreitamente vinculados ao velho sistema senhorial” (ps. 55 – 57).
(HOLANDA, 1994).
Em seguida, por tudo aquilo que já
vimos até aqui, vamos considerar verdadeira nossa hipótese inicial, e analisar
o efeito do corporativismo sobre dois elementos básicos da sociedade: a
Constituição e a questão ética.
7. Constituição Federal
A Carta
Magna de um país é o espelho da sua sociedade. Vamos analisar alguns
importantes aspectos da Constituição Federal do Brasil lançando mão da obra de
Almir Pazzianotto Pinto publicada em 2017:
“Toda as nossas oito
constituições resultaram de alguma modalidade de golpe contra o regime vigente.
Assim foi em 1824 após o Brasil se separar de Portugal em 1822, repetiu-se em 1891,
como resultado inevitável da proclamação da República; o mesmo aconteceu em
1934, após ser vitoriosa a Revolução de 1930; novamente em 1937 com a
implantação da ditadura de Vargas. As constituições de 1946, 1967 e 1969
(Emenda Constitucional nº 1/69) tiveram origem idêntica: a queda abrupta do
governo exigindo mudança da Lei Fundamental. Em 1985 ruptura com o regime
autoritário ocorreu sem violência” (p. 189). ... “Para afastar a Emenda 1/69,
promulgada pelos Ministros Militares que haviam substituído o general Costa e
Silva, o presidente [José] Sarney submeteu ao Congresso a proposta de Emenda
Constitucional nº 26, de 28.6.1985, cujo art. 1º prescrevia: “Os membros da
Câmara dos Deputados e o [Senado]r reunir-se-ão, unicameralmente, em Assembl[e]ia
Nacional Constituinte livre e soberana, no dia 1º de janeiro de [1987] 1967, na
sede do Congresso Nacional”. Não havia projeto ou data para a conclusão dos
trabalhos. O resultado consistiu na Constituição de 5.10.1988 com 250 artigos e
o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) contendo 94 outros”
(p. 191). ... “Na definição do jurista Pedro Nunes, “República é a realização
da democracia, o estado no qual há liberdade para todos e perfeita igualdade de
direito e deveres dos cidadãos”. ... Ao declararem que todo poder emana do povo,
para em seu nome ser exercido, ouso afirmar que todas as Constituições faltaram
com a verdade. Do pecado original não escapou a Constituição de 1988. ...
Igualdade é utopia ... Uma das manifestações odiosas e óbvias da desigualdade
resulta do foro privilegiado. Quem desfruta do privilégio se beneficia de
prerrogativas inacessíveis aos cidadãos comuns. É o caso do presidente da
República, do vice-presidente, dos membros do Congresso Nacional, que se valem
do benefício de serem julgados, por crime de responsabilidade, no Supremo
Tribunal Federal. Gozam da mesma prerrogativa ministros de Estado, comandantes
da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, membros dos tribunais superiores, do
Tribunal de Contas da União e chefes de missões diplomáticas de caráter
permanente. A Lei Maior deixa, também, de ser verdadeira nos direitos
assegurados, pelo artigo 6º, à saúde, educação, trabalho, moradia, lazer,
segurança, Previdência Social, proteção à maternidade e à infância e
assistências aos desamparados. ... Matéria de O Estado publicada no caderno
Aliás de 25/5/2016, com o título Os filhos da garapa, desnuda a realidade do
agreste nordestino: “Garapa é o leite de quem não tem. Uma água levada ao fogão
de barro logo pela manhã, quando as crianças sentem a dor da primeira fome.
Água adoçada com açúcar, o mel que as deixará vivas por mais um dia”. Famílias
desestruturadas, abrigadas em choças de ripas e barro socado, sem energia
elétrica, água encanada, esgoto, com filhos doentes e passando fome desmoralizam
os devaneios constitucionais. Redigida em 1787 por 55 representantes de 13
Estados, a Constituição norte-americana cont[e]m 7 artigos que, em 229 anos,
receberam 27 emendas. A Constituição brasileira de 1988, com 250 artigos e 94 disposições foi
redigida por 594 deputados e senadores. Já sofreu 97 alterações, que não a tornaram
melhor” (ps. 83 – 87). ... “A prioridade há de ser concedida, neste primeiro
momento, à reforma partidária, para reduzir o irracional número de partidos
políticos com registro no Superior Tribunal Eleitoral. São 35 legendas. ... Em síntese, entre 35
legendas, não mais que 6 ou 7 são representativas ... Urge iniciar a limpeza
das legendas para deixarem de agir como moeda de troca em conchavos políticos” (ps.
194 – 195). (PINTO, 2017).
8. A questão ética
A
questão ética é sempre um grande desafio para uma sociedade com forte perfil
corporativista. Vamos analisar esse aspecto com relação ao Brasil,
inicialmente, através de Lilia Moritz Schwarcz:
Desde o início dessa
breve história de cinco séculos foi logo ficando patente a dificuldade que
temos de construir modelos compartilhados de zelo pelo bem comum. Em seu lugar,
várias formas de compadrio, a moeda de troca dos favores, o recurso a
pistolões, o famoso hábito de furar fila, de levar vantagem ou a utilização de
intermediários se enraizaram nesta terra do uso abusivo do Estado para fins
privados. O certo é que persistirá no Brasil um sério déficit republicano
enquanto práticas patrimoniais e clientelistas continuarem a imperar no
interior do nosso sistema político e no coração de nossas instituições
públicas. “República” significa “coisa pública” – bem comum – em oposição ao
bem particular: a res privada. Pensada nesses termos, como bem ajuíza o
historiador José Murilo de Carvalho, “nossa República nunca foi republicana”.
Por mais tautológico que possa parecer, não pode haver república sem valores
republicanos, e por aqui sempre faz falta o interesse pelo coletivo, a virtude
cívica e os princípios próprios ao exercício da vida pública. Nos falta ainda
mais, o exercício dos direitos sociais, qual seja a participação na riqueza
coletiva: o direito, ou melhor, o pleno exercício do direito à saúde, à
educação, ao emprego, à moradia, ao transporte e ao lazer. Diante desses
impedimentos, ficam expostas a cidadania precarizada de certos grupos sociais brasileiros
e as práticas de segregação a que continuam sujeitos. Sobretudo para os setores
vulneráveis da sociedade, a regra democrática permanece muitas vezes suspensas,
e nosso presente, ainda muito marcado pelo passado escravocrata, autoritário e
controlado pelos mandonismos locais. E como nossa República é frágil, ela se
torna particularmente vulnerável ao ataque de seus dois principais inimigos: o
patrimonialismo e a corrupção. O primeiro deles, o patrimonialismo, é resultado
da relação viciada que se estabelece entre a sociedade e o Estado, quando o bem
público é apropriado privadamente. Ou, dito de outra maneira, trata-se do
entendimento, equivocado, de que o Estado é bem pessoal, “patrimônio” de quem detém
o poder” (ps. 64 – 65). ... “Se o patrimonialismo é o primeiro inimigo da
República, o segundo principal adversário atende pelo nome de corrupção. Trata-se
de uma prática que degrada a confiança que temos uns nos outros e desagrega o
espaço público, desviando recursos e direitos dos cidadãos. Não por
coincidência, ela se encontra, muitas vezes, associada ao mau trato do dinheiro
público ocasionando o descontrole das políticas governamentais” (p. 88). ... “A
corrupção se manifesta em qualquer época histórica, mas seu significado é amplo,
pode variar muito, e não existe uma linha única de continuidade. Não obstante,
a corrupção que hoje assola a política nacional, e tem indignado os
brasileiros, faz parte, em maior ou menor escala, do cotidiano do país desde os
tempos do Brasil colônia. Por isso, estratagemas usados pelas elites coloniais
lembram, de forma direta ou mais distante, as várias práticas ilícitas
preparadas por alguns de nossos governantes atuais. ... No século XVII,
viajantes costumavam afirmar que era preferível ser roubado por piratas em
alto-mar a aportar no Brasil, onde teriam de pagar uma série de taxas sobre a
mercadoria comercializada, além de serem obrigados a adular os administradores e
grandes proprietários com todo tipo de presente. Em relatos de viajantes do
século XVIII , um certo “jeitinho” brasileiro já chamava a atenção daqueles que
percorriam as Minas Gerais. Nas cartas deixadas, navegadores narravam sua
surpresa diante da “esperteza dos brasileiros”, que contrabandeavam cargas
preciosas e misturavam pó com ouro para passar a impressão de que a produção
era ainda maior e assim conseguir mais lucros. ... Além do mais, não se pode
esquecer que o Brasil financiou a existência do sistema escravocrata até apenas
130 atrás. Ora, para manter uma instituição como essa, e durante tantos séculos
– a despeito de a prática não ser penalizada por lei -, era preciso diminuir a
dose de espírito moral em relação ao outro e pensar muito mais no proveito
próprio. A escravidão minava conceitos como moral e ética; era
comercializada diretamente entre proprietários e traficantes, e seu dia a dia
vigia à margem do controle do Estado português, que era dono das feitorias africanas,
mas não controlava o tráfico nem os mercados de escravos” (ps. 90 – 93). ...
“Chama atenção como durante o Império e também no decorrer da Primeira
República (1889 – 1930) falava-se em corrupção referindo-se a governos e não a
indivíduos. Foi com esse espírito que Alberto Sales, irmão do presidente Campos
Sales (1898 – 1902), arrependido de ter apoiado a República, desabafou, ainda
em 1901, dizendo que o regime era “mais corrupto que a monarquia”” (ps. 103 –
104). ... “História não é competição de salto em distância, nem é possível
elaborar uma narrativa evolutiva quando o tema é corrupção. O que se pode
afirmar é que foi somente a partir de 1945 que no Brasil se passou a legislar
não apenas sobre a corrupção do Estado, mas também a cerca daquela individual e
de responsabilidade do chefe do governo” (p. 106). ... “Quebrar o pacto
implícito que se estabelece com a prática da corrupção é um dos enormes
desafios que os brasileiros têm pela frente. A urgência faz parte da nossa
própria agenda democrática, que prevê a distribuição equânime de direitos. ...
A captura do Estado por interesses particulares e a consequente prática de
corrupção que se instaura visando a própria conservação desse tipo de esquema é
um dos principais fatores que explicam a crise que vivemos atualmente. Além de
afetar a economia, alocando recursos de forma ineficiente, a corrupção tem o
poder de instalar uma burocracia inapta, na medida em que o funcionamento desta
não é gerido pela necessidade do Estado, mas pela distribuição farta de cargos
e verbas para os “amigos fiéis”, que trocam “favores” e “interesses”. Por
último, a corrupção viceja quando há uma mentalidade mais ampla que não só a aceita,
como a naturaliza em seu cotidiano. A corrupção pública se prolonga nas
práticas individuais que visam sempre “dar um jeitinho”, “quebrar o galho”,
“fechar um olho” (ps. 121 – 123). (SCHWARCZ, 2019).
Vamos também buscar
alguns trechos da palestra do ministro do Supremo Tribunal Federal, Luís
Roberto Barroso, proferida na Universidade de Harward em 2018 sobre o tema.
“A corrupção na América Latina tem origens e
causas remotas. Aponto sumariamente três. A primeira é o patrimonialismo,
decorrente da colonização ibérica, marcada pela má separação entre a esfera
pública e a esfera privada. Não havia distinção entre a Fazenda do rei e a
Fazenda do reino, o rei era sócio dos colonizadores e as obrigações privadas e
os deveres públicos se superpunham. A segunda causa é a onipresença do
Estado, com o controle da política e das atividades econômicas, seja pela
exploração direta seja por mecanismos de financiamento a empresas privadas e de
concessão de benefícios. A sociedade torna-se dependente do Estado para quase
tudo o que é importante, sejam projetos pessoais, sociais ou empresariais.
Cria-se uma cultura de paternalismo e compadrio, acima do mérito e da virtude.
O Estado e seus representantes vendem favores e cobram lealdades. A terceira
causa é a cultura da desigualdade. As origens aristocráticas e escravocratas
formaram uma sociedade na qual existem superiores e inferiores, os que estão sujeitos
à lei e os que se consideram acima dela. A elite dos superiores se protege
contra o alcance das leis, circunstância que incentiva as condutas erradas. A
essas origens mais remotas somam-se duas causas mais imediatas. A primeira é o sistema
político, que produz eleições excessivamente caras, com baixa representatividade
dos eleitos devido ao sistema eleitoral proporcional em lista aberta e que
dificulta a governabilidade. As eleições excessivamente caras fazem com que o
financiamento eleitoral esteja por trás de boa parte dos escândalos de
corrupção; a baixa representatividade gera uma classe política descolada da
sociedade civil; e a governabilidade é comprometida por mais de duas dezenas de
partidos políticos que tornam o Presidente da República refém de práticas
fisiológicas – quando não desonestas – do Congresso. Uma segunda causa é a
impunidade. O sistema criminal brasileiro, até muito pouco tempo atrás,
mantinha uma postura de leniência em relação à criminalidade do colarinho
branco, tanto por deficiência das leis como pela pouca disposição dos juízes em
condenar por tais crimes, considerados não violentos e não muito graves. O
sistema punitivo brasileiro, historicamente, só foi capaz de punir gente pobre,
por delitos violentos ou por drogas”. ... “A corrupção no Brasil não foi
produto de falhas individuais ou pequenas fraquezas humanas. O que nós tivemos
foi uma corrupção sistêmica, com um espantoso arco de alianças que incluiu
empresas privadas, empresas estatais, empresários, servidores públicos, membros
do Executivo e do Legislativo. Foram esquemas profissionais de arrecadação e de
distribuição de dinheiro público desviado. Como tenho dito, é impossível não
sentir vergonha pelo que aconteceu no Brasil. Esses esquemas se transformaram
no modo natural de se fazer política e de se fazerem negócios no Brasil. A
corrupção generalizada, no topo da pirâmide política, foi produto de um pacto
oligárquico celebrado por parte da classe política, parte da classe
empresarial e parte da burocracia estatal para saque do Estado brasileiro e, em
última análise, da sociedade e do povo brasileiro. O Estado brasileiro é um
Estado apropriado privadamente. Aliás, como as investigações revelaram, duas
empresas tinham o Estado brasileiro na sua folha de pagamento. A corrupção tem
custos elevados para o país. De acordo com a Transparência Internacional, em
2016 o Brasil foi o 96º colocado no ranking sobre percepção da corrupção
no mundo, entre 168 países analisados. Em 2015, havíamos ocupado o 79º lugar.
Em 2014, o 69º. Ou seja: pioramos. Estatísticas como essas comprometem a imagem
do país, o nível de investimento, a credibilidade das instituições e, em escala
sutil e imensurável, a autoestima das pessoas. A corrupção acarreta custos de
naturezas diversas, inclusive econômicos, políticos e no plano dos direitos
humanos. Não é fácil estimar os custos econômicos da corrupção. Trata-se de um
tipo de crime difícil de rastrear, porque subornos e propinas não vêm a público
facilmente nem são lançados na contabilidade oficial. Ainda assim, existem
algumas análises a respeito. É difícil avaliar a metodologia desses cálculos. E
os custos indiretos da corrupção são praticamente incalculáveis, sendo que nem
tudo na vida pode ser medido em dinheiro. Mas não há dúvida de que a corrupção
tem uma correlação inversa com a taxa de investimento e com a produtividade da
economia. A corrupção compromete de forma grave a boa governança. No Brasil,
algumas decisões econômicas importantes foram tomadas sob influência de
mecanismos de corrupção e de capitalismo de compadrio” ... “Nada obstante, o
país precisa de reformas estruturais para superar a corrupção. Dentre elas, uma
reforma política, a redução do tamanho do Estado e do seu peso nas atividades econômicas
e um sistema de justiça criminal mais eficiente no combate a criminalidade do colarinho
branco. No seu aclamado livro Why Nations Fail, Daron Acemoglu e James
A. Robinson procuram identificar as razões que levam países à prosperidade ou à
pobreza. De acordo com os autores, essas razões não se encontram – ao menos em
sua parcela mais relevante – na geografia, na cultura ou na ignorância de qual
é a coisa certa a fazer. Elas se encontram, acima de tudo, na existência ou não
de instituições econômicas e políticas verdadeiramente inclusivas”. (BARROSO.
2018).
Para
não deixar de mencionar os Estados Unidos, nosso país de referência, conforme
acima definimos no método de análise da sociedade brasileira, mostramos uma
rápida observação feita por Deltan Dallagnol:
“Se
a meta era vencer a impunidade, seria necessário mudar as regras e a cultura
jurídica. Não bastava tentar mudar o sistema por dentro – era necessário atuar
fora dele, na academia e por meio de propostas de reformas. Para dar
contribuição neste sentido, nada melhor do que buscar aperfeiçoamento nos
Estados Unidos, um país em que o sistema de Justiça Criminal funciona muito
melhor do que o nosso e que é, ao mesmo tempo, berço da proteção aos direitos
humanos. Lá, por exemplo, os políticos não têm foro privilegiado e são julgados
como qualquer cidadão. Além disso, o júri é composto por pessoas comuns, nunca
por juízes indicados politicamente. O resultado dessa receita é uma longa lista
de autoridades condenadas e presas por corrupção” (p. 33). (DALLAGNOL, 2017).
9. Considerações finais
Pelo que vimos, a
escravidão foi um fator decisivo na formação da sociedade brasileira. Implantada
no Brasil desde o início da colonização portuguesa no século XVI, perdurou até as
vésperas da Proclamação da República em 1889. Hoje, ela deixou como herança o
ranço do autoritarismo, da ignorância, da ociosidade, do orgulho, da pobreza e
do luxo exibicionista. O período republicano já conheceu sete Constituições
Federais, todas relacionadas a algum tipo de golpe. A atual, aprovada em 1988, embora
afirme que todos são iguais perante a lei, garante foro privilegiado a inúmeros
detentores de cargos públicos. O sistema de governo, presidencialista
pluripartidário, tem atualmente mais de 30 legendas, a maioria sem representatividade.
O patrimonialismo e a corrupção sistêmica não estão somente no topo da pirâmide
política, envolvendo a classe política e empresarial, mas invade por
capilaridade todo tecido social. O “dar um jeitinho”, “quebrar o galho”, “furar
a fila” e “fechar o olho” são exemplos que fazem parte do cotidiano do brasileiro.
Este
quadro, acima descrito, é entendido como sendo uma forte característica da
sociedade brasileira, que estamos chamando de corporativismo e que nos remete ao
conceito de sociedade aristotélica que aceita, como natural, a desigualdade
entre os seres humanos. Nela, a partir da cabeça, que é o rei, seus membros
mantêm posição que corresponde a uma função, como no corpo humano e, portanto,
nesse modelo, a sociedade não é um conjunto de indivíduos com autonomia para
tomar decisões, construir sua vida, escolher seus dirigentes e criar as bases
do estado moderno.
Assim, não é surpresa
que o Brasil não seja protagonista na criação de monumentos históricos que
deram grandes impulsos nas economias capitalistas. O fordismo e o taylorismo, o
computador mainframe e o notebook, a manufatura enxuta de Taiichi
Ohno e o sistema de controle da qualidade total de Feigenbaun, o celular e a
internet, o sítio de procura da Google e o de relacionamento da Facebook, o
sistema de venda e distribuição da Amazon e outros. Nenhum deles teve origem no
Brasil.
Por outro lado, os
Estados Unidos, tomados como referência neste trabalho, também conheceram o
regime escravocrata em seus latifúndios das colônias do Sul. Todavia, a
escravidão sofreu resistência das colônias do Norte – conhecidas por Nova
Inglaterra – nas quais os protestantes que lá chegaram tiveram a anuência da
Inglaterra para desenvolver seu modelo de colonização baseado no trabalho do
homem livre e na meritocracia.
A escravidão do Sul
norte-americano não teve, como no Brasil, um regime monárquico após a
Independência para lhe dar suporte. Além disso, os sulistas foram derrotados,
em seguida, na Guerra Civil em 1865. Mesmo assim, a escravidão cobrou seu preço
na formação do perfil da sociedade atual dos Estados Unidos, externado,
principalmente, pelo racismo radical e violento.
Graças a esses e
outros fatos históricos, os Estados Unidos puderam criar excelentes condições
para o florescimento do capitalismo industrial. O alinhamento dos esforços do Governo
Federal para expansão do Oeste com a ferrovia – que ligava uma cidade ao nada –
deu origem a um enorme mercado. Alinhamento esse esteve também presente na
criação de faculdades e universidades que desenvolveram, através da ciência
aplicada, não somente a agricultura como, igualmente, o sistema de manufatura. Tudo
isso, consequentemente, abriu espaço para novos produtos de preços acessíveis à
população, gerando um ciclo virtuoso que impulsionou sua economia num crescimento
fabuloso rumo a um país de renda alta e desenvolvido.
Desta forma, podemos supor
um modelo básico para o Brasil crescer economicamente e escapar da armadilha da
renda média. Imaginamos um modelo onde o país tivesse à sua disposição um
grande mercado e com condições de oferecer a ele alguns produtos – bens e ou
serviços - extremamente competitivos e de enorme aceitação neste mercado.
Em relação ao grande mercado,
sabemos que o interno tem excelente potencial para atender a esse requisito,
pois sua população é composta por mais de 210 milhões de habitantes. Todavia, ela
possui renda média e, por consequência, seu poder aquisitivo é limitado. É
preciso também conquistar o mercado externo, pelo menos inicialmente. Agora,
olhando para a competitividade dos produtos e sua ampla aceitação, o Brasil
necessita, para desenvolver tais produtos, de recursos financeiros e humanos.
Quanto aos recursos financeiros, o país está diante da necessidade de
equacionar o enfrentamento de uma dívida pública bruta superior a 80% do PIB – previsão de 100% do PIB
no pós-COVID 19 - e um déficit público crescente. Quanto aos recursos humanos,
são importantes a melhoria da qualidade de ensino e o suporte da ciência
aplicada.
Portanto, o papel do Governo é vital para criação de um ambiente competitivo, para
a administração de crise e para a garantia da mobilidade social (redução da
desigualdade social).
Tendo
em mente esse modelo básico e seus requisitos, pode-se imaginar que há várias
estratégias possíveis de planejamento e execução visando torná-lo uma realidade
de sucesso. Potencial existe. É viável explorar, ainda mais, a condição do país
como celeiro do mundo, seus polos de alta tecnologia – como, por exemplo, a aeronáutica,
a extração do petróleo em águas profundas, a própria agricultura – além de criar
incentivo às pequenas e microempresas para embarcar em tecnologias avançadas de
ciclo curto etc.
Todavia,
qualquer que seja a alternativa escolhida, para que o Governo possa atuar
positivamente como vimos acima, é vital que, a priori, se atenue ou se elimine
a causa raiz que prende o Brasil na armadilha da renda média, isto é, o forte traço
de corporativismo da sua sociedade. Entendemos, que isso somente é possível
através da conscientização desta causa raiz – e seus efeitos - por parte de
toda sociedade, depois, da sua vontade política de eliminá-la e, por fim, da decisão
de, em seguida, trabalhar duramente para conquistar essa desafiadora
transformação social.
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Nada obstante o simbolismo trazido pela vigente Lei
Republicana, é inconteste a presença de lobbies políticos e ideológicos em sua
gênese. A intenção de alguns parlamentares, narra a história, era cravar suas
ideias para conquistar o prestígio de seu grupo de eleitores”. (BARONOVSKY,
2015). O nível de detalhamento da Constituição brasileira é de tal ordem que,
independente da discussão jurídica, surpreende seu art. 242. ⸹ 2º onde se lê:
“O Colégio Pedro II, localizado na cidade do Rio de Janeiro, será mantido na
órbita federal”. (NA)
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