Qual é a hora certa de semear a qualidade? Por Eduardo Guaragna

Por Eduardo Guaragna*

 

Minha narrativa trata de um caso real vivido por mim no início da década de 90. Na ocasião eu ocupava o cargo de Assistente de Qualidade e Produtividade na Copesul – Companhia Petroquímica do Sul, e havia retornado do Japão após realizar um treinamento em TQC – Total Quality Control. Elaboramos   um Programa de Q&P – Qualidade e Produtividade – pronto para ser implementado.  Tínhamos uma semente e precisávamos preparar o solo. Entretanto, a Copesul havia entrado no Programa de Privatização do Governo Fernando Henrique Cardoso (FHC) e nesse meio tempo foi adquirida em parte pelas empresas Odebrecht e Ipiranga, restando um percentual para a Petrobras e os funcionários.  Ou seja, a empresa passou a ter suas ações sob controle privado, deixando de ser estatal. E o Programa de Q&P? O que fazer?

Teria que esperar ou ser cancelado.  Os novos dirigentes decidiram por uma mudança radical nos processos, na forma de organização e na estruturação do trabalho na empresa. Durante mais de 2 anos, inicialmente 43 pessoas se dedicaram, sob orientação da consultoria Arthur D’Litle, ao que foi denominado de Programa de Reengenharia da Copesul. Processos redesenhados do zero, formação de times autogerenciáveis, líderes no papel de facilitadores, estrutura organizacional plana de 3 níveis apenas, centros de custos e de resultados e remuneração por habilidades foram as principais mudanças. Como decorrência houve redução do efetivo de 1200 pessoas para pouco mais de 700. Na ocasião eu era um dos 43 dedicados ao redesenho, atuando na reengenharia e sua implementação. Adicionalmente eu continuava responsável pela área da qualidade, respondendo diretamente ao Diretor Superintendente, nosso grande líder, Luiz Fernando Cirne Lima. Lembro perfeitamente que ele me questionava.” Guaragna e a qualidade. O que fazemos?”

Confesso que aquilo me afligia. Um grande desafio compatibilizar reengenharia com qualidade.

Há um ditado que diz que a mente preparada sabe ler uma oportunidade quando esta aparece. Em 1994 estava eu no congresso da ASQ – American Society for Quality – em Las Vegas quando assisti uma apresentação mostrando o uso do modelo Malcolm Baldrige como integrador dos elementos da gestão com foco na excelência. Era a qualidade lato sensu. Estava ali a pérola que daria origem a semente a ser plantada na Copesul neste novo contexto. 

Havia um ambiente fértil a esta semente. Uma empresa “nova” estava esperando por isso. Fomos à FNQ – Fundação Nacional da Qualidade –  conhecer o modelo brasileiro e passamos a usar os Critérios do PNQ – Prêmio Nacional da Qualidade – como integrador da estratégia e da gestão, incluindo certificações. O redesenho feito, quando implementado, nos levaria a excelência pois eu fiz este estudo e o apresentei ao Diretor Superintendente e a diretoria. Poderíamos alcançar próximo dos 700 pontos em 3 anos.

Decidimos por sistematicamente avaliar o Sistema Copesul de Gestão com base nos Critérios do PNQ a cada ano, a partir de 1995. À medida que o redesenho ganhava maturidade na sua implementação e fechávamos os gaps, evoluíamos no PNQ. Assim, em 1997 a Copesul, uma empresa genuinamente brasileira, foi reconhecida como uma das vencedoras do PNQ, com grande comemoração. Uma caravana com 30 pessoas da Copesul foi a Brasília onde o Diretor Superintendente Cirne Lima recebeu das mãos do Presidente Fernando Henrique Cardoso o disputado troféu. Inesquecível!

Hoje a Copesul não existe mais pois foi incorporada pela Braskem, como Unidade de Insumos Básicos, . Com certeza a qualidade continua presente no íntimo de cada, pois é uma transformação.

O que podemos aprender com este caso real? 

Inúmeras lições. Destaco que aprendi que a água desce a montanha não em linha reta, mas no caminho tortuoso, contornando obstáculos, se adaptando as barreiras e também vencendo-as.   Assim é a força da qualidade. Cada empresa tem seu caminho, único e adaptável, sendo preciso respeitar o momento da semeadura, sem pressa pois se trata fundamentalmente de pessoas e da existência de um ambiente, ao mesmo tempo desafiador, acolhedor e receptivo a elas. Este é seu papel como líder. Semear no tempo certo, cuidar e colher os resultados, junto com suas equipes.

 

*Eduardo Guaragna foi Diretor Presidente da ABQ por duas gestões consecutivas: 2019-20120, 2021-2022.

Este artigo expressa a opinião dos Autores e não de suas organizações.

Siga-nos nas Redes Sociais

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Posts Relacionados