Crise e oportunidades

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Maurício Roscoe

 

Mais uma vez, o Brasil passa por um momento de crise. A economia está freada e os recursos reais (pessoas, equipamentos, fábricas, terras férteis, minerais) estão ociosos ou subutilizados. Ao mesmo tempo, lidamos com uma infraestrutura precária (saturação de hospitais, portos, aeroportos, estradas, ferrovias) que contribui para o aumento do Custo Brasil e dificulta o desenvolvimento do país. Tendemos a colocar a culpa da crise e a responsabilidade da solução nas mãos do governo e dos economistas. Mas a realidade é que temos de buscar juntos (sociedade e governo) uma estratégia para reduzir o Custo Brasil, aumentar a eficiência da indústria nacional e otimizar o PIB.

A Teoria Econômica Clássica, muito baseada em Adam Smith, dizia que se cada pessoa e empresa cuidassem bem e exclusivamente dos próprios interesses, uma “mão invisível“ trataria de coordenar essas ações em benefício de toda a sociedade. Mas os fatos mostram que essa “mão invisível” não aceitou a tarefa que lhe foi delegada. Ao seguir os princípios do laissez-faire, os seres humanos tendem a ser guiados por seus instintos individuais e de grupo. Abusamos do poder e ignoramos princípios de justiça, de modo que o equilíbrio não é alcançado.

O grande desafio, então, é buscar soluções para que haja maior eficácia econômica e mais produtividade global e sistêmica (inclusive dos órgãos governamentais e da legislação). O caminho para o desenvolvimento sustentável é a união de esforços para a criação de uma sociedade mais orgânica, sinérgica e colaborativa, que busque o crescimento do mercado interno e boas parcerias internacionais, num jogo de ganha-ganha.

Tendemos a achar que a soma de todos os bens e recursos é algo estático. Acreditamos que para melhorar nossa condição é preciso competir e tirar bens e recursos dos outros. No entanto, os principais recursos reais não são estáticos, e podem se desenvolver e evoluir. Esses recursos somos nós, seres humanos, com nossa capacidade de inovar e de desenvolver novas tecnologias e percepções.

Fica cada vez mais claro que, com menos atritos, mais diálogo e melhor gestão, a economia pode crescer e muito! A tese de Adam Smith pode parecer mais agradável a quem já alcançou patamares elevados de bem-estar e poder, afinal o laissez-faire tende a fazer com que a riqueza se concentre. Em uma negociação, o mais forte tende a buscar o máximo de ganhos que puder. Com uma percepção mais esclarecida, observamos que contribuir para que o outro também ganhe, pode gerar um sistema mais colaborativo e inteligente, com melhor produtividade global.

A queda da Bolsa de Nova York, em outubro de 1929, marcou o início da grande recessão americana, que se propagou pelo mundo na década seguinte. Ao final de uma década de grande prosperidade econômica, as bolsas de valores americanas estavam com as ações supervalorizadas, devido ao crescimento da economia e à especulação financeira. As pessoas adiavam suas compras achando que a melhor aplicação para seu dinheiro era o mercado de ações. Com a queda na demanda, a indústria ficou ociosa, dispensou inúmeros trabalhadores e freou os investimentos. Esta crise sem precedentes quebrou um dos principais dogmas da Teoria Clássica, ao provar que poupança não era necessariamente igual a investimento.

Foi então que John Keynes afirmou que a Teoria Clássica era válida somente quando havia pleno emprego dos recursos reais. O economista britânico propôs que se fizessem maciças emissões de papel-moeda e que este dinheiro fosse injetado na economia, para a implementação de grandes projetos de infraestrutura.

Ao seguir essa proposta, o presidente Roosevelt salvou a economia americana. O projeto de recuperação do Vale do Tennessee, por exemplo, foi criado com o objetivo de minimizar problemas de navegação e enchentes, construir hidrelétricas e incentivar o desenvolvimento da agricultura e da indústria. Estes grandes investimentos quebraram o ciclo vicioso da recessão e impulsionaram a economia dos Estados Unidos.

Da mesma forma, a Europa do pós-guerra teve sua economia reativada com o Plano Marshall, programa americano que visava a reconstrução e recuperação dos países europeus. O empréstimo de US$ 13 bilhões (equivalentes a US$ 130 bilhões na moeda atual) foi financiado com emissões de moeda não lastreadas.

No Brasil, o governo Juscelino Kubitschek fez uma gestão altamente favorável ao desenvolvimento econômico, com crescimento do PIB per capita de 5% ao ano. Para realizar seu Plano de Metas, o governo JK fez emissões monetárias não baseadas em poupança prévia ou impostos. Isso provocou alguma inflação porque, apesar de haver desemprego de mão de obra não qualificada, havia pleno emprego da mão de obra qualificada. Mesmo com a inflação, o resultado final das medidas tomadas por JK foi amplamente favorável ao país.

Na crise de 2007-2008, os Estados Unidos também se valeram desse recurso. Aliás, sempre que necessário, o gigante americano tem se utilizado largamente do método keynesiano de emissões, creditícias ou monetárias, em detrimento do equilíbrio fiscal orçamentário.

Quando existe ociosidade de recursos reais, com importantes coisas a serem realizadas, não podemos ficar engessados em mecanismos contábeis que perpetuam esse paradoxo. O dinheiro é indispensável para facilitar as trocas e mobilizar recursos, mas fazemos as coisas é com os recursos reais. Estes é que precisam ser mobilizados e otimizados.

Para enfatizar essa verdade, imaginemos que houvesse uma decisão de se colonizar o planeta Marte. De nada adiantaria enviarmos para lá milhares de espaçonaves cheias de dólares ou euros. Para iniciar a colonização, precisaríamos apenas de recursos reais (pessoas, tecnologias, equipamentos). Somente em um segundo momento teria sentido introduzirmos o uso de moeda e créditos para facilitar e estimular as trocas.

Da mesma forma, aqui no Brasil, o foco da economia deve estar na melhor utilização dos recursos reais e otimização da produtividade global. Temos conhecimentos e recursos reais para reativar a economia brasileira. A disciplina orçamentária é importante para podermos realizar mais coisas, sem desperdícios. Mas, diante do pior dos desperdícios – o desemprego e ociosidade de outros recursos reais–, o governo deve fazer emissões de moeda para reativar as áreas estratégicas com poder multiplicador na economia.

A história, que costuma ser boa mestra, nos ensina que, em momentos de crise, essa emissão de dinheiro para aplicação em áreas estratégicas é necessária e deve ocorrer mesmo que não haja poupança prévia disponível. No entanto, a solução de nossos problemas não está somente nas mãos do governo. Se evoluirmos da nossa atual mentalidade competitiva para um modelo de efetiva colaboração, podemos ter um país mais rico e com melhor distribuição de renda

 

Maurício Roscoe foi presidente do Sinduscon (MG), da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), do Sindicato da Indústria da Construção Civil de Minas Gerais, da União Brasileira para a Qualidade (UBQ) e é membro da Academia Brasileira da Qualidade (ABQ). 

Este artigo expressa a opinião dos Autores e não de suas organizações.

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