Acadêmica Acácia Branca Seco Ferreira

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Recuperação do Brasil Pós COVID-19

Acadêmica Acácia Branca Seco Ferreira é advogada e consultora responsável pela Excelência Empresarial. Graduada em Administração de Empresas, Administração Pública, Ciências Contábeis e Direito pela Universidade Federal do Amazonas; é pós-graduada em Gestão da Qualidade e Produtividade (UFRGS), Marketing (ESPM/RJ), Direito Civil e Direito do Trabalho (UA), tendo obtido o título de Mestre em Administração pela UFMG. Diretora da Associação Comercial do Amazonas atua na promoção da qualidade em nível local e nacional, mediante desenvolvimento e implantação de projetos e apoio a instituições renomadas na área.

Acompanhe a sua entrevista realizada no inicio de agosto, à distância.

Como você percebe os impactos e consequências da Covid-19?

O reconhecimento da Covid-19 como pandemia levou a tomada de medidas universais, que trataram de forma igual, desiguais, e, por via de consequência, levaram a resultados, por vezes, inadequados. O Brasil, país de dimensões continentais, possui diferenças entre suas regiões que vão para além das condições climáticas; há realidades diferentes com estágios civilizatórios igualmente diferentes. Por sua vez, considerando a quantidade de recuperados e, dentre eles, vários acima de 80 anos, uns até com mais de 100 anos; considerando ainda os tratamentos médicos adotados que estão mostrando-se eficazes, percebe-se existirem condições de administrar o grau de letalidade dessa enfermidade. Contudo, a situação precária da saúde no nosso país (que vai da inexistência de infraestrutura hospitalar, de medicamentos até de elementos humanos qualificados tecnicamente e preparados emocionalmente), aliada a um momento político tumultuado não permitiu uma convergência de ações, que, no mínimo, permitiria uma travessia menos traumática. As consequências sinalizam para uma revisão da forma de organização da sociedade, onde a família – instituição quase extinta – volta a ter importância, como porto seguro do indivíduo, e o trabalho, desenvolvido com menos interação social na organização, deverá apresentar níveis mais elevados de produtividade, impondo uma revisão das estruturas organizacionais.

O que fazer no curto prazo, afora as medidas já tomadas para atenuar o impacto econômico, empresarial e social?

O Brasil tem muitos fatores a afetar o seu desempenho econômico, empresarial e social e, dentre eles, um dos que considero bem grave pela proporção que vem tomando por estar, a um só tempo, impactando negativamente o equilíbrio das contas governamentais e a saúde financeira das empresas, é a falta de segurança jurídica, que compromete o ambiente de negócios. A mídia vem noticiando restituição de créditos tributários a grandes organizações, em valores que alcançam a casa dos milhões, e que resultam do uso de bases ilegais para o cálculo dos impostos, porque são inconstitucionais. A obrigatoriedade a que estão sujeitas as empresas de recorrer ao Judiciário para defender o seu direito de não recolher imposto em valores acima do que é devido, especialmente quando a matéria já foi apreciada de forma favorável aos contribuintes pelos Tribunais Superiores, é uma violação aos direitos, retira das empresas recursos que, em alguns casos, estão sendo necessários à sua sobrevivência, especialmente no momento em que vivemos. Há necessidade urgente de que o Poder Legislativo, em todos os níveis governamentais, não se permita propor e/ou aprovar leis que violem direitos de pessoas físicas ou jurídicas e, sobretudo, disposições constitucionais. Em paralelo, cabe à Administração Pública, nas três esferas governamentais, reavaliar seus procedimentos e sistemas, procedendo a alterações naquilo que estejam em desacordo com a legalidade, sobretudo quando esta já foi declarada em Tribunais Superiores em benefício de alguns contribuintes, porque poucas são as empresas que podem recorrer em função do tempo e recursos demandados. Por sua vez, o Judiciário não pode se permitir a contribuir para uma desorganização da sociedade, indo contra a sua finalidade. Como aceitar mudanças de posicionamentos judiciais, sem que tenha havido alteração dos fatos ensejadores daqueles? Como aceitar decisões diametralmente opostas para situações análogas? Certamente justificáveis por resultarem mais de percepções individuais e menos de parâmetros universais previamente definidos. Todos esses descompassos revelam uma sociedade com nível civilizatório incipiente. À medida em que se consolida uma consciência crítica da realidade nacional, a busca do alcance de um novo estágio civilizatório é medida que se impõe.

Como a qualidade e a gestão podem ajudar para saída da crise?

Não consigo ver nenhuma saída da crise se não for pela porta larga da gestão e da qualidade e não tem nada a haver com a minha paixão por essas áreas. De tudo que causou de negativo, há um mérito a atribuir-se à COVID-19. Ela expôs, em nível mundial, as limitações das sociedades, a capacidade de seus dirigentes de efetuarem ou não a redução sociológica necessária à implementação de medidas voltadas ao seu combate. O Brasil, de imediato, revelou na saúde, a inexistência da prática de coleta de dados, consolidação e transformação daqueles em informações para subsidiar as decisões. A transferência para os governadores das ações de combate a COVID-19 mostrou gestores que não conseguiram dar aos recursos recebidos o destino que legalmente lhes competia em função de desvios ocorridos ou de aplicação indevida; mostrou investimentos em produtos inadequados (como respiradores impróprios); mostrou a incapacidade de diagnóstico e estudo da situação refletida em planejamentos que não chegaram à fase de implementação. À medida que os recursos tornam-se escassos, que a tecnologia alcança patamares elevados, estamos falando de 5 G, e a sociedade deixa de ser reflexo, assumindo consciência própria, a implantação de tecnologias gerenciais é condição essencial à operacionalização de toda organização, privada ou pública. A sociedade em todo o mundo espera ansiosa pela descoberta de uma vacina, que possa fazer frente a essa enfermidade. Contudo, se a vacina é o antídoto que protegerá as pessoas, o que usar para proteger as organizações e garantir a sua sobrevivência? Para estas, há uma diversidade de ferramentas e metodologias de graus e complexidade diferentes, dentre as quais destaco o Ciclo PDCA, que apresentando quatro fases, encerra, numa visão simplista, a arte de gerir, consistindo em: planejar (P) – executar (A) – controlar (C) e agir corretivamente (A). Numa leitura moderna, com a ideia do aprendizado (learning) presente na última etapa do ciclo tem este sido referido como PDCL. Quando a vacina para COVID-19 for aprovada, a sociedade estará protegida para aquele vírus; mas mantidas as estruturas organizacionais sem adoção de procedimentos de gestão e de qualidade, o mundo continuará fragilizado e a economia com risco de colapso. O mundo das organizações evidencia que para algumas delas (poucas), que já adotavam essas práticas de gestão e qualidade, os impactos da pandemia até aconteceram, mas longe de parecer tsunami, configuraram uma marola.

Sempre dizemos que o Brasil é o país do futuro: Isso pode acontecer algum dia? Quando? Como será possível?

Realmente o estágio de desenvolvimento do Brasil nunca foi compatível com a riqueza que existe em seu território, tampouco com os talentos humanos, que se destacaram em sua história, em vários segmentos. O movimento da qualidade iniciado na década de 90, pela sua abrangência e estruturação, permitiu, entre outras, grandes realizações como: Programa Brasileiro da Qualidade e Produtividade – PBQP, Movimento Brasil Competitivo – MBC, Gespública, Fundação Nacional da Qualidade – FNQ, Prêmio Nacional da Qualidade – PNQ e Prêmio Nacional de Gestão Pública – PQGF, cujas contribuições ao desenvolvimento do país não fazem jus a queda dos níveis de produtividade e qualidade que o Brasil vem apresentando ao longo da última década. A possibilidade de mudança só depende da decisão da sociedade e principalmente daqueles que tem o privilégio de estarem no seu comando (nas esferas executiva, legislativa e judiciária). Comprovando o afirmado, menciono a história recente de Singapura. O que fez aquela pequena cidade portuária, em uma ilha sem recursos naturais, transformar-se em um dos mais ricos centros mundiais? A decisão de seu primeiro-ministro, o advogado, Lee Kuan Yew, em 1965, de construir uma nação meritocrática e multirracial; de investir em educação, criando novas gerações de profissionais altamente qualificados, e de oferecer incentivos a empresas e investidores estrangeiros para transformá-la em um polo industrial. Resultado: de 1960 a 1980, o PIB per capita de Cingapura aumentou 15 vezes e ela se tornou um centro financeiro global, reconhecido por ter um dos melhores ambientes de negócios.

Que conselho você daria a um jovem que está trabalhando e passa a viver esta situação de crise.

Numa perspectiva macro, de país, faria lembrar (conhecer talvez) a situação do Japão pós-guerra. Um país dizimado não apenas materialmente, mas também com uma população física e emocionalmente abalada, que ressurgiu das cinzas a partir da implantação dos princípios e da gestão da qualidade, vindo a tornar-se mais tarde uma potência mundial. Numa perspectiva micro, convidaria a conhecer a história da marca McDonald’s a partir dos seus criadores: os irmãos Richard e Maurice McDonald, que em plena recessão, por volta de 1937, desconhecendo a crise mundial, perceberam que as pessoas que trabalhavam nos estúdios cinematográficos possuíam pouco tempo para fazerem refeições e tiveram a ideia de oferecer hambúrgueres, servidos de minuto a minuto, embrulhados em papel, num atendimento direto pelo cozinheiro, sem garçons e a um preço baixo. Em outras palavras, diria para não pensar em crise, identificar uma habilidade em si que vá ao encontro de uma necessidade social a ser satisfeita, preparar-se para atendê-la da melhor forma possível e o sucesso tenderá a ser a consequência inevitável, tornando-se companheiro se, durante a jornada, lutar para se tornar o melhor dos melhores (dantotsu).

Este artigo expressa a opinião dos Autores e não de suas organizações.

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