Acadêmico Carlos Amadeu Schauff

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Recuperação do Brasil Pós COVID-19

 

Acadêmico Carlos Amadeu Schauff é Diretor Técnico e membro fundador do IPEG. Membro e Consultor Técnico da ABES para o PNQS. Sócio-Diretor da Compumax – software e consultoria em gestão. Relator de modelos de excelência para a gestão – MEG®20, MEGSA, Inovação em Gestão, Eficiência Operacional e Superação de Crise. Examinador, instrutor e juiz de prêmios de gestão. Foi consultor do Banco Mundial para gestão do saneamento. Foi analista e gerente de planejamento na IBM. Foi Professor do Colégio Técnico UNICAMP, PUC-Campinas e FGV. Bacharel em Ciência da Computação UNICAMP com pós em Administração.

 

Acompanhe a sua entrevista realizada na 2ª quinzena de julho, à distância.

 

Como você percebe os impactos e consequências da COVID-19?

Os impactos mais superficiais e evidentes, bem ou mal, foram identificados e alguns endereçados – como na saúde, economia e logística/mobilidade. Na minha opinião, no entanto, há um impacto mais profundo e grave, fora do radar dos governantes, da mídia e da grande maioria dos políticos – a interrupção da educação de milhões de  crianças e jovens que construirão nosso futuro.

Na pesquisa da CETIC  de 2019 – TIC domicílios – 59% das crianças brasileiras – classes D e E – não tem acesso à internet e muitas nem têm ambiente para estudar remotamente. Na zona rural, onde a escola naturalmente é mais longe,  44% dos domicílios não tem internet. Some-se a isso, o fato de uma família com “n” crianças em idade escolar precisaria de “n” computadores conectados. Ou seja, um contingente gigantesco de cérebros, já maltratados pelas nossas estruturas  e políticas educacionais e desigualdades, colocados em “hold”.  Tenho a impressão que o arrasto causado no nosso desenvolvimento pode ser muitas vezes pior que o atraso econômico. No 1º mundo esse problema se revelou contornável pela riqueza de megabits por segundo por habitante. Não tenho dúvidas de que os países pobres nesse recurso terão, como consequência, a sua produtividade muitas vezes mais afetada do que os ricos. Andaremos para trás mais alguns degraus, comparado com o 1º mundo, se nada for feito para compensar. E precisa ser rápido.

 

O que fazer no curto prazo, afora as medidas já tomadas, para atenuar o impacto econômico, empresarial e social?

Para o curto prazo, creio que o mais importante seria agilizar a implantação de protocolos de segurança para abertura de escolas rapidamente e ao mesmo tempo, esticar o orçamento de guerra para conectar aceleradamente grandes contingentes de crianças de classes menos favorecidas à educação remota. É complexo, mas parece viável. Ajudaria a recuperar o atraso e mudaria o patamar do ensino logo adiante.

Recentes dados divulgados pelo IBGE mostram que das nossas 50 milhões de pessoas entre 14 e 29 anos, dez milhões não terminaram a educação básica. Temos 11 milhões de analfabetos.

As classes A e B sempre contornaram e continuam contornando as deficiências e crises na educação do próprio bolso. Sabemos que não haverá economia próspera e paz social se nosso futuro fica fora da escola.

Em 1974, eu fui lecionar no colégio técnico da Unicamp, aos 19 anos para pagar minha pensão em Campinas – o paizão poderia bancar, mas como agricultor imigrante alemão, não achava certo um marmanjo naquela idade não se sustentar. Nessa época, quem sabia a diferença entre bit e byte era laçado para ensinar processamento de dados. No giz, quadro-negro e cartões perfurados nas madrugadas ociosas do IMECC, vi como dezenas de jovens humildes de 16 a 18 anos, aprovados nos concorridos exames de admissão do colégio público, mudaram a vida de suas famílias trabalhando na área de TI. Ou seja, é mais provável que mudemos a realidade por meio da prioridade na educação e tecnologia em qualquer circunstância, quanto mais agora.

 

Como a qualidade e a gestão podem ajudar para saída da crise?

Eu acredito que a arte de gerir é primordialmente a de eleger prioridades, com qualidade. Em tempos de crise, torna-se mais crítico e difícil fazer escolhas – decidir. Podemos aplicar os modelos e metodologias, que são commodities, mas a “liderança” e a “decisão factual” – incluo aí a experiência humana como um fato – preconizados pelos modelos e metodologias, têm papéis essenciais.

O método Delphi, por exemplo, aplicado para tratar problemas complexos durante crises, unindo a experiência e informações, não funciona se a busca consenso for com inexperientes e, se ainda por cima, forem líderes prepotentes, será um desastre.  Daí, fica evidente que a importância da máxima de Collins – “primeiro quem” e depois “o quê”. Montar um time decisório de primeira linha é a parte difícil, onde os acertos têm que suplantar muito os inevitáveis deslizes.

O Método de Ishikawa já me demonstrava o uso da máscara como a medida coletiva #1 no anúncio da pandemia, de primeira hora, no entanto, custou semanas para os “especialistas” chegarem ao consenso sobre esse óbvio. Essa lacuna de liderança continua a se evidenciar no Brasil, crise após crise.

Qualidade da liderança é um entrave para o País e deve ser prioridade da nossa ABQ endereçar esse tema sempre que possível.

 

Sempre dizemos que o Brasil é o país do futuro: Isso pode acontecer algum dia? Quando? Como será possível?

O Brasil tem tudo por fazer e sempre foi e será um continente de oportunidades. Precisamos promover reformas contundentes contra as causas-raízes das desigualdades, promovendo a justiça social. No sistema democrático, com baixos índices educacionais e programas atuais, isso é muito lento. Essas reformas dependem da capacidade de identificar, atrair e eleger líderes transformadores, baluartes da ética, que pensem nas futuras gerações.

Alguma vez já viram um político no Brasil se referir obstinadamente sobre a importância do legado para as gerações futuras? Essa capacidade de escolher líderes transformadores, por sua vez, depende do discernimento dos eleitores, que é resultado da educação de qualidade. No entanto, tenho esperança que a tecnologia digital venha a se tornar um grande acelerador desse processo na próxima década. Se isso ocorrer creio que haverá bem poucos jovens sem oportunidades em 20 anos.

 

Que conselhos você daria a um jovem que está trabalhando e passa a viver esta situação de crise?

Eu daria esses conselhos: Faça seu trabalho com qualidade, procurando acertar da primeira vez, para isso procure saber o que é certo, não tente adivinhar ou achar que já sabe. Dê um jeito para completar seu ano letivo ou retomar seus estudos interrompidos, peça ajuda. Leia livros e artigos sobre sua profissão. Aprenda jogar xadrez ou sudoku. Estude também uma língua estrangeira para estimular sua inteligência emocional. Abra-se e agradeça qualquer crítica, elas podem torná-lo um profissional melhor, admirado e preferencial. Invista seu tempo em ler muito e ver e ouvir documentários. Reapareça com novas habilidades. Isso vai passar.

Eu ainda contaria uma historinha para o jovem: Minha mãe Marie Jeanne, aos 16 anos entrou na resistência belga por 5 anos, após a invasão nazista. Viu amigos desaparecerem, sofreu bombardeios que sugavam ar dos abrigos, foi interrogada pela Gestapo 2 vezes e salvou-se por falar alemão com perfeição, o que não é comum na Bélgica. Ela chegou ao Rio em 1947 como intérprete pela ONU, virou pioneira no norte do PR, atravessou todas as crises brasileiras, passou por 2 quimios e 5 cirurgias difíceis. Em 2015, aos 92 anos, quando ainda trabalhava home office como astróloga – nunca quis aposentadoria -, no auge da crise econômica, disse para seus jovens e preocupados netos, alguns deles desempregados: “isso não é nada, não é uma guerra, vai passar e no fim vai dar tudo certo”. Lembrei-me do “Paradoxo de Stockdale”. Despediu-se em 2019.

Este artigo expressa a opinião dos Autores e não de suas organizações.

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