COVID 19 – desatinos, desencontros e vaidades: Tempo de crise é tempo de Gestão!

Jairo Martins

 

Desde o surgimento do gênero Homo, há 2,5 milhões de anos, a espécie humana tem protagonizado diversas transformações de diferentes teores, formas e comportamentos. Não há como negar, e como também era de se esperar, que o Século XXI tem nos surpreendido descomunalmente. Especificamente após a crise econômica mundial deflagrada em 2008, os cenários têm se caracterizado pela volatilidade, imprevisibilidade e incontrolabilidade de diversos fatores, sejam eles naturais, sociais, econômicos, biológicos e mesmos tecnológicos.

O surto da COVID-19, apesar de catástrofes similares experimentadas mesmo em passado recente, nos pega de surpresa, nos deixando desorientados e desesperados, sem saber o que fazer. Por que não fomos capazes de aprender com os acertos, erros e omissões do passado e de desenvolver e colocar em prática ações preventivas e corretivas de forma mais estruturada, ao invés de ficarmos dando cabeçadas para todo lado?

A grande verdade é que estamos sem GESTÃO.  Apesar de os fundamentos e as ferramentas de gestão estarem disponíveis para tudo e para todos, não fomos capazes de incorporá-los ao nosso dia a dia para nos precavermos e solucionar os problemas.  A falta de gestão, visivelmente no caso da COVID-19, tem induzido muitos países a atropelar tudo e todos, contrariando as orientações da OMS – Organização Mundial da Saúde e ignorando a convulsão social que chegará pelo desemprego e pela fome, querendo misturar política com ciência e estatística com sentimento, movidos por um misto de vaidades e incompetências, sem um mínimo de respeito pela vida. Boa gestão é problema e obrigação das lideranças governamentais e empresariais dos países SIM!

Ora, no final da década de 80, o mundo iniciava um processo de globalização da economia. Como competir e sobreviver com produtos e serviços de baixa qualidade nessa aldeia global? No Brasil chegou-se a dizer: como podemos exportar estas carroças que produzimos aqui? Referindo-se aos carros aqui fabricados. Alguns países encararam como oportunidade, outros como ameaça. Era evidente que o ponto crítico era QUALIDADE dos produtos e serviços, diferentemente da demanda atua, que é vida e sobrevivência. Países mais estruturados, com visão sistêmica e de longo prazo, compreenderam os desafios que estavam por vir e criaram programas, não apenas visando a QUALIDADE dos produtos e serviços, mas a QUALIDADE TOTAL, antecipando-se às exigências futuras. Na sequência, os países e regiões de vanguarda, como Estados Unidos, Europa, Japão, Austrália e México começaram a desenvolver os seus MODELOS DE EXCELÊNCIA DA GESTÃO, focando na EXCELÊNCIA ORGANIZACIONAL, encarada de forma holística, responsável e consequente.

No Brasil, observando-se o que poderia acontecer em nível mundial, lideranças políticas e da iniciativa privada reagiram, uniram esforços e criaram o PBQP – Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade. Onde estão os líderes de hoje? O objetivo era mobilizar o País para que os produtos e serviços pudessem competir globalmente. É interessante observar que o foco era a QUALIDADE DO BRASIL, sem vieses individuais e protecionismos setoriais. O grande desafio era “VENDER O BRASIL”, o que produzíamos, para o mundo. Assim, o PBQP, capitaneado pelas lideranças públicas e privadas da época, unidas por um propósito comum, foi disseminado em todo o território nacional. A execução técnica ficou a cargo da FPNQ – Fundação para o Prêmio Nacional da Qualidade, criada em 1991, logo depois denominada FNQ – Fundação Nacional da Qualidade. À medida que o PBQP era implantado, experiências e aprendizados foram sendo reunidos, e em 1994 o Brasil definia e publicava o seu MODELO DE EXCELÊNCIA DA GESTÃO – o MEG, publicado pela FNQ. Não foi por acaso que a década de 90 foi caracterizada por eventos significativos para o desenvolvimento do País: Plano Real, controle da inflação, estabilização da economia, desburocratização, privatização das telecomunicações, melhorias no sistema educacional, reforma do estado, crescimento da indústria, criação do SUS – Sistema Único de Saúde e redução do Custo Brasil, entre outros.

Acompanhando e se antecipando às mutações dos cenários, o MEG hoje está na 21ª edição, totalmente aderente à era atual, caracterizada pelos efeitos da evolução tecnológica, que impõe mudanças exponenciais e quebra paradigmas nos padrões de se trabalhar, viver, consumir, conviver, estudar e se comunicar. O MEG 21, assim batizado, coincidentemente com o novo Século XXI, está estruturado em 8 Fundamentos da Excelência, em aderência total às práticas e tendências internacionais da gestão. São eles: Liderança Transformadora, Pensamento Sistêmico, Compromisso com as Partes Interessadas, Orientação por Processos, Adaptabilidade, Aprendizado Organizacional e Inovação e, por fim, Geração de Valor.

As perguntas cabíveis, à luz do que está se vivenciando, são: Por que todo esse arsenal de conhecimento e experiências foi esquecido? Por que deixamos de utilizar os Fundamentos da Excelência para fazer a Gestão da Pandemia COVID-19 e obter o resultado satisfatório a todos? Como seria possível usar o MEG para melhorar a gestão desta crise?

Então vejamos, pois é possível sim aplicar os 8 Fundamentos da Excelência para combater a COVID-19:

 

1. Liderança Transformadora.

Pela criticidade do momento, pois trata-se de vidas e vulnerabilidades, é preciso que todo o processo seja conduzido pessoalmente por LÍDERES verdadeiros, do governo e da sociedade privada, que tomem a frente, atuem de forma ética, firme, inspiradora e exemplar, com serenidade, desprovidos de vaidades e sem terceiras intenções e ganâncias oportunistas. É imprescindível que estejam preparados e bem informados, que compreendam os cenários, mobilizem colaboradores e orientem as pessoas com firmeza, equilíbrio e sem divergências conceituais, que só confundem.

Líderes Transformadores têm a capacidade de ouvir, analisar, refletir e ponderar, evitando que posturas políticas, ideologias e preconceitos se sobreponham à razão, que deve ser norteada pelo conhecimento científico. Quando a responsabilidade das lideranças pesa mais do que projetos pessoais, a sociedade sempre ganha.

Em épocas de crise, muitos se acham no dever de apontar receitas que, infelizmente, não são nada obvias e factíveis. Até pela fragilidade das pessoas, quando se trata da vida e fome, não se deve passar orientações confusas, dúbias e sem base teórica ou científica. No caso em pauta, a COVID-19, é preciso acalmar a população e ditar medidas sensatas. É possível sim conciliar isolamento social e economia – perdas são inevitáveis, porém com bom-senso podem ser minimizadas. Ações econômicas e de saúde precisam ser coordenadas, pois são interdependentes, exigindo, portanto, conhecimento, caráter, debates, alinhamentos e cooperação, uma vez que têm implicações éticas, sociais e econômicas.

O fato é que crises como esta têm o poder de nos transformar. Enquanto políticos se atracam em defesa dos seus próprios interesses, muitas empresas de grande, médio, pequeno e micro portes, assim como cidadãos das mais diversas classes sociais, voluntariamente, fazem doações em valores, produtos e serviços, principalmente no ramo da saúde, para as classes vulneráveis, resgatando a tão esquecida solidariedade e exercendo o legítimo papel de Líderes.

Enfim, para lidar com situações ou crises complexas, principalmente quando há vidas envolvidas, uma LIDERANÇA TRANSFORMADORA é imperativo, o que justifica ser este o 1º Fundamento da Excelência.

 

2. Compromisso com as Partes Interessadas.

Entende-se por Parte Interessada qualquer pessoa ou entidade que afeta ou é afetada pelas atividades de uma organização, iniciativa ou empreendimento.

Os anseios, angústias e fragilidades de todas as PARTES INTERESSADAS, principalmente em épocas de inseguranças, devem ser compreendidos e considerados para o estabelecimento de narrativas, estratégias e procedimentos, de forma a acalmá-las com medidas sensatas, protegendo-as de possíveis distúrbios psicológicos.

Especialmente em situações críticas, quando ainda não há respostas para tudo, é condição sine qua non que as ações das Lideranças sejam refletidas e formalizadas com segurança, firmeza, sensatez e objetividade.

Não há como negar que o controle do vírus é prioritário, pois quanto mais rápido for controlado, mais rápido as atividades econômicas poderão ser retomadas. Por outro lado, o desemprego gera fome e violência, que são inimigas da ordem social.

Em suma, é extremamente necessário assumir claramente o COMPROMISSO COM AS PARTES INTERESSADAS, dando orientações claras para minimizar as angústias.

 

3. Pensamento Sistêmico.

Em tempos de crise, com tanta fragilidade, inseguranças e pensamentos negativos, é imprescindível que as Lideranças tenham uma perfeita compreensão das relações de interdependência, avaliando os efeitos e as consequências das medidas ou ações, de forma sistêmica, não isolada, demonstrando coerência, neutralidade, coordenação e alinhamento entre União, Estados, Municípios, Entidades, Instituições e Lideranças.

É importante compreender que tudo é uma relação de causa e efeito. Fracasso é quando há uma precipitação desestruturada de causas e efeitos. Sucesso é quando há harmonia entre causas e efeitos. A má qualidade da GESTÃO é a maior barreira para o sucesso de qualquer empreendimento.

É importante que a comunicação seja transparente, porém ponderada, sem fantasias, alardes, descontroles e intenções escusas e eleitoreiras, pois em momentos de descontinuidades a sensatez e o PENSAMENTO SISTÊMICO são imprescindíveis.

 

4. Desenvolvimento Sustentável.

É responsabilidade das Instituições e Lideranças responderem pelos impactos das suas decisões e ações na sociedade, principalmente com relação aos aspectos sociais, ambientais, econômicos e éticos, que devem ser considerados de forma equilibrada.

Principalmente em tempos de escassez, o uso dos recursos econômicos, físicos, materiais, logísticos e humanos devem ser feitos com responsabilidade, sem desperdício, tendo sempre o foco no bem-estar da população, nesse caso, no curto prazo, devido à urgência, implantando medidas sensatas, com bases científicas, técnicas e lógicas, sem perder o olhar para o futuro, para que o DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL possa ser assegurado após a crise.

 

5.Orientação por Processos.

Qualquer organização, instituição ou empreendimento é um conjunto de processos, na maioria interligados e interdependentes, que precisam ser orquestrados e monitorados para que os objetivos sejam alcançados.

Cada processo deve ser estruturado, conduzido por pessoas capacitadas e gerenciado para que a sua função seja exercida com eficácia e eficiência, utilizando os recursos de forma responsável e transparente.

É responsabilidade da Liderança, principalmente em tempos de crises, identificar os processos prioritários, analisar e eliminar os gargalos, usando a tecnologia adequada e necessária, pois, iniciativas que têm uma clara ORIENTAÇÃO POR PROCESSOS são capazes de garantir que atividade sejam executadas com qualidade e agilidade.

Processos bem estruturados facilitam a coleta de dados e a obtenção de informações e, consequentemente, as suas análises, facilitando a simplificação, a tomada de decisões, a criatividade e a inovação.

 

6. Adaptabilidade.

Diante de cenários e situações, cada vez mais imprevisíveis e acelerados, os processos precisam ser flexíveis, devendo as Lideranças terem o preparo e o discernimento para redesenhá-los e mudá-los em tempo hábil, analisando os fatos, as interdependências entre os processos, as novas demandas e as alterações no contexto, transmitindo segurança a todas as Partes Interessadas.

A realidade muda mais rápido do que a nossa capacidade de inovação e adaptação. É imprescindível monitorar os processos, analisar as saídas e executar os devidos redirecionamentos. Vão se sair melhor quem se adaptar aos novos tempos e tirar lições da crise.

A imposição de limites estimula a criação de novos hábitos, provocando o senso de ADAPTABILIDADE. Como exemplo, real e atual, muitas empresas, de micro a grande porte, de forma solidária e colaborativa, estão adaptando as suas linhas de produção e serviços para atender às demandas hospitalares e da população. Da mesma forma cidadãs e cidadãos estão praticando, como podem, ações solidárias para com as comunidades mais carentes e com os idosos.

Não há dúvidas de que a Pandemia COVID-19 antecipou práticas e comportamentos que levariam anos para ganhar escalas em áreas como trabalho, educação, saúde, lazer e alimentação –  um novo jeito de ser e viver. Embora as perdas estejam sendo enormes, tanto na saúde quanto na economia, uma coisa é certa: todos nós sairemos diferentes dessa crise, incorporando alguns dos novos hábitos inovadores e exercitando a capacidade de adaptação, com mente aberta para compreender as novas necessidades e agir. É uma questão de saber, entender e querer.

 

7. Aprendizado Organizacional e Inovação.

Para atender às novas necessidades das Partes Interessadas e alcançar novos patamares de competência, uma organização, instituição e empreendimento precisa aprender com as experiências e inovar. É atribuição da Liderança criar um ambiente favorável à troca de vivências e à criatividade, além de ter a humildade necessária para reconhecer e aprender com os erros, lições e experiências anteriores e dos outros. É preciso que a Liderança esteja aberta à experimentação e à implementação de novas ideias, capazes de melhorar os processos e gerar ganhos reais para as Partes Interessadas.

No caso do surto da COVID-19, tem havido muitas oportunidades de aprender com aqueles que o vivenciaram primeiro, evitando cometer os mesmos erros e adotando medidas e ações que deram certo. Exemplos como o da China, Hong-Kong, Coreia do Sul, Singapura e Alemanha precisam ser analisados e copiados, sem vaidades, pois trata-se de salvar vidas. Ao passo que experiências com as da Itália, Espanha, Reino Unido, França e Estados Unidos requerem atenção e análises para mitigar os erros e evitar os mesmos desdobramentos. APRENDIZADO ORGANIZACIONAL E INOVAÇÃO é a base do desenvolvimento e da evolução saudável.

Mais importante do que tudo o que passaremos, é como passaremos por tudo.

 

8. Geração de Valor.

A existência de qualquer empreendimento, organização ou instituição, seja pública ou privada, só se justifica se for capaz de gerar valor para a sociedade.

Entende-se por GERAÇÃO DE VALOR o cumprimento do propósito de cada iniciativa, para que alcance resultados sociais, econômicos e ambientais, com ética e sustentabilidade, em níveis de excelência tais que atendam às necessidades e expectativas da sociedade e de todas as Partes Interessadas.

Cada vez mais as empresas estão se conscientizando de que é preciso haver simbiose entre elas e a sociedade – empresas não existem apenas para dar retorno aos seus acionistas, e sim para gerar valor para toda a sociedade, pois sem a sociedade não existe empresa.

Hoje, em um mundo globalizado, ficou muito claro, como aprendizado da crise econômica de 2008, que tudo está interligado, e agora, o Novo Corona Vírus nos dá mais uma chance de aprender. Assim, são necessários entendimento, coerência, alinhamento e ações coordenadas e robustas em nível de planeta – decisões e ações isoladas são efêmeras e já não funcionam.

Nesse quesito temos que melhorar muito, pois ficou visível que, por falta de Liderança e diálogo, os riscos da pandemia foram menosprezados no início. Líderes máximos de alguns países ainda se dão ao luxo de entenderem da forma que bem querem, apegados apenas às suas pretensões políticas. Os governos e as Lideranças privadas demoraram muito a se unir e reagir, para planejar, desenhar e implantar soluções, tanto do lado da saúde quanto da economia.

A pergunta: Que valores estão sendo gerados com estas atitudes irresponsáveis?

Como apresentado acima, procurou-se mostrar, de forma clara e direta, que em qualquer situação é possível obter resultados sustentáveis por meio da boa gestão, cujos fundamentos aí estão, disponíveis para o uso, é apenas uma questão de querer e fazer, mesmo em situações críticas, como é o caso desta pandemia globalizada da COVID-19.

É papel e obrigação SIM das Lideranças Públicas e Privadas assumirem o comando, saírem do anonimato, desprovidas de vaidades e de intenções políticas e marqueteiras, trocarem as suas máscaras e partirem para a luta, arregaçando as mangas e arcando com parte dos serviços e das despesas que certamente aparecerão. Sem estas atitudes de execução ponderada e alinhada não vamos sair tão cedo desta situação.

A frase de Aristóteles (384 a.C. – 322 a.C.) resume muito bem o que foi dito acima e o que realmente é preciso fazer: “A excelência nunca é um acidente. É sempre o resultado de forte intenção, esforço sincero e execução inteligente. Representa a opção mais sábia entre muitas alternativas. A escolha, e não o acaso, determina o seu destino”.

 

TEMPO DE CRISE É, PORTANTO, TEMPO DE GESTÃO!

 

Jairo Martins é Engenheiro de Eletrônica pelo ITA – Instituto Tecnológico de Aeronáutica. Trabalhou na Siemens, no Brasil e na Alemanha. É membro da ABQ – Academia Brasileira da Qualidade e foi Presidente Executivo da FNQ – Fundação Nacional da Qualidade. Atualmente é Vice-presidente da FCMF – Fundação Casimiro Montenegro Filho, Fundação de Apoio ao ITA.

Este artigo expressa a opinião dos Autores e não de suas organizações.

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