Alguns aspectos do potencial de melhorias para o bem-estar do Brasil – Parte I: A realidade socioeconômica atual do Brasil[1]

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Vivaldo Antonio Fernandes Russo[2]

 

  1. Considerações iniciais

Em termos socioeconômicos o Brasil apresenta muitos pontos positivos, todavia existe grande potencial de melhorias para o bem-estar da população. Estudo tratando de alguns aspectos importantes desse potencial de melhorias foi dividido em duas partes. Esse relatório técnico se refere à primeira delas.

O objetivo aqui não é somente analisar a realidade brasileira sob a perspectiva de sua situação atual, mas também situá-la no contexto histórico e mundial.

  1. Países desenvolvidos

Diariamente se fala ou se lê sobre países desenvolvidos, entretanto, é provável que grande quantidade de pessoas ou não entende muito bem o que significa ser país desenvolvido ou tem diferentes ideias a respeito. Esse item tem como propósito esclarecer o assunto e avaliar se o Brasil pode ser considerado desenvolvido.

2.1. A origem dos países desenvolvidos

Durante milhares de anos a humanidade enfrentou três grandes desafios: fome, peste e guerra. Milhões de pessoas morreram de inanição, epidemias e violência. “Mas no alvorecer do terceiro milênio a humanidade chegou a uma incrível constatação. A maior parte das pessoas raramente pensa sobre isso, porém nas últimas poucas décadas demos um jeito de controlar a fome, as pestes e a guerra. É evidente que esses problemas não foram completamente resolvidos, no entanto foram transformados de forças incompreensíveis e incontroláveis da natureza em desafios que podem ser enfrentados” (HARARI, 2017). Para Deaton (2015), a Revolução Industrial iniciada na Inglaterra no século XVIII foi o ponto de partida para que isto ocorresse, fazendo com que, até hoje, centenas de milhões escapassem dessas privações. Todavia, a Revolução Industrial foi também responsável por ter deixado para trás grande parte dos habitantes do mundo, criando uma enorme desigualdade na sociedade global, cujo processo é conhecido por Grande Divergência e perdura até nossos dias (RUSSO & BRESCIANI, 2018).

[1] Relatório técnico, Academia Brasileira da Qualidade, São Paulo, maio de 2023
[2] Graduado em Engenharia Mecânica (FEM-UNICAMP); Diretor Presidente Aposentado da EATON – Hydraulics da América do Sul; Pós-Graduado em Engenharia Mecânica (FEM-UNICAMP); Professor de Curso de Extensão (FEM-UNICAMP); Membro do grupo CLE-DES do CLE-UNICAMP; Membro da ABQ.

 

2.2. O processo de desenvolvimento

Para Stiglitz (2020) o processo de desenvolvimento de uma nação engloba aumentos constantes da produtividade, com base, parcialmente, no investimento em instalações, equipamentos e, ainda mais importante, conhecimento e na manutenção da economia em níveis de pleno emprego.

O autor alerta que a previsão do economista Thomas Robert Malthus não aconteceu. Malthus acreditava que o crescimento da população manteria os salários ao nível de subsistência. Porém o processo de desenvolvimento permite que a renda per capita aumente. Além disso, a sociedade aprendeu a refrear o crescimento populacional e, em países desenvolvidos, cada vez mais as pessoas decidem limitar o tamanho das famílias, especialmente depois que os padrões de vida sobem.

Em outras palavras, Stiglitz (2020) considera que as verdadeiras fontes de riqueza de qualquer nação são a produtividade, a criatividade e a vitalidade do povo; os acentuados avanços científicos e tecnológicos; os avanços em economia, política e organização social que ocorrem simultaneamente, incluindo o estado de direito, mercados competitivos e regulados, instituições democráticas com freios e contrapesos.

Para ele um país desenvolvido deve garantir vida decente para toda população ou pelo menos para a grande maioria dela. No seu entendimento, numa vida decente – vida de classe média – as pessoas se importam com empregos que oferecem salários justos e um pouco de segurança antes e depois da aposentadoria, com educação para os filhos, ter uma casa e acesso a assistência médica de qualidade.

2.3. O prognóstico de Caminha

No ano do descobrimento do Brasil em 1500, Pero Vaz de Caminha era o escrivão da armada de Pedro Alvares Cabral. Ele redigiu uma longa carta para o rei de Portugal D. Manuel I contando a boa nova. Ao final dela, assim escreveu sobre a terra que encontraram: E em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo, por bem das águas que tem” (MINISTÉRIO DA CULTURA, 2020). Este foi o primeiro registro oficial de que um futuro promissor era reservado ao Brasil.

Hoje se sabe que Caminha estava certo. O território brasileiro tem dimensões continentais. O solo é rico em minerais, metais preciosos como ouro e metais industriais como ferro, alumínio, nióbio, além de vários outros. Há extensas florestas, a fauna é rica, os inúmeros rios, como o Amazonas, caudalosos. O clima é equatorial e temperado. E, praticamente, livre de fenômenos climáticos notáveis como terremotos, vulcões, tornados e furacões. Conforme dados da Carlos Cogo Consultoria (2017) a área total do país tem mais de 850 milhões de hectares, dos quais 30% são disponíveis para agricultura. Essa por sua vez, somente 32% dela é utilizada atualmente. A área ainda disponível para agricultura é a maior do planeta. O país será celeiro do mundo. A população passa de 200 milhões de habitantes. Muitas universidades tanto públicas como da iniciativa privada complementam a rede de ensino (RUSSO, 2020)

2.4. A realidade atual do Brasil após mais de cinco séculos

Apesar de que o prognóstico alvissareiro de Caminha tenha se confirmado, o Brasil ainda não é um país desenvolvido.

De fato, o PIB per capita com paridade de poder de compra do Brasil de 16 mil dólares norte-americanos em 2021 é mais do que quatro vezes inferior ao dos Estados Unidos no mesmo ano. A miséria absoluta – pessoa vivendo diariamente com menos de 2,15 dólares norte-americanos com paridade de poder de compra em 2017 – atinge 1,9 % da população em 2019 contra zero porcento da Alemanha em 2018. A desigualdade de renda em 2020 medida pelo índice de Gini – numa escala de 0% para igualdade plena a 100% para desigualdade máxima – é 48,9 % contra 27,7% da Noruega em 2019. Embora o índice de desenvolvimento humano IDH em 2021 fosse 0,754, ele cai para 0,576 quando ajustado pela desigualdade comparados a valores ajustados acima de 0,800 para países como Estados Unidos, Alemanha e Noruega no mesmo ano de 2021 (RUSSO & BRESCIANI, 2023).

  1. Capitalismo e globalização

O capitalismo industrial surge com o processo da Revolução Industrial há cerca de 250 anos atrás e, desde então vem se fortalecendo e se expandindo pelo mundo. A globalização, por sua vez, é um processo de interação cada vez maior entre as nações, principalmente envolvendo os fatores de produção, isto é, capital e trabalho. Esse item traz alguns aspectos importantes do capitalismo e sua relação com a globalização.

3.1. Domínio do capitalismo no mundo

Harari (2018) afirma que durante o século XX as elites globais formularam três grandes narrativas que pretendiam explicar todo o passado e predizer o futuro do mundo inteiro: a fascista, a comunista e a liberal. A Segunda Guerra Mundial derrotou a fascista, e a comunista entrou em colapso ao final da década de 1980.

Hoje, conforme Milanovic (2020), só o capitalismo ainda perdura, salvo em algumas regiões sem nenhuma influência internacional.

“O fato de o planeta inteiro operar segundo os mesmos princípios econômicos – produção organizada com vistas ao lucro, ao uso de mão de obra assalariada livre, ao capital majoritariamente privado, à coordenação descentralizada – não tem precedentes na história … O predomínio inconteste do modo de produção capitalista tem sua contrapartida na visão ideológica, igualmente inconteste, de que ganhar dinheiro não só é algo respeitável, mas também o objetivo mais importante na vida das pessoas, um estímulo que é compreendido por gente de todas as partes do mundo e de todas as classes” (MILANOVIC, 2020)

Contudo, o domínio do regime capitalista, ainda segundo o autor, ocorre por meio de dois tipos diferentes de capitalismo: o capitalismo meritocrático liberal, que se desenvolveu durante os últimos duzentos anos tendo os Estados Unidos como seu representante de maior proeminência e o capitalismo político ou autoritário liderado pelo Estado cujo maior exemplo é a China.

3.2. O desempenho da economia dos Estados Unidos a partir de 1980

“Algo começou a falhar no poderoso motor econômico americano por volta de 1980. … Não é que a renda geral dos Estados Unidos tenha estagnado: O PIB per capita mais que dobrou nesse período. E não é que a produtividade dos trabalhadores americanos tenha estagnado: ela cresceu ainda mais, sete vezes no mesmo período” (STIGLITZ, 2020). Então o autor conclui que, se durante os últimos 40 anos a renda dos trabalhadores não mudou – até mesmo caiu para os trabalhadores menos qualificados – significa que parcela maior da renda está indo para alguém que não os trabalhadores.

Ele afirma que há várias razões para essa distorção como o monopólio das grandes corporações tecnológicas, a redução de impostos para os mais ricos, a globalização, o desenvolvimento de novas tecnologias etc.

Com relação ao processo da globalização, o autor acrescenta: “É verdade que os trabalhadores americanos foram desfavorecidos: os salários, especialmente dos trabalhadores pouco qualificados, foram reduzidos, em parte por causa da globalização. Mas em parte porque os negociadores americanos conseguiram o que queriam: o problema foi a maneira como gerenciamos a globalização e aquilo que queríamos. Os acordos comerciais simplesmente defenderam os interesses corporativos à custa dos trabalhadores dos países desenvolvidos e em desenvolvimento” (STIGLITZ, 2020).

“A livre circulação descontrolada dos capitais, sem qualquer fiscalização ou regulamentação comum, enviesa de maneira radical as escolhas nacionais em favor dos agentes mais poderosos e com maior mobilidade, e constitui de facto uma nova forma de poder censitário em benefício dos mais ricos. Em termos mais gerais, o livre mercado sem controle é acompanhado do aumento das desigualdades dentro dos países e da corrida imprudente rumo ao aquecimento global, que hoje são largamente reconhecidos como os dois principais desafios da globalização” (PIKETTY, 2022).

Por outro lado, esse desafio enfrentado pelos Estados Unidos tem sua contrapartida nas economias da China e da Índia: “[Desde 1820], o crescimento na China não somente impediu o aumento da desigualdade global, como também representou mais de 95% da redução do número de pessoas que vivem abaixo da linha de pobreza absoluta no mundo[3]. Por volta da virada do século XXI, a Índia juntou-se à China nesse papel, e, devido a sua grande população, pobreza relativa e alta taxa de crescimento, agora também contribui significativamente para um declínio da desigualdade de renda e da pobreza no mundo. … Uma grande incógnita em relação à desigualdade global é o que acontecerá na África. Esse continente é importante por dois motivos. Primeiro, ele deu até o momento pouquíssimos sinais de poder iniciar o processo de convergência de maneira sustentada, ou seja, exibir na maioria dos países taxas de crescimento da renda per capita que sejam superiores às taxas de crescimento ocidentais por um longo período (digamos, vinte anos). Em segundo lugar, a África registra de longe o maior aumento esperado de população em comparação com qualquer outro continente.” (MILANOVIC, 2020).

3.3 O futuro do capitalismo

Atualmente o domínio do capitalismo no mundo é absoluto. De acordo com Milanovic (2020), não há rival à vista. Todavia, especialistas reconhecidos internacionalmente, inclusive ele mesmo, têm ensaiado alguns cenários de transformação do próprio capitalismo, preservando suas características principais relacionadas ao método de produção e à coordenação decentralizada. Essas propostas se baseiam em tornar as distribuições de renda e da propriedade menos concentradas e, portanto, mais igualitárias.

Piketty (2022) defende uma transformação do capitalismo para o que ele denomina socialismo democrático e descentralizado fundamentado na expansão do Estado Social e no imposto progressivo da renda, do capital e da herança.

Milanovic (2020) prevê transformação semelhante, porém conservando o nome de capitalismo. Na verdade, na visão dele, o capitalismo passou por um estágio entre 1914 e 1980 – capitalismo social-democrático – de características parecidas com aquilo que Piketty (2022) entende por socialismo. No fundo, essa questão se resume numa luta ideológica – que já se iniciou com Estados Unidos e China – entre o capitalismo meritocrático liberal e o capitalismo autoritário no sentido de um deles prevalecer no mundo.

Milanovic (2020) também não descarta a eclosão de uma guerra nuclear que poderá reduzir muito a população do planeta e afetar radicalmente a recomposição política, social e econômica do globo.

Por sua vez, Stiglitz (2020) acredita que os Estados Unidos são capazes, de eliminar os erros cometidos nas últimas quatro décadas e, assim, reconstruir a política e economia do país dando ênfase à garantia de emprego com salários dignos a todo cidadão ou cidadã que deseja trabalhar.

[3] [CHEN, S., RAVALLION, M., Absolute Poverty Measures for Development World, 1981-2004, Atas da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos, v.104, n.43, pp. 16 757-62, 2007]

 

Para ele, a torta da renda nacional é composta por renda do trabalho, retorno sobre o capital e o restante chamado pelos economistas de renda econômica. Se as pessoas trabalham mais, o tamanho da torta aumenta e sob um mercado perfeito os trabalhadores terão um retorno sobre esse aumento. Mas, o proprietário de um ativo gerador da renda econômica não acrescenta nada ao tamanho da torta, como, por exemplo, o arrendamento da terra pelo dono. Entretanto, mesmo assim, o dono da terra pode receber uma boa renda. Para o autor, taxar ganhos de capital com terras e arrendamentos encorajaria que a poupança se direcionasse para o capital produtivo. Em outras palavras, toda vez que surge uma atividade econômica na qual o retorno privado excede o retorno social, um imposto aumenta o bem-estar.

Case & Deaton (2021) defendem que o capitalismo deve ser mais bem monitorado e regulado ao invés de ser substituído por uma fantástica utopia socialista na qual o Estado se apropria da indústria. Os autores, embora sejam a favor de sistema tributário mais justo do que o atual, não consideram prioritário elevar as taxas dos impostos sobre os ricos porque eles entendem que o problema fundamental não é a desigualdade. O problema fundamental, na visão deles, é que a fortuna do topo é vista como ilícita em um sistema que não dá chance a muitos. Eles argumentam que limitar o ganho da renda econômica (rent-seeking) e reduzir a corrupção controlarão o rico e diminuirão os rendimentos injustos dele sem altas taxas de impostos sobre a renda ou riqueza que serão vistas como obtidas de forma justa.

  1. Controvérsias sobre o fim da história

Quando o comunismo desmoronou no final dos anos 1980, “pensadores e políticos declararam o “Fim da História”, afirmando com segurança que todas as grandes questões políticas do passado haviam sido resolvidas, e que o renovado pacote liberal de democracia, direitos humanos, livres mercados e serviços públicos de bem-estar social eram a única opção disponível. … Mas o liberalismo não tem respostas imediatas para os maiores problemas que enfrentamos: o colapso ecológico e a [distopia] tecnológica. … Consequentemente, nos restou a tarefa de criar uma narrativa atualizada do mundo. Assim como as convulsões da Revolução Industrial deram origem às novas ideologias do século XX, as próximas revoluções na biotecnologia e na tecnologia da informação exigirão novas visões e conceitos” (HARARI, 2018). Esse item faz uma breve prospecção das preocupantes possibilidades que o futuro nos reserva.

4.1. A Era 4.0

No início do século XIX, de acordo com Shingo (1996), os conceitos da divisão do trabalho trazidos pela 1ª Revolução Industrial evoluíram para a mecanização dos processos de fabricação, dando origem à 2ª Revolução Industrial. A divisão do trabalho permitiu a simplificação das operações, resultando no desenvolvimento de ferramentas para substituir as mãos e motorização para substituir a energia manual.  No final do século XIX, nomes como Frederick A. Taylor, Frank e Lilian Gilbreth, revolucionaram, com seus estudos científicos sobre o trabalho, o processo de manufatura de bens, culminando na 3ª Revolução Industrial. Ao longo destas eras, a produtividade dos trabalhadores aumentou significativamente ano após ano. Todavia, o resultado disso foi o afastamento do indivíduo do processo produtivo (RUSSO & BRESCIANI, 2018).

Os seres humanos têm dois tipos de habilidades, a física e a cognitiva. Naturalmente, os trabalhadores foram deslocados para a área de prestação de serviços. A questão que se levantava então era se haveria um “Taylor” para a área de serviços. A resposta foi positiva e veio por meio da inteligência artificial (IA).

“É crucial entender que a revolução da IA não envolve apenas tornar os computadores mais rápidos e mais inteligentes. Ela se abastece de avanços nas ciências da vida e nas ciências sociais também. Quanto mais compreendemos os mecanismos bioquímicos que sustentam as emoções, os desejos e as escolhas humanas, melhores podem se tornar os computadores na análise do comportamento humano, na previsão de decisões humanas, e na substituição de motoristas, profissionais de finanças e advogados humanos” (HARARI, 2018). A humanidade já vive a 4ª Revolução Industrial, também conhecida como Era 4.0

O resultado dessa nova era é a eliminação de muitas funções do trabalho. Autores como Milanovic (2020) e Acemoglu & Restrepo (2018) acreditam que, em contrapartida, novas funções do trabalho serão necessárias e criadas. Todavia, essas novas funções exigirão conhecimentos mais complexos não acessíveis aos trabalhadores pouco qualificados que perderão seus empregos. Bilhões de indivíduos se tornarão inúteis na face da Terra.

Outra perspectiva aterrorizante prevista por Harari (2018) se refere a novos tratamentos dispendiosos que podem prolongar a vida e melhorar as habilidades físicas e cognitivas dos super-ricos resultando desta maneira diferentes castas biológicas. Assim, como os indivíduos, países e continentes inteiros podem se tornar irrelevantes na humanidade da Era 4.0, prevê o autor.

4.2. Renda Básica Universal (RBU) e emissão de moedas

Não se sabe se as previsões acima e outras descritas por Harari (2018) vão acontecer ou mesmo se elas poderão ser combatidas se eventualmente ocorressem. Porém algumas ideias de enfrentamento estão, inclusive, sendo pensadas e mesmo testadas. Duas delas são a renda básica universal e o financiamento de programas sociais por meio da emissão de moedas.

De acordo com a rede europeia BIEN[4] a definição de Renda Básica Universal é um pagamento periódico em dinheiro entregue incondicionalmente para todos os indivíduos, sem comprovação de recursos ou exigência de trabalho. Entretanto, muitos especialistas, como Milanovic (2020) e Deaton (2021), são céticos com relação a implantação da RBU em função do elevado valor para financiá-la (RUSSO, 2022).

[4] Rede Europeia para Renda Básica [ https://basicincome.org/about-basic-income/ ]

 

Stiglitz (2020) não crê que o simples fornecimento de renda seja a solução correta pois, ele acredita que, para a maioria das pessoas, o trabalho é parte importante da vida. Além disso, ele também não acha que a RBU pudesse ser generosa o suficiente para sequer chegar perto do nível de subsistência. O custo de fazer isso exigiria um aumento substancial dos impostos.

Outro instrumento que vem sendo proposto é o financiamento de programas sociais por meio de emissão da moeda em lugar da emissão da dívida pública. Isso sempre é possível para aqueles países com o poder de emitir sua própria moeda. Todavia, “enquanto não há alta substancial dos preços para o consumo, nenhuma razão sólida se opõe a um aumento da emissão monetária, se isso permite financiar políticas úteis como a luta contra o desemprego, a garantia de emprego, a renovação térmica das construções ou investimentos públicos na saúde, na educação ou nas energias renováveis. Em contrapartida, se a inflação recomeça de forma duradoura, isso significa que os limites da emissão monetária foram atingidos e que é hora de se apoiar em outras ferramentas para mobilizar recursos (a começar pelos impostos)” (PIKETTY, 2022).

  1. Considerações finais

O Brasil não é um país desenvolvido. A experiência internacional demonstra que é muito raro um país emergente dar um salto e sair do atraso. “Os casos de sucesso mais conhecidos são Japão, Coreia do Sul e China. Todos têm em comum o foco na indústria. Hoje [o Brasil] não está nem entre os 17 principais produtores industriais do mundo, e a manufatura, que era a quarta parte no [seu] PIB [há mais de 30 anos], atualmente não representa nem 9%. Mas o pior de tudo foi a falta de um plano para o país e de uma estratégia industrial, deficiências que perduram até hoje. Esse plano definiria, para cada segmento da economia, quais as chances [deles] avançarem” (FELDMANN, 2023)

Além disso, o autor critica o país por não planejar nada e, por consequência perder oportunidades em diversos setores. Lembra que apesar das riquezas da floresta amazônica e a presença de profissionais competentes de alto nível na área da saúde, o Brasil não investe nas próximas ondas tecnológicas, como biotecnologia, genética e ciências da vida.

Esse relatório mostra alguns desafios que o Brasil enfrenta na elaboração de uma estratégia de desenvolvimento. Entre esses desafios se destacam a pobreza e a desigualdade de renda, a garantia do emprego, o aumento do PIB per capita, a educação, a inovação e o financiamento de políticas públicas para o desenvolvimento.

Esses e outros desafios serão objeto da segunda parte desse estudo sobre alguns aspectos do potencial de melhorias para o bem-estar do Brasil.

 

Referências

ACEMOGLU, D.; RESTREPO, P.; Artificial Intelligence, Automation and Work, Economics of Artificial Intelligence, USA, January 4, 2018

CASE, A.; DEATON, A.; Deaths of Despair and the Future of Capitalism, Princeton University Press, Princeton & Oxford, 2021

COGO, C., Milho: Mercado e Perspectiva Futura, 9º Fórum Nacional do Milho, Rio Grande do Sul, 06/03/2017.

DEATON, A.; The Great Escape health, wealth and the origins of inequality, Princeton (NJ): Princeton University Press, 2015

DEATON, A., Uma Falha Capital, São Paulo-SP, Veja, 14 de julho de 2021

FELDMANN, P.; Indústria, volver, São Paulo, Folha de São Paulo, 18/05/2023.

HARARI, Y. N.; Homo Deus – Uma breve história do amanhã, São Paulo, Companhia das Letras, 2017.

HARARI, Y. N.; 21 Lições para o século 21, São Paulo, Companhia das Letras, 2018.

MILANOVIC, B.; Capitalismo sem rivais: O futuro do sistema que domina o mundo, São Paulo (SP), Todavia, 2020.

MINISTÉRIO DA CULTURA, Fundação Biblioteca Nacional, Departamento Nacional do Livro.

[ http://objdigital.bn.br/Acervo_Digital/livros_eletronicos/carta.pdf ] [ consulta em 18/05/2023 ]

PIKETTY, T.; Uma breve história da igualdade, Rio de Janeiro: Editora Intrínseca, 2022.

RUSSO, V.A.F.; Por Que o Brasil não Escapa da Armadilha da Renda Média?, Academia Brasileira da Qualidade, – Estudos e Relatórios Técnicos, São Paulo-SP, setembro de 2020, 35p.

RUSSO, V.A.F.; Desafios para o financiamento da Renda Básica Universal. São Paulo: Academia Brasileira da Qualidade, Estudos e Relatórios Técnicos, fevereiro de 2022, 25p.

RUSSO, V.A.F; BRESCIANI F., E.; Desigualdade de renda e pobreza (Relatório de Pesquisa), Academia Brasileira da Qualidade – Estudos e Relatório Técnicos, São Paulo, 04 de dezembro de 2018, 31p.

RUSSO, V.A.F; BRESCIANI F., E.; Índices socioeconômicos para o estudo do combate à pobreza e à desigualdade, Palestra apresentada nos Seminários Interdisciplinares de Desigualdade Social e Econômica, CLE-UNICAMP, Campinas, 31.03.23.

SHINGO, S.; Sistema de Produção com Estoque Zero: O Sistema Shingo para Melhorias Contínuas, Porto Alegre: Bookman,1996.

STIGLITZ, J. E.; Povo, Poder e Lucro: capitalismo progressista para uma era de descontentamento, Rio de Janeiro, Editora Record, 2020

Este artigo expressa a opinião dos Autores e não de suas organizações.

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2 comentário sobre “Alguns aspectos do potencial de melhorias para o bem-estar do Brasil – Parte I: A realidade socioeconômica atual do Brasil[1]

  1. Parabens Vivaldo pelas EXELENTES REFLEXÕES!!
    O artigo facilita a construção de uma visão sistêmica robusta sobre os fatos históricos e econômicos que desencadearam a realidade que vivenciamos hoje. Certamente, a estratégia determina a estrutura do tecido social. Mas, Infelizmente, a falta da continuidade de um planejamento estratégico para o desenvolvimento dos vários segmentos econômicos do país, emperra a musculatura para darmos saltos de desenvolvimento tecnológico e social. É necessário renovar a estratégia para construir estruturas sustentáveis e duradouras.

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