Vivaldo Antonio Fernandes Russo[2]
- Considerações iniciais
Em termos socioeconômicos o Brasil apresenta muitos pontos positivos, todavia existe grande potencial de melhorias para o bem-estar da população. Estudo tratando de alguns aspectos importantes desse potencial de melhorias foi dividido em duas partes. Esse relatório técnico se refere à segunda delas.
Alinhado com a análise da realidade brasileira descrita no relatório técnico parte I de Russo (2023), o presente relatório tem como objetivo trazer considerações sobre alguns desafios cujo enfrentamento se estende por longo prazo ou por médio prazo e que afetam de forma significativa a estratégia de desenvolvimento do país.
- Desafios de combate de longo prazo
Alguns desafios para a definição de estratégias de desenvolvimento do Brasil têm origem em características da sociedade brasileira formadas no decorrer da sua evolução. Por consequência, para suplantá-los são necessárias ações de longo prazo, além da conscientização da maioria dos brasileiros de que tais desafios devam ser superados. Esse item trata de três deles.
2.1. A herança maldita da escravidão
O regime da escravidão é, com elevado grau de probabilidade, a causa raiz pela qual o Brasil não é um país desenvolvido. Ele perdurou no Brasil desde o início da colonização portuguesa e se manteve, mesmo após a Independência do Brasil, durante o período imperial até às vésperas da Proclamação da República com a assinatura da Lei Aurea em 1888 (RUSSO, 2020). O autor chegou a essa conclusão após consultar várias referências sobre a formação da sociedade brasileira, das quais seguem alguns extratos:
“Um fato que não se pode deixar de tomar em consideração no exame da psicologia [dos povos ibéricos] é a invencível repulsa que sempre lhes inspirou toda moral fundada no culto ao trabalho. … É compreensível, assim, que jamais se tenha naturalizado entre gente hispânica, a moderna religião do trabalho e o apreço à atividade utilitária. Uma digna ociosidade sempre pareceu mais excelente, e até mais nobilitante, a um bom português, ou a um espanhol, do que a luta insana pelo pão de cada dia. O que ambos admiram como ideal é uma vida de grande senhor,
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[1] Relatório técnico, Academia Brasileira da Qualidade, São Paulo, maio de 2023
[2] Graduado em Engenharia Mecânica (FEM-UNICAMP); Diretor Presidente Aposentado da EATON – Hydraulics da América do Sul; Pós-Graduado em Engenharia Mecânica (FEM-UNICAMP); Professor de Curso de Extensão (FEM-UNICAMP); Membro do grupo CLE-DES do CLE-UNICAMP; Membro da ABQ.
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exclusiva de qualquer esforço, de qualquer preocupação. E, assim, enquanto povos protestantes preconizam e exaltam o esforço manual, as nações ibéricas colocam-se ainda largamente no ponto de vista da antiguidade clássica. … O que o português vinha buscar era, sem dúvida, a riqueza, mas riqueza que custa ousadia, não riqueza que custa trabalho. … Esse caráter puramente exterior, epidérmico, de numerosas agitações ocorridas entre nós durante os anos que antecederam e sucederam à Independência, mostra o quanto era difícil ultrapassarem-se os limites que à nossa vida política tinham traçado certas condições específicas geradas pela colonização portuguesa. Um dos efeitos da improvisação quase forçada de uma espécie de burguesia urbana no Brasil, está em que certas atitudes peculiares, até então, ao patriciado rural, logo se tornaram comuns a todas as classes como norma ideal de conduta. Estereotipada por longos anos de vida rural, a mentalidade de casa-grande invadiu assim as cidades e conquistou todas as profissões, sem exclusão das mais humildes. … Toda a ordem administrativa do país, durante o Império e mesmo depois, já no regime republicano, há de comportar, por isso, elementos estreitamente vinculados ao velho sistema senhorial” (HOLANDA, 1994).
“Em 1889, o Brasil do fim do Império era um semideserto, com população muito rarefeita. Contando com apenas 12 milhões de habitantes, 1 milhão deles era de escravos, o restante compunha a maioria de mestiços. A população quase toda analfabeta, estava dispersa principalmente em centros urbanos litorâneos” (LOPEZ & MOTA, 2008).
“A abolição chegou tarde demais. O governo não tinha planos para o dia seguinte, para o país sem escravos. Passado o entusiasmo inicial, recrudesceu o divórcio entre o governo e a sociedade” (CALDEIRA et al, 1999).
“Além do mais, não se pode esquecer que o Brasil financiou a existência do sistema escravocrata até apenas 130 anos atrás. Ora, para manter uma instituição como essa, e durante tantos séculos – a despeito de a prática não ser penalizada por lei-, era preciso diminuir a dose de espírito moral em relação ao outro e pensar muito mais no proveito próprio. A escravidão minava conceitos como moral e ética; … A captura do Estado por interesses particulares e a consequente prática de corrupção que se instaura visando a própria conservação desse tipo de esquema é um dos principais fatores que explicam a crise que vivemos atualmente. Além de afetar a economia, alocando recursos de forma ineficiente, a corrupção tem o poder de instalar uma burocracia inapta, na medida em que o funcionamento desta não é gerido pela necessidade do Estado, mas pela distribuição farta de cargos e verbas para os “amigos fiéis”, que trocam “favores” e “interesses”. Por último, a corrupção viceja quando há uma mentalidade mais ampla que não só a aceita, como a naturaliza em seu cotidiano. A corrupção pública se prolonga nas práticas individuais que visam sempre “dar um jeitinho”, “quebrar o galho”, “fechar um olho”” (SCHWARCZ, 2019).
A escravidão deixou como herança o ranço do autoritarismo, da ignorância, da ociosidade, do orgulho, da pobreza e do luxo exibicionista. Assim, não é surpresa que o Brasil não seja protagonista na criação de monumentos históricos que deram grandes impulsos nas economias capitalistas. O fordismo e o taylorismo, o computador mainframe e o notebook, a manufatura enxuta de Taiichi Ohno e o sistema de controle da qualidade total de Feigenbaun, o celular e a internet, o sítio de procura da Google e o de relacionamento da Facebook, o sistema de venda e distribuição da Amazon entre outros. Nenhum deles teve origem no Brasil (RUSSO, 2020).
2.2. A Constituição do Brasil
“Todas as nossas oito constituições resultaram de alguma modalidade de golpe contra o regime vigente. … Na definição do jurista Pedro Nunes, “República é a realização da democracia, o estado no qual há liberdade para todos e perfeita igualdade de direito e deveres dos cidadãos”. … Ao declararem que todo poder emana do povo, para em seu nome ser exercido, ouso afirmar que todas as Constituições faltaram com a verdade. Do pecado original não escapou a Constituição de 1988. … Igualdade é utopia … Uma das manifestações odiosas e óbvias da desigualdade resulta do foro privilegiado. Quem desfruta do privilégio se beneficia de prerrogativas inacessíveis aos cidadãos comuns. É o caso do presidente da República, do vice-presidente, dos membros do Congresso Nacional, que se valem do benefício de serem julgados, por crime de responsabilidade, no Supremo Tribunal Federal. Gozam da mesma prerrogativa ministros de Estado, comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, membros dos tribunais superiores, do Tribunal de Contas da União e chefes de missões diplomáticas de caráter permanente. Redigida em 1787 por 55 representantes de 13 Estados, a Constituição norte-americana contém 7 artigos que, em 229 anos, receberam 27 emendas. A Constituição brasileira de 1988, com 250 artigos e 94 disposições foi redigida por 594 deputados e senadores. Já sofreu 97 alterações[3], que não a tornaram melhor. … A prioridade há de ser concedida, neste primeiro momento, à reforma partidária, para reduzir o irracional número de partidos políticos com registro no Superior Tribunal Eleitoral. São 35 legendas[4]. … Em síntese, entre 35 legendas, não mais que 6 ou 7 são representativas … Urge iniciar a limpeza das legendas para deixarem de agir como moeda de troca em conchavos políticos” (PINTO, 2017).
“Nada obstante o simbolismo trazido pela vigente Lei Republicana, é inconteste a presença de lobbies políticos e ideológicos em sua gênese. A intenção de alguns parlamentares, narra a história, era cravar suas ideias para conquistar o prestígio de seu grupo de eleitores” (BARONOVSKY, 2015).
O nível de detalhamento da Constituição brasileira é de tal ordem que, independentemente da discussão jurídica, surpreende seu art. 242. ⸹ 2º onde se lê: “O Colégio Pedro II, localizado na cidade do Rio de Janeiro, será mantido na órbita federal”.
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[3] Até junho de 2016. Desde 1988 até final de 2022, a Constituição foi modificada 140 vezes conforme sítio do Senado Federal. (NA)
[4] Em abril de 2017. Hoje há 31 partidos políticos registrados no STE. (NA)
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2.3. A polarização ideológica
Helliwell et alli (2020), publicam seu oitavo relatório conhecido como World Happiness Report (WHR 2020) mantendo foco na avaliação e entendimento do bem-estar subjetivo, e do uso das estatísticas sobre a satisfação com a vida para acompanhar a qualidade de vida em mais de 150 países. Conforme WHR (2013) a Organização das Nações Unidas (ONU) tomou uma decisão histórica em 2011. Ela convidou os países membros a medir felicidade[5] do seu povo e usar sua avaliação como guia de suas políticas públicas. Em 2012, o primeiro WHR foi publicado e, logo a seguir, em 2013, a OECD publica seu guia para avaliar o bem-estar subjetivo, conforme mencionado acima (RUSSO & BRESCIANI, 2020).
Segundo Martela et alli (2020) desde 2013 até então, o World Happiness Report (WHR) tem publicado sistematicamente o ranking anual de felicidade dos países e os cinco países nórdicos – Finlândia, Dinamarca, Noruega, Suécia e Islândia – têm estado entre os dez primeiros[6].
Assim, é natural que se pense em analisar os fatores de sucesso dos países nórdicos para verificar a possibilidade de reaplicá-los em outros países com o objetivo de obter o mesmo sucesso. Todavia, conforme os autores, os países nórdicos têm alto desempenho em uma série de fatores relacionados ao bem-estar – tais como satisfação com a vida, confiança nas instituições e na sociedade, igualdade socioeconômica etc. – e, portanto, torna-se impraticável para os responsáveis pela definição de políticas públicas de alto nível de felicidade escolher um ou dois fatores apenas que possam realmente acelerar esse processo em outros países.
Porém, a história dos países nórdicos dá uma pista para Martela et alli (2020). No início da era moderna esses países não tiveram o tipo de feudalismo e servidão que caracterizaram o continente europeu incluindo a Rússia. Os fazendeiros eram relativamente mais independentes e muitos deles donos da própria terra. Além disso, já na entrada do século XX, muitos desses fazendeiros possuíam significativa força política inclusive no Parlamento. Portanto, uma possível causa raiz do Modelo Nórdico é que os países não tiveram profundas divisões de classe e desigualdade econômica.
Desta forma os autores sugerem que a qualidade das instituições exerce um papel decisivo para assegurar a felicidade do cidadão. Então, minimizando corrupção e maximizando a participação e representação dos cidadãos em várias decisões podem assegurar às instituições a confiança dos cidadãos. Na esfera da cultura o fator mais importante é o de gerar o senso de comunidade, confiança e coesão social entre os cidadãos. Uma sociedade dividida tende a ser menos inclinada a dar suporte a programas que visam alcançar vários benefícios do bem-estar de todo o país porque há o receio de que proposta na direção de algum benefício possa favorecer outro grupo e prejudicar o seu próprio.
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[5] A avaliação do bem-estar subjetivo é geralmente restrita à medida da felicidade.
[6] Hoje, conforme WHR (2023), a Finlândia ocupa a primeira posição com 7,804 pontos – numa escala de 0 a 10 – fruto da média 2020-2022. O Brasil ocupa a 49ª. posição com 6,125 pontos entre 137 países.
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Infelizmente, a sociedade brasileira, atualmente, está muito polarizada, isto é, dividida entre a extrema esquerda e a direita radical, gerando a denominada política do ódio.
3. Desafios de combate no médio prazo
Enquanto desafios como os descritos no item anterior podem levar décadas para serem vencidos, os destacados nesse item tendem a ser enfrentados com sucesso em prazo mais curto, embora aqueles, em geral, dificultem o enfrentamento desses, principalmente quando há uma relação direta entre eles.
3.1. Pobreza e Desigualdade
De acordo com o Banco Mundial (2023), em 2021 o Brasil apresentou mais de 12 milhões de pessoas vivendo na miséria absoluta. Além disso, ainda de acordo com a mesma fonte, o país tem uma das maiores desigualdade de renda do mundo com índice de Gini de 52,9 % no mesmo ano de 2021. Conforme o relatório técnico da parte I desse estudo, o Brasil possui a maior área agricultável do mundo e que ainda não é explorada. A agricultura brasileira é de alta tecnologia o que lhe garante elevada produtividade. Portanto, torna-se inaceitável que haja, atualmente, alguém passando fome no Brasil.
Entendemos que o combate à pobreza é tão importante quanto a redução da desigualdade de renda, apesar dessa última ser considerada por alguns autores como menos relevante. Por exemplo, McCloskey (2016) indica que, segundo assim interpretamos, de fato o relevante eticamente é que o pobre tenha acesso à alimentação, habitação, educação, assistência médica e de segurança de boa qualidade, e não à possibilidade de aquisição de artigos de luxo. De qualquer modo, tem se verificado que, ao longo dos anos, a redução da pobreza e da desigualdade econômica, se consegue em decorrência de implantação ou implementação de programas de crescimento e desenvolvimento econômico em um país. Contudo os processos de execução desses programas, em geral, apenas produzem resultados depois de decorrido um tempo relativamente elevado, que é, muitas vezes, incompatível com as exigências mais urgentes para a sobrevivência dos mais necessitados economicamente. O ideal, assim parece indicar o bom senso, é sincronizar os processos de redução da pobreza e da desigualdade convencionais com os emergenciais (RUSSO & BRESCIANI, 2023).
Mas, há mais uma razão para combater também a desigualdade pois, como foi dito acima, a enorme desigualdade cria obstáculos para aprovação de políticas públicas de melhoria do bem-estar da sociedade devido à falta de confiança entre os cidadãos das diferentes classes sociais muito desiguais.
O Brasil, até que se converta em um país desenvolvido, utiliza hoje o programa de transferência de renda emergencial com condicionalidades denominado Bolsa Família. Todavia, como foi visto no relatório técnico da parte I desse estudo, acredita-se que é possível garantir emprego com salários dignos a todo cidadão ou cidadã que deseja trabalhar. Isso é importante porque a simples transferência de renda não acrescenta nada ao tamanho da torta da renda nacional. Entretanto, a renda do emprego aumenta seu tamanho. “Há muito trabalho que precisa ser feito e, durante ainda algum tempo, esse trabalho não poderá ser feito por robôs. Nossas cidades podem ser embelezadas, nossos idosos mais frágeis e nossos doentes podem receber melhores cuidados e nossos jovens, melhor educação. … Há necessidade de fortes políticas fiscais: aumento nos gastos governamentais ou reduções de impostos, mesmo que isso resulte em déficits” (STIGLITZ, 2020).
3.2. Crescimento econômico
O aumento constante da produtividade é um elemento importante do processo de desenvolvimento conforme descrito no relatório técnico da parte I desse estudo. Ele permite que a renda per capita aumente e evite que o crescimento da população a condene à renda de subsistência para sempre. “O crescimento econômico depende de dois fatores: o aumento da força de trabalho e o aumento da produtividade, a produção por hora. Quando qualquer uma delas aumenta, aumenta também a produção econômica. É claro que o importante não é somente o crescimento da produção nacional, mas também a elevação do padrão de vida [dos cidadãos comuns], e isso requer não só aumento da produtividade, mas também que os cidadãos comuns obtenham uma parte justa desse aumento” (STIGLITZ, 2020).
De acordo com o Banco Mundial, o Brasil é classificado como um país de renda média. Kharas & Gill (2020) imaginam os países de renda média como estando numa fase de transição complexa de uma economia entre acumulação e inovação. Portanto, esta fase envolve, aumentar investimento em capital humano – [conhecimento] – e financeiro (acumulação), criar incentivo para inovação e criar instituições que assegurem o alinhamento, no tempo, da transição da acumulação à inovação, isto é, garantir que não apareçam estruturas obsoletas que emperrem o crescimento. Esta estratégia de três pontas é bem mais complexa do que a simples estratégia de transformar um país de renda baixa em renda média cujo foco primário se assenta na acumulação ou a estratégia, também relativamente simples, de fazer um país de renda alta crescer ainda mais, onde o foco primário está na inovação, embora algumas vezes englobe acumulação de capital (RUSSO, 2020).
Adicionando um pouco mais de detalhes a respeito desse tema, “o Brasil tem uma renda média, mas ele tem pedaços de renda baixa. Tem uma parcela da população com atividades de baixa produtividade, cada vez menos, felizmente, mas tem, e tem pedaços de economia avançada. Pense na agricultura sofisticada brasileira, é uma agricultura intensiva em tecnologia, intensiva em informação meteorológica, intensiva em insumos modernos e em maquinário. Pense na capacidade de produção de petróleo em águas profundas, ou a Embraer, que é também um excelente exemplo de uma cadeia de valor agregado global que está sob o comando por conta da capacidade de design dos aviões etc. Mas esses pedaços, essa parcela da população ocupadas nessas atividades de alta renda, não é suficientemente grande para permitir a subida do nível de renda como um todo. … Na verdade, ao invés da dicotomia entre importar ou produzir, o que vale é a solução criativa. Hoje em dia, e há muito tempo, as tecnologias são sistemas complexos que não tem que ser inteiramente geradas no mesmo local. A interação com o que acontece no resto do mundo é fundamental, porque ela permite a fertilização. É preciso haver um esforço criativo de adaptação da tecnologia, porque a partir da adaptação criativa é que se cria outras inovações.” (CANUTO, 2014).
3.3. Educação
O conhecimento é outro elemento fundamental no processo de desenvolvimento não apenas para aumentar a produtividade como também prover condições de inovação, criatividade e crescimento. Portanto, o ensino básico e superior são desafios críticos no sentido de garantir à sociedade não apenas suas verdadeiras fontes de riqueza como também empregos em áreas mais complexas que substituirão aqueles eliminados pela era 4.0, conforme foi visto no relatório técnico da parte I desse estudo.
A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) avalia a cada três anos o sistema do ensino básico de diversos países dentro do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA em inglês) (INEP, 2019).
Na verdade, esse programa não avalia o conhecimento propriamente dito, mas a capacidade do aluno aprender e utilizar o aprendizado. Ele usa três domínios: capacidade de compreender, usar, avaliar e refletir sobre textos (leitura); capacidade de formular, empregar e interpretar a matemática (matemática); capacidade de se envolver em questões relacionadas a ciência (ciência).
O Brasil tem se posicionado sistematicamente bem abaixo da média dos países membros da OCDE. O último relatório completo se refere ao ano de 2018 e contou com a participação de 37 países membros e 42 países parceiros, inclusive o Brasil. A avaliação de 2021 foi adiada para 2022 devido à pandemia e seu relatório completo é previsto para o final de 2023.
Em 2018, conforme o INEP (2019), o Brasil se posicionou entre 55º e 59º lugar em leitura, entre 69º e 72º lugar em matemática e entre 64º e 67º em ciências[7].
O ensino superior, por sua vez, sofre as consequências da má qualidade do ensino básico comprovada pela escala PISA.
“[Uma] missão valiosa e delicada do ensino superior é a pesquisa. Esse papel se ampliou, de dois séculos para cá. Mas sempre será para poucos. … Nos dias que correm, a principal missão é profissionalizar uma enorme massa de concluintes do ensino médio. Nessa vertente estão quase todos os alunos, em cursos longos e
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[7] O autor, no exercício de suas funções de Diretor de Estudos e Projetos da Academia Brasileira da Qualidade (ABQ) no período de 2019 a 2022, participou de diversas reuniões com especialistas em educação sobre qualidade do ensino básico e pode observar que: a) a responsabilidade pelo ensino básico no país recai nos Estados e Municípios, sendo que a União participa por meio de diretrizes de caráter mais orientativo; b) existem iniciativas de alguns Estados e Municípios que chegam a excelentes resultados, todavia não há um programa que garanta sua reaplicação em âmbito nacional; c) essa realidade tem a vantagem de permitir administração localizada para um país de tamanho continental e enorme desigualdade social, porém as conquistas são instáveis devido à troca de comando após cada eleição; d) a sociedade não dá prioridade em combater os desafios do ensino básico. Dito isso, o autor, embora não seja especialista em educação, sugere para melhoria do ensino básico estabelecer política pública federal com esse objetivo, coordenada pelo Ministério da Educação e coparticipação do Ministério da Fazenda.
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curtos … Os brasileiros se formam no ensino médio com um nível de maturidade intelectual que corresponde a um europeu com quatro anos a menos de escolaridade. Portanto, há uma enorme proporção de matriculados que não atingiu o nível exigido para um real curso superior. … Mas há o verdadeiro superior, em que tampouco há abundância de luzes. É verdade, temos razoável pesquisa – como em todas as partes, concentrada em poucas instituições. E temos também algumas instituições de excelência, participando dos grandes debates da atualidade. Mas, como alhures, não são muitas” (CASTRO, 2023).
Está claro que “as verdadeiras fontes de riqueza de um país – e, consequentemente, dos aumentos de produtividade e padrão de vida – são o conhecimento, o aprendizado e os avanços em ciência e tecnologia. São eles, mais do que qualquer outra coisa, que explicam por que os padrões de vida hoje são tão mais altos do que eram há duzentos anos, não só em termos de bens materiais, mas também de expectativa de vida e saúde ao longo da vida. No centro de nossa economia de conhecimento e inovação está a pesquisa. A pesquisa básica produz conhecimento, um bem público do qual, se disponível, todos podem se beneficiar. … É por isso que é essencial existirem grandes investimentos públicos em pesquisa, especialmente a básica, e no tipo de sistema educacional que pode apoiar o avanço do conhecimento” (STIGLITZ, 2020).
Porém, no Brasil não é costume planejar o enfrentamento a esses tipos de desafios. Portanto, o país perde grandes oportunidades em diversos setores. “Continuar agindo dessa forma seria uma enorme irresponsabilidade, pois poucos países têm uma relação íntima com as próximas ondas tecnológicas, como a biotecnologia, genética e ciências da vida” (FELDMANN, 2023).
4. Considerações finais
O Brasil, além de enfrentar incontáveis desafios, dos quais alguns deles, críticos, foram aqui considerados nesse estudo, possui uma vasta extensão territorial, grande diversidade étnica e desigualdade social. Muitos desafios, por sua vez, se interagem numa relação de causa e efeito. Tudo isso constitui o que se costuma denominar um sistema complexo, o que torna muito complicado estabelecer um plano estratégico único de desenvolvimento. Talvez seja mais viável aprovar políticas públicas para combater desafios prioritários.
Recentemente, Lula da Silva & Alckmin (2023), respectivamente Presidente e Vice-Presidente do Brasil, declararam que “a indústria será o fio condutor de uma política econômica voltada para geração de renda e de empregos mais intensivos em conhecimento”.
Após colocar ênfase em alguns setores econômicos chaves eles concluem: “Temos de facilitar o acesso ao capital, reduzindo seu custo, para que os empreendedores possam criar e expandir os seus negócios. O governo está fazendo sua parte com o novo arcabouço fiscal, reforçando a estabilidade e a previsibilidade em nossa economia. Por fim, buscamos investir nas pessoas, afinal a indústria só prosperará com capital humano bem formado. Por isso, celebramos os investimentos no novo Bolsa Família, que passa a privilegiar mais as crianças; na educação básica, que ruma para o ensino integral; e na valorização do salário mínimo” (LULA DA SILVA & ALCKMIN, 2023).
O artigo recebeu elogios de economistas, empresários e outros especialistas. Mas também sofreu críticas e sugestões a serem debatidas. Uma observação interessante trata da gestão da qualidade das políticas públicas, na maioria das vezes, esquecidas: “Uma agenda que falta é essa, da qualidade da política pública. Precisamos discutir a qualidade do gasto e fazer gestão e avaliação das políticas. Precisamos ter mais metas para qualidade das políticas em educação, saúde, saneamento, e avaliar se o que é feito está entregando os resultados esperados e, se não está, como aperfeiçoar a gestão. No fim, a qualidade do serviço prestado aos cidadãos não aparece no debate. A [melhoria] contínua dos processos para atingir metas cada vez mais ambiciosas não faz parte do discurso atual, e isso preocupa (LISBOA, 2023).
Em outras palavras, “Método de Gestão deve ser entendido como Caminho para o resultado, segundo diz a própria origem da palavra, que vem do grego Meta e Hodós: Meta significa “Resultado a ser atingido” e Hodós, “Caminho”. Trata-se, portanto, de uma sequência lógica de ações necessárias para se atingir certo resultado desejado, viabilizando a gestão estruturada de uma organização. O Método de Gestão, embora receba várias denominações, é único, sendo normalmente representado pelo Ciclo [(Planejar, Executar, Avaliar, Aprender), também conhecido como Ciclo] PDCL [abreviação do inglês] (Plan, Do, Check e Learn)” (MARTINS DA SILVA, 2021).
Portanto, é importante que as diversas políticas públicas estabelecidas sejam acompanhadas, já na publicação, das métricas que permitirão a avaliação no decorrer da sua execução e, assim, garantir eventuais correções de rota e o sucesso final da meta a ser atingida[8].
Referências
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[8] “No governo federal, esse processo passou a ser mais institucionalizado a partir de 2019 com a criação do Conselho de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas (CMAP). … Desde sua criação o CMAP já realizou 60 avaliações, mas o monitoramento dos aprimoramentos realizados nas políticas ainda é incipiente. A institucionalização da avaliação de políticas é um passo importante para garantir o uso eficiente dos escassos recursos públicos e a melhoria contínua das políticas. Mas não basta ter evidências geradas pelas avaliações se elas não forem utilizadas. O próximo passo é que as evidências sejam de fato consideradas na tomada de decisão sobre a continuidade, expansão ou extinção da política. A cultura de avaliação ainda tem muito a evoluir, em especial no uso das evidências, mesmo quando apontarem para resultados contrários às expectativas” (BACALHAU, 2023).
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