Por: Vivaldo Antonio Fernandes Russo & Ettore Bresciani Filho
O Brasil é dito um país em desenvolvimento. Cabem, então, três perguntas. O que é um país desenvolvido? Por que até hoje, decorridos mais de 500 anos desde seu descobrimento, o Brasil ainda não é um país desenvolvido? Quando seria possível o Brasil se tornar um país desenvolvido?
País desenvolvido é aquele que permite que sua população ou a maior parte dela tenha uma vida decente, isto é, tenha um emprego digno com salário justo, segurança antes e depois da aposentadoria, tenha acesso à educação, saúde, justiça e moradia, tudo com qualidade, para si e para os filhos, além de expectativa de vida acima dos 75 anos. A parcela pobre da população é pequena e a miserável é nula. Trata-se, portanto, de uma vida de renda média.
Há quem considere que o conceito de vida decente é outro. Mas, o conceito acima é aceito hoje, praticamente, por todos os países, e teve sua origem em um processo histórico ocorrido na Inglaterra nos anos dos 1700 conhecido como Revolução Industrial. A Revolução Industrial se caracteriza pela aplicação sistemática da tecnologia principalmente na produção de bens e no aumento constante da sua produtividade.
Três economistas, D. Acemoglu, S. Johnson e J.A. Robinson, receberam o Prêmio Nobel de Economia de 2024 por encontrar um padrão no surgimento das causas que levam um país ao desenvolvimento. Interessante observar que muitos especialistas defendem outros padrões como aqueles decorrentes da geografia, cultura, conhecimento dos governantes etc. Mas, nenhum deles resiste a estudo de causa e efeito mais detalhado ou, em outras palavras, eles simplesmente não funcionam.
O padrão percebido pelos laureados com o Nobel se fundamenta nas instituições econômicas e políticas. Exemplos de instituições econômicas são os bancos, fundos de pensão, cooperativas, seguradoras etc. Exemplos de instituições políticas são a Constituição, o Congresso Nacional, o Supremo Tribunal Federal, os Partidos Políticos etc. As instituições políticas são mais importantes porque elas garantem a existência das instituições econômicas.
As denominadas instituições econômicas inclusivas permitem e estimulam a participação em atividades econômicas não somente da elite, mas também de ampla maioria da sociedade por meio do direito de propriedade privada seguro e de sistema jurídico imparcial. As instituições econômicas contrárias às inclusivas são denominadas instituições econômicas extrativistas, uma vez que são concebidas para extrair renda e riqueza de uma parte da sociedade para beneficiar outra.
As instituições políticas definem como o governo é escolhido e qual parte dele tem o direito de fazer o que. Se a distribuição de poder é limitada e irrestrita, as instituições políticas são absolutistas como na monarquia. Ao contrário, instituições políticas que distribuem o poder amplamente e se sujeitam a restrições são plurais.
As instituições políticas centralizada e plurais são conhecidas como instituições políticas inclusivas. Quando uma das condições – centralização e pluralidade – deixa de existir, tem-se as instituições políticas extrativistas.
Assim o padrão de desenvolvimento do país proposto pelos economistas citados acima é constituído por um conjunto de instituições econômicas inclusivas suportadas por instituições políticas plurais mantidas por um Estado suficientemente centralizado e poderoso.
O Brasil foi colonizado por Portugal, mas os portugueses não estavam interessados em trabalhar o solo por conta própria, queriam que outros fizessem isso em seu lugar, e queriam riquezas, ouro e prata, para saquear. Em 1822, o Brasil obteve sua independência, mas seu regime de governo foi a Monarquia e suas instituições econômicas se basearam na Escravidão. Em 1888 os escravos foram libertados pela Lei Aurea e no ano seguinte houve o fim da Monarquia em função da Proclamação da República. Nesse momento, o país tinha em torno de 12 milhões de habitantes dos quais 80 porcento eram analfabetos e um milhão eram escravos alforriados. Desde então o país sofreu vários golpes e tentativas de golpes de Estado. Hoje, apesar da Constituição declarar que todos são iguais perante a Lei, uma das manifestações criticadas e óbvias da desigualdade resulta do foro privilegiado. Quem desfruta do privilégio – e são muitos – se beneficia de prerrogativas inacessíveis aos cidadãos comuns. O sistema partidário com 29 partidos, a maioria sem representatividade, leva a uma série de conchavos políticos para benefício próprio. Parte das emendas orçamentárias não é transparente. Boa parcela da elite usufrui do setor rentista da economia. Esse quadro mostra claramente que não é possível dizer que o Brasil tem instituições políticas inclusivas.
Como consequência, as instituições econômicas são extrativistas. O aumento constante da produtividade é um elemento importante do processo de desenvolvimento. Ele permite que a renda per capita aumente e evite que o crescimento da população a condene à renda de subsistência para sempre como previa o economista T. R. Malthus no início do século XIX. Entretanto, como será discutido a seguir, o Brasil está preso na armadilha da renda média. A educação é de baixa qualidade e a desigualdade de renda é uma das maiores do mundo.
Respondidas as duas primeiras questões formuladas no início desse artigo, resta abordar a terceira.
O termo armadilha da renda média foi cunhado pelos economistas do Banco Mundial H. Kharas e I. Gill para classificar países que saíram da pobreza e lutam para atingir a condição de país desenvolvido. Todavia, por uma série de razões, esses países têm grandes obstáculos a superar o que torna o objetivo extremamente difícil para ser alcançado. Em 2024 o Banco Mundial publicou o Relatório de Desenvolvimento Mundial inteiramente dedicado a esse tema.
Conforme o relatório, uma país de renda média para atingir o status de país de renda alta – país desenvolvido – deve estabelecer um plano formado por três etapas distintas assim resumidas: 1) acelerar investimentos em tecnologia; 2) posteriormente, adicionar à etapa 1 o processo de transferência de tecnologia do exterior e difundi-lo internamente no país, processo esse denominado infusão, com o objetivo de transformar grande parte da indústria doméstica em fornecedores globais de bens e serviços; 3) investir na inovação começando agora não apenas buscar ideias das fronteiras globais da tecnologia, mas também ampliar essas fronteiras e tornando-se também em fornecedor externo de novas tecnologias.
Uma das dificuldade para executar esse plano reside no fato de que o país não pode saltar etapas de uma só vez. Outra dificuldade ocorre porque as etapas 1, 2 e 3 não são suaves e nem lineares. Elas exigem uma combinação de alterações econômicas, sociais e políticas dando origem a tres forças que atuam ao longo dessa transformação: a) criação, o principal protagonista do crescimento econômico, é uma força fraca em muitos países de renda média; b) preservação, a arqui-antagonista da criação, é a força mais poderosa nos países de renda média, sendo que as empresas estabelecidas e as elites conseguem muitas vezes manter as coisas como estão para não perder riqueza e poder; c) destruição, um mal necessário que abre caminho para a criação, uma força mantida fraca nos países de renda média pela oposição daqueles que têm poder de mercado ou influência governamental.
Quem forneceu um alternativa para enfrentar essas forças foi o economista J. Schumpeter em seu tratado de 1942, Capitalismo, Socialismo e Democracia focando o fenômeno da destruição criativa. Sua proposta para equilibrar tais forças se resume em disciplinar os defensores da preservação, premiar as atividades de mérito que tem efeitos positivos no bem-estar geral fortalecendo as forças de criação e capitalizar nas crises para ajudar na destruição de políticas e instituições obsoletas que são difíceis de desalojar durante tempos de expansão.
Além disso, o relatório alerta: “Desde os anos de 1970, a renda per capita de um país de renda média na mediana situa-se abaixo de um décimo do nível da renda per capita dos Estados Unidos. As crescentes complexidades geopolíticas, demográficas e ambientais tornarão o crescimento econômico cada vez mais difícil de ser conduzido. … Estimativas usando o Modelo de Crescimento de Longo Prazo do Banco Mundial, o qual é baseado no célebre modelo de crescimento Solow-Swan, sugere que … países como o Brasil e o México estejam provavelmente ainda mais atrás dos Estados Unidos em 2100 do que estão hoje.” (p. 2-4)
Mas, nem todos os especialistas no assunto concordam com essa visão tão sombria. É bem verdade que numa época passada não muito distante, existia uma receita bem conhecida para atingir o status de país de alta renda. O ideal era implantar processo de produção em massa de bens materiais, mas o Brasil praticamente iniciou tal processo com atraso, em meados do século XX. Logo este modelo de desenvolvimento se esgotou diante da era digital – Era 4.0 – e da globalização e desta forma surge a necessidade de se criar um modelo de desenvolvimento inteiramente novo baseado na economia do conhecimento. De uma certa maneira isso coloca os países numa mesma situação na procura por um novo modelo de desenvolvimento.
Em entrevista para o jornalista Reinaldo Azevedo e o jurista Walfrido Warde pelo videocast Reconversa, o filósofo e jurista R. Mangabeira Unger comenta sobre uma alternativa para o desenvolvimento do Brasil. Resumidamente, o que ele propõe é empoderar a sociedade brasileira de condições que a permitam construir um novo processo de desenvolvimento, tomando como base a economia do conhecimento, e que lhe traga maior riqueza e bem-estar. Para tanto é necessário incentivar os programas experimentais. É preciso até mesmo alterar a legislação para que certos experimentos possam ser realizados somente em alguns estados da Federação, isto é, aumentar a independência dos estados.
Finalizando, apesar dos enormes desafios apontados para se chegar à condição de país desenvolvido, há algo que, nesse momento, é mais preocupante. Infelizmente, o Brasil não tem planos e nem objetivos claros para se tornar país de alta renda. O país não tem agenda para o desenvolvimento.
Por outro lado, os ganhadores do Prêmio Nobel de Economia 2024 afirmam que instituições políticas e econômicas extrativistas geram estagnação e pobreza. Elas podem até experimentar crescimento econômico, porém em um ponto futuro o crescimento estanca, principalmente por falta de inovação, e uma crise se instala como aconteceu com a União Soviética.
Portanto, antes que isso aconteça com o Brasil, é preciso que as elites se unam para encontrar, juntamente com os líderes de governo, meios de instalar no país as instituições políticas e econômicas inclusivas.
Os tópicos tratados nesse artigo são frutos de estudos sobre inclusão social com qualidade realizados pelos autores e que foram publicados em relatórios técnicos, artigos e livro pela Academia Brasileira da Qualidade.
Sugestões adicionais de leitura:
ACEMOGLU, D.; ROBINSON, J. A., Por que as nações fracassam? As origens do poder, da prosperidade e da pobreza. Rio de Janeiro: Edição digital, Editora Intrínseca LTDA, 2022
WORD DEVELOPMENT REPORT: The Middle-Income Trap. Washington (D.C.): World Bank Group, 2024.