Roberto Rodrigues
Vivemos um momento de grande incerteza no Brasil de hoje. A demora na solução das crises política e econômica, especialmente o trágico desemprego, deixam a população num “baixo astral” que inibe investimentos e realimenta a crise. Com isso não existe um projeto para o país, e seguimos sem rumo. Só nos falta perder a esperança, e isto jamais pode acontecer. O orgulho nacional está ferido, e ninguém mais aguenta o noticiário de corrupção e de incompetência que se renova a cada dia, sem falar num cenário global cheio de guerras, imigrações desesperadas, fome e miséria. Como sair desse círculo vicioso?
Muitos países organizaram programas de desenvolvimento a partir de uma determinada prioridade afinada com suas vocações naturais ou comportamento histórico de seu povo. Assim, há aqueles que fazem do turismo sua fonte de renda mais notável; outros têm na culinária uma atração internacional; ou em esportes específicos, como as competições de inverno; alguns fazem de nichos de tecnologia a excelência que atrai pesquisadores e investidores e assim por diante. A Índia, por exemplo, é um centro mundial de TI. A China montou uma plataforma exportadora e hoje é um gigante no comércio mundial de produtos industrializados. A Coreia investiu em eletroeletrônicos.
Não será o caso de o Brasil escolher uma aptidão reconhecida como base de um projeto nacional de desenvolvimento que favoreça todos os cidadãos do país? E não é a segurança alimentar mundial este setor em que já temos vantagens comparativas e competitivas reconhecidas? Afinal, até a OCDE admite que para garantir a alimentação global equilibrada em 10 anos, o mundo precisa aumentar a oferta de alimentos em 20% e, para isso ser alcançado, o aumento da produção brasileira de comida tem que crescer o dobro, 40%, no período. E já demos sucessivas provas de nossa capacidade nesse segmento, com uma agropecuária sustentável que empurra o aumento do PIB nacional, garante o saldo comercial e emprega mais de um quarto dos trabalhadores formais. Aliás, nosso povo já reconhece facilmente a importância deste setor. Mas ainda não se sente parte dele. Com um projeto com base na garantia de alimentar o mundo, todos os cidadãos podem se empolgar numa tarefa hercúlea.
E tem mais: com essa plataforma o Brasil acabaria aclamado como o campeão mundial da paz, visto que não existe paz onde houver fome!
Como implementar uma plataforma assim, que interesse a todos os brasileiros e os motive a um ciclo coletivo de desenvolvimento?
1- Em primeiro lugar, garantia de abastecimento interno de qualidade e a preços condizentes com a renda per capita nacional. O caminho para tal é investir em tecnologia. Para que isso fique claro: o aumento da produtividade agrícola brasileira nos últimos 30 anos permitiu a redução do valor da cesta básica, de modo que as famílias de mais baixa renda dispendem menos com alimentação, sobrando recursos para outros gastos. E ainda há muito o que fazer neste setor, com um vigoroso programa de inovação. Nossas faculdades e institutos técnicos de ciências agrárias, de engenharia terão que formar gente qualificada para isso. Mas isso não apenas nas ciências agrárias: inovação também na siderurgia para produzir aço adequado a uma indústria poderosa de máquinas e implementos agrícolas, como tratores, cultivadores, colhedeiras, aparelhos para irrigação e para tratos culturais, assim como caminhões, vagões, locomotivas, trilhos e silos. A produção de insumos básicos estará acoplada a esse item tecnológico: virão investimentos em novas fórmulas de fertilizantes (como os organominerais), defensivos e sementes, com inovação nos mecanismos de aplicação destes “inputs”, sempre de olho no tema central da sustentabilidade. Haverá desburocratização nos registros de novas moléculas, atraindo recursos relevantes para a indústria de insumos e de equipamentos, sem falar nas redes de distribuição. E todos estes movimentos serão urbanos, de modo a envolver no projeto cidadãos que nada tem a ver com a atividade rural. Afinal, mais da metade da população brasileira já vive em cidades com menos de 150 mil habitantes, muito ligadas ao campo.
2- Far-se-á uma ampla negociação comercial que abra novos mercados, consolide os já existentes e, sobretudo, que permita a agregação de valor: não queremos exportar milho ou soja em grão, mas frangos, suínos, bovinos e derivados de leite com os grãos já embutidos nestas proteínas animais. Isso implica em redução da escalada e dos picos tarifários. Tal programa dará enorme impulso à indústria de alimentos, bem como à de embalagem, gerando empregos urbanos qualificados. Serão criadas tradings especializadas em produtos e/ou em blocos regionais de países, com ampla demanda por mão de obra treinada nisso. Neste tópico é essencial aperfeiçoar os mecanismos de defesa sanitária para impedir desastres como foi o episódio da Carne Fraca.
3- Como consequência natural dos dois primeiros itens, será fundamental uma poderosa infraestrutura e logística, com investimentos maciços em rodovias, ferrovias, hidrovias e portos, dentro de um programa integrado de intermodalidade. Recursos de fora virão para parcerias público/privadas, permitindo a formação de muitas empresas construtoras médias em todo o país, gerando milhares de empregos duradouros. E toda essa logística será priorizada com base nas rotas de entrada de insumos e saída de produtos, em volumes, conforme estudos já prontos na Embrapa. A engenharia civil terá um terreno maravilhoso para se desenvolver por décadas, inclusive na montagem de uma rede de armazéns e silos estrategicamente localizados.
4- Haverá estabilização da atividade agropecuária com políticas de renda, como fazem os países desenvolvidos, sob o conceito de que só com isso se garante o abastecimento de consumidores em geral. Nesse caso uma estreita ligação entre preços de garantia, crédito e seguro, tudo acoplado a tecnologia recomendada via extensão rural atrairá investidores em cada uma dessas áreas: bancos, seguradoras, empresas privadas de assistência técnica, organizações comerciais nas áreas rurais e urbanas, em uma forte onda de inovação. Campo e cidade já iniciaram a integração digital, demandando uma nova revolução do Campo 4.0 O turismo rural terá grande avanço, como já acontece em muitos países desenvolvidos, gerando renda no campo e na cidade com a criação de empresas especializadas.
5- Caberá ao setor privado fazer uma revolução na área organizacional, ampliando o papel das cooperativas de forma a agregar valor à produção do campo e a acessar mercados. Estas organizações, com gestão profissionalizada, trarão empregos urbanos diferenciados no setor administrativo. Um segmento promissor é o das cooperativas de crédito, bancos pequenos de propriedade dos mutuários do interior, nem sempre atendidos pelos bancos comerciais, montando uma complementação poderosa dos serviços financeiros essenciais. E este será o melhor caminho para preservar e promover a agricultura familiar, essencial para o tecido social no campo, e que só encontra escala associativamente, ou através de modelos de integração já vigentes. As cadeias produtivas funcionarão de fato, e não apenas no nível conceitual.
Ainda na área privada, as Bolsas terão papel central na comercialização de produtos agrícolas, seja implementando o mercado futuro, seja dinamizando o uso dos novos papéis já existentes, como a LCA, o CRA e o CDCA. Modernos instrumentos de marketing e comunicação terão que ser estabelecidos, criando o espaço para o surgimento de produtos com a marca Brasil e/ou com certificados de origem, como o queijo de Minas ou café do cerrado. Haja trabalho para especialistas em comunicação!
6- Uma revolução gerencial será implementada em todas as fazendas e empresas do agro, com gestão comercial, financeira, fiscal e tributária, de recursos humanos, controle de custos e de estoques, gestão de risco e ambiental, entre outros. Tudo isso exigirá a formação maciça de gente treinada nessa especialidade. Neste capítulo há um eixo muito complexo: a redução do desperdício e das perdas, desde a colheita até o lixo das cozinhas.
Naturalmente, estas ações que envolverão cidadãos de praticamente todas as atividades ligadas a serviços e indústrias do país, terão que levar em consideração o tema da sustentabilidade em suas três vertentes, a econômica, a social e a ambiental, de forma a que, com certificação e rastreabilidade, os alimentos aqui produzidos tenham ampla aceitação global, considerados os temas cruciais da conservação da água e preservação dos recursos naturais. Sustentabilidade não é modismo, é a base da moderna competitividade. A FAO e o OMC acabam de lançar um programa global definindo a qualidade dos alimentos e considerando este fator.
7- Por fim, o Congresso será chamado a participar dessa Plataforma Brasileira de Alimentos para Todos, empenhando-se na modernização dos instrumentos legais que tratem da temática, reduzindo o fatídico Custo Brasil. Com isso, não haverá um único cidadão brasileiro que não esteja direta ou indiretamente ligado à plataforma: gente do executivo e do legislativo nos três níveis – municipal, estadual e federal – do judiciário e da sociedade civil, com ênfase para empresas urbanas e para a academia. E assim o Brasil estaria apto para comandar um projeto que interessa ao mundo todo, dentro do conceito crescente da economia verde.
Está passando da hora de termos todos uma proposta que nos proporcione um orgulho individual e nacional: por isso o “agora” do título deste artigo. E o Brasil é o único país que pode dar resposta rápida à demanda global por alimentos. Por isso o “aqui” do mesmo título. Com esse compromisso, todo cidadão, todos os brasileiros, serão partícipes da seleção campeã mundial da segurança alimentar! E da Paz!