quinta-feira, abril 18, 2024

Gerdau: 120 anos de história

A Gerdau completou 120 anos no dia 16 de janeiro. É um orgulho para nós brasileiros e uma grande conquista para a empresa que é a maior companhia brasileira produtora de aço. E com atuação internacional em 10 países. O Presidente da Academia Brasileira da Qualidade – Eduardo Guaragna – entrevistou o Acadêmico Jorge Gerdau Johannpeter que atuou no Grupo por mais de cinco décadas e que gentilmente respondeu a perguntas elucidativas que mostram que o sucesso vem com muita determinação, fundamentado em valores, nas pessoas e no trabalho com foco no respeito à sustentabilidade e todas as partes interessadas.

 

Confira abaixo!

1. Como a Gerdau teve início e que tipo de produtos oferecia?

 A Gerdau nasceu em 1901, mas a origem empresarial vem do nosso bisavô, João Gerdau, que foi quem fundou a fábrica de pregos naquele ano. João Gerdau imigrou como comerciante para o Brasil em 1869, entrando pela cidade de Rio Grande (RS) e se estabelecendo primeiro na cidade de Agudo (RS). De Agudo foi para Cachoeira do Sul, sempre exercendo a profissão de comerciante e, em 1900, veio à Porto Alegre e adquiriu a fábrica de pregos. É interessante que sua formação cultural sempre teve uma visão empresarial. Ele tinha um irmão que foi diretor do grupo Haniel, o maior aglomerado industrial da Alemanha da área de trading e produção siderúrgica de equipamentos, caminhões, entre outros. Esse irmão o estimulou para que os filhos na Alemanha adquirissem uma boa bagagem cultural, o que também influenciou as netas de João Gerdau, filhas de Hugo Gerdau. Na época, eles tinham uma casa em Hamburgo, na Alemanha, para possibilitar que as filhas estudassem em um dos melhores colégios locais. Consequentemente, todas tiveram uma base cultural importante, considerando-se as limitações de estudos para mulheres em Porto Alegre no período.

Em 1901, João e seu filho Hugo Gerdau deram início à fabricação de pregos, um produto que vendia muito não apenas na região sul do País, mas em todo território nacional. A matéria prima era arame que, devido à dificuldade para conseguir insumos, principalmente durante a 2ª Guerra, necessitava de licença para importação. O fato trouxe como oportunidade a compra da siderúrgica Riograndense em 1948.

A entrada do nosso pai, Curt Johannpeter, ao negócio foi decisiva para as futuras expansões. Curt era diretor-inspetor do Banco Alemão Transatlântico, subsidiária do Deustche Bank para toda a América Latina. Mesmo depois de casar-se com dona Helda, em 1930, ele seguiu com a profissão de banqueiro e, com isso, desenvolveu uma visão internacional extremamente expressiva, que fez com que, ao entrar no negócio da fábrica de pregos, tivesse a estratégia de se tornarem autônomos em termos de matéria-prima. A iniciativa ocorreu antes de 1950, sendo um passo decisivo na nossa estruturação dentro do ramo da siderurgia. Esse processo foi feito pelo Sr. Curt Johannpeter junto com dois executivos, Waldomiro Schapke e Roberto Nickhorn.

No processo de crescimento, houve mudanças estruturais como a separação dos sócios. Naquele momento, o passo foi importante para potencializar e criar um negócio no segmento de siderurgia.

2. Qual é a importância da qualidade para o sucesso da Gerdau? Como foi esta descoberta da qualidade?

Nós conhecemos o professor Vicente Falconi antes de ele entrar na atividade de gestão e do processo de qualidade total. Por meio da Universidade Federal de Ouro Preto, na qual o professor Falconi era docente e lecionava metalurgia, ele nos proporcionou consultoria no campo da metalurgia voltada para a Siderúrgica Riograndense. Além do mais, naquela época, ele começou a ter contato com o tema da gestão e da qualidade total com o Japão.

Suas primeiras viagens na busca de informação e pesquisa de estruturação foram acompanhadas por nossos engenheiros. Desse modo, tivemos uma oportunidade ímpar de começar a estruturar os conceitos,  praticamente simultaneamente.

Isso teve uma influência enorme na evolução geral da Gerdau porque o conceito básico do sucesso das empresas passa pelo domínio dos processos. Assim, nós criamos uma cultura de qualidade que foi, indiscutivelmente, um dos principais fatores de crescimento e desenvolvimento. O domínio dos processos é o que possibilita a segurança da qualidade e produtividade. Isso exigiu de nós também investimento e preparação das equipes.

Ressalto que nosso processo com o controle e a gestão da qualidade foi o que garantiu o sucesso dos nossos empreendimentos. Após trabalhar com várias consultorias, tivemos muitos resultados significativos. Ainda hoje desfruto da minha relação de amizade com o professor Falconi por conta dos muitos trabalhos que acontecem em parcerias com a Falconi Consultores e o MBC (Movimento Brasil Competitivo).`

 

3. Quais foram os principais aprendizados que levaram a Gerdau a crescer e a se posicionar competitivamente no mercado nacional e internacional?

Nosso maior aprendizado foi que tudo gira em torno de pessoas. Valorizar e investir nas pessoas foi o nosso maior aprendizado.

O período de regionalização contou com aquisições e implantações que fizemos no Nordeste e Sudeste do Brasil. Com a expansão, a companhia passou a ter uma rica diversidade de pessoas e culturas. A integração cultural contribuiu para desenvolvermos ainda mais os negócios. Ao mesmo tempo, a abertura progressiva das atividades para o mercado internacional foi um marco na liderança da quarta geração da Gerdau com os irmãos Germano, Klaus, Jorge e Frederico. Continuamos a crescer, ganhamos eficiência e nos capacitamos para atuar no plano internacional, explorando oportunidades fora do Brasil.

Outro fato decisivo, foi a abertura de capital das empresas, pois como a siderurgia é uma atividade de “capital intensivo “,  foi necessário buscar o apoio do mercado financeiro para construir o Grupo.

O primeiro passo em direção ao mercado acionário havia sido dado em 1947, com a transformação da Fábrica de Pregos Hugo Gerdau em sociedade anônima e com o seu registro na Bolsa de Fundos Públicos de Porto Alegre. Mas foi em 1962 que a união acabou sendo selada. Nesse ano a Deltec, via fundo Crescinco, subscreveu 14% do capital da Riograndense e da Metalúrgica Gerdau em ações preferenciais e um ano depois a Siderúrgica Riograndense começava a pagar dividendos. Era a abertura oficial do grupo para o mercado de capitais.

Em 1967, a Metalúrgica Hugo Gerdau, como sociedade de capital aberto, fez o primeiro lançamento público de ações nas bolsas do Rio de Janeiro e de São Paulo. Nos anos seguintes, as demais unidades siderúrgicas e a Seiva também abriram o capital e promoveram o lançamento de suas ações. Em 1980, o Grupo Gerdau tinha cinco empresas abertas com ações negociadas em bolsa. Já em 1999 a Gerdau se torna uma das primeiras empresas brasileiras a negociar ADRs na bolsa de Nova Iorque.

No plano internacional, foram adquiridas operações no Canadá, Argentina, Estados Unidos, México, entre outras, além das nossas ações, que passaram a ser listadas em Nova Iorque (NYSE) e Madri (Latibex). Em resumo, acredito que aprendemos, desaprendemos e reaprendemos a empreender, persistir e, especialmente, focar em ações voltadas ao desenvolvimento do negócio e de nossas equipes. Procuramos inovar mesmo em momentos complexos e decisivos e empregamos os esforços necessários para buscar as soluções necessárias em meio aos desafios que nos são impostos ao longo do tempo

 

4. Arie de Geus e sua equipe de estratégia na Shell investigaram na década de 80 o que levava as organizações a serem longevas. Identificaram 5 fatores comuns a elas: 1. Tinham elevada adaptabilidade ao ambiente e a mudanças, 2. Eram tolerantes a novos experimentos e possibilidades de novos negócios, 3. Tinham pessoas e equipes que formavam um núcleo duro coeso aos valores da empresa, 4. Apresentavam rigidez financeira oportunizando compra de ativos no tempo certo, 5. Tinham uma formação de líderes e sucessores internos nos valores da organização. A Gerdau é uma empresa longeva. Na sua percepção que fatores mencionados se destacaram no grupo Gerdau na sua história?

Foi uma enorme vantagem para nós quando o senhor Curt Johannpeter, após a 2ª Guerra Mundial  entrou no negócio, ao compararmos com outros grupos empresariais. Sua visão internacional realmente nos possibilitou a ter uma série de fatores que integram a competência e capacidade de crescimento da companhia.

Por questões de crescimento de valores, bem como o crescimento do negócio, podemos afirmar que a explicação está na base cultural estabelecida pelos nossos pais, Curt e Helda. A educação e formação da nossa mãe foi decisiva. Como Sr. Hugo não teve filhos, as filhas tiveram a oportunidade de ter uma vivência muito próxima da operação de uma empresa. E a entrada do Sr. Curt, que apresentava vivência internacional, principalmente no campo financeiro e/ou gestão administrativa e de recursos humanos, pois somou para que pudéssemos ter uma política de crescimento.

Porque nós conseguimos crescer depois deste primeiro passo:

Naquela época, nossa preocupação com a Siderúrgica Riograndense era de que éramos pequenos em relação ao nosso principal concorrente.

Nós operando no Rio Grande do Sul, com o mercado limitado e a uma distância geográfica considerável em relação aos principais mercados, nos preocupava em ter capacidade competitiva. A concorrência nos motivou a sair do Rio Grande do Sul e tentar construir usinas e posições no mercado nacional. Dessa forma, fomos crescendo gradativamente: primeiro em Recife, depois nos estados do Paraná, Rio de janeiro e assim por diante. Esse processo nos trouxe uma amplitude em termos de crescimento estratégico. Dentro de uma filosofia empresarial de crescimento, que visa competitividade, eu diria que desde sempre procuramos trabalhar com patamares de benchmarking, competitividade e eficiência total. Tal exigência é um legado que o Sr. Curt nos deixou. A cultura, que veio dos nossos pais, incorporou-se fortemente entre os quatro irmãos. Por meio de nosso trabalho, e ainda com a participação de dois executivos que se destacaram no decorrer do processo a níveis nacional e internacional, foram eles, o Srs. Carlos Petry e Luis Pedó, foi possível formar um “Comitê Executivo” de seis membros no qual cada um dos irmãos assumiu uma área de responsabilidade. Germano liderava a área comercial; Klaus comandava a área industrial; Frederico ficou responsável pela área administrativa/financeira; e eu assumi a coordenação global, principalmente, relações institucionais. Além disso, supervisionei as relações de planejamento estratégico, bem como de recursos humanos, o que nos possibilitou assumir riscos no cenário internacional. A primeira aquisição do Grupo Gerdau no exterior foi a LAISA, no Uruguai, em 1981.

Nós sempre trabalhamos nos preocupando com nossos valores. Nosso pai trouxe para dentro da empresa pilares éticos financeiros e respeito por todos – colaboradores, clientes, acionistas, fornecedores, comunidade etc. São valores culturais que formaram a base ética da Gerdau, e que nos deu condições de crescimento e que são, até hoje, altamente valorizados dentro da estrutura da empresa. Com as lideranças que foram criadas, conseguimos formar uma equipe excepcional de profissionais. Desde muito cedo, o Sr. Curt tentou transformá-los em acionistas, instituindo a cultura da remuneração variável, possibilitando incentivos aos executivos e instigando o aprimoramento de suas funções. As práticas não eram consideradas comuns na época e foram instituídas a partir dos anos 50.

A Gerdau sempre buscou por benchmarking, em termos de gestão de tecnologias, operação industrial e melhores práticas no setor siderúrgico etc. Fomos buscar as melhores tecnologias mundo afora e pudemos contar com o apoio do Professor Falconi, de forma decisiva.

Atualmente, existem conceitos consolidados sobre a satisfação de todos os stakeholders,  além do respeito por aspectos ambientais e sociais. Desde o começo de minha carreira, essa forma de pensar foi colocada de uma forma muito forte. Hoje, trabalhamos com uma palavra que já desenvolvíamos há 30 ou 40 anos: sustentabilidade. Seja nos âmbitos econômico, social ou ambiental. A política social sempre foi importante em relação a todos os nossos operários, por exemplo, apoio no campo da saúde e financeiro, que não eram muito comuns naquela época. Essas práticas sempre propiciaram um ambiente de trabalho mais agradável. Há muitos anos, a Universidade de Harvard (EUA) já defendia o conceito da sustentabilidade, seja econômica ou política como itens decisivos na formação de uma empresa e, principalmente, para o País.

Dentro dos Recursos Humanos, o balanceamento de conjugar a competências técnicas e humanas é fundamental. Eu gostaria de mencionar que, nessa relação de trabalho dos irmãos, nós atuamos intensamente com o espírito de equipe e harmonia. Nós éramos os 4 irmãos mais os 2 executivos, e tínhamos as funções de controladores. Formamos um sistema de board bem definido para debater as estratégias. Desde cedo, estudávamos e, no período das férias, trabalhávamos na fábrica para que tivéssemos uma capacidade de conhecimento em termos de relacionamento humano, incorporado ao nosso dia a dia com muita naturalidade.

Hoje, o negócio é liderado pela 5ª geração da nossa família, que continua trabalhando com os mesmos valores e com conceitos de profissionalismo cada vez mais acentuados. Somos uma empresa diferente, mas com a mesma essência. Eu diria a Gerdau atua com uma visão de futuro que se adequa às novas tecnologias e alcança com resultados significativos. Para algumas estratégias especificas, buscamos parceiros especializados, como para pesquisa de materiais e comercialização eletrônica. Sabemos, claramente, que manter o que já foi alcançado exige novas medidas, novos passos, planejamento, modernização em todos os sentidos. E, assim, eu acredito que essa seja a peça-chave que pode nos assegurar o futuro.

 

5. Quais os principais desafios da Gerdau para os próximos anos?

Nós estamos trabalhando intensamente para estar na lista dos melhores produtores, menores custos, melhores índices de eficiência e produtividade do mundo, sempre tendo o benchmarking como o nosso guia. Também seguimos com fortes investimentos em modernização nas nossas operações industriais.

O cenário mundial é bastante complexo. No setor de aço temos um concorrente fortíssimo que é a China. As políticas das estatais chinesas têm como prioridade a geração de empregos, deixando de lado outros valores importantes, segundo nosso entendimento. Estou bastante otimista e confiante de que a Gerdau, assim como conseguiu chegar nos seus 120 anos com plena vitalidade e continuidade, baseada em conceitos de gestão e valores de sustentabilidade, seguirá cada vez mais sólida rumo ao futuro. O que me traz essa confiança diz respeito a esses pilares citados anteriormente: respeito a todos os seus públicos, busca de inovação e procura contínua pelas melhores práticas.

Hoje a quinta geração, representada pelos tetranetos Claudio, André e Guilherme, participa do Conselho de Administração, com atividades especificas fora da operação executiva. O CEO Gustavo Werneck, também membro do Conselho, tem uma vasta carreira na Gerdau  e é o primeiro CEO não membro da família. Além do Werneck, temos 4 ou 5 Conselheiros externos que nos apoiam nas decisões estratégicas.

Os desafios dessa atual gestão continuam mantendo uma filosofia histórica e de respeito aos valores básicos, além do desafio de ajustar a empresa às novas tecnologias tendo-se criado também o núcleo de novos negócios. Com estrutura específica nesse sentido, inclusive com uma unidade na Califórnia.

Agradecemos ao amigo Jorge Gerdau pelo brilhante depoimento e desejamos que a Gerdau continue sendo uma das melhores referencias como empresa, um exemplo a ser seguido. Vida mais longa e de sucesso ao Grupo.

Este artigo expressa a opinião dos Autores e não de suas organizações.

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