Vivaldo Antonio Fernandes Russo[1]
Ettore Bresciani Filho[2]
1. Considerações iniciaisEste trabalho é parte integrante de um projeto de estudos e pesquisas, conduzido pelos autores, sobre os conceitos de desigualdade, exclusão social, inclusão social, pobreza, qualidade de vida e felicidade, e seus relacionamentos com a renda da população e, ainda sobre as características das métricas adotadas para as suas respectivas avaliações (BRESCIANI & RUSSO, 2017; RUSSO & BRESCIANI 2018a,b; RUSSO & BRESCIANI, 2019a,b; RUSSO & BRESCIANI, 2020). O combate à pobreza é o principal desafio para o processo de inclusão social e, portanto, uma questão de Governo. Para tanto é vital lançar mão de índices socioeconômicos para acompanhar as políticas públicas de combate à pobreza. Ao analisar a distribuição de renda de uma população definimos um valor de renda conhecido como linha da pobreza e todos com renda igual ou inferior a esse valor são considerados pobres. Muitos acreditam que o combate à pobreza é tão importante que a luta contra a desigualdade de renda é irrelevante. Mas, não é bem assim. A redução da pobreza se consegue através do crescimento econômico, porem isto, se constata, é muito demorado. O ideal é sincronizar crescimento com redução da desigualdade para antecipar os resultados esperados. O objetivo deste trabalho é reunir um conjunto de índices que possibilitam verificar se as ações para a redução da pobreza estão trazendo os resultados esperados.
2. Determinação dos índices socioeconômicosUm índice é composto de vários indicadores. Para ser escolhido é preciso que seja publicado regularmente, de preferência anualmente, e obtido de fontes confiáveis, internacionalmente aceitas. Além disso, a determinação de índices para uma dada estratégia – no caso estratégia de redução da pobreza – requer também um critério que associa os índices à gestão da estratégia. Kaplan & Norton (2018) ao montar os fundamentos da ferramenta de gestão empresarial denominada “Balanced Scorecard” (BSC) apresentam quatro perspectivas para escolha dos índices e indicadores, ou seja, perspectiva dos clientes, dos processos internos, financeira e da inovação e do aperfeiçoamento. Vamos adaptá-las para o nosso caso da gestão pública. a) Perspectiva dos clientes Com relação a clientes, estamos falando da própria população do país em questão. Escolhemos o índice de felicidade relacionado à satisfação com a vida medida por uma escala de 0 a 10 chamada Escada de Cantril. Os valores extremos da escala, também conhecidos por ancoragens, são definidos pela própria pessoa entrevistada. O nível 10, atribuído ao degrau mais alto da escada, corresponde à melhor qualidade de vida possível para o entrevistado, e, consequentemente, o nível 0, atribuído ao degrau mais baixo da escada, corresponde ao pior nível de qualidade de vida possível para ele ou ela. Então, faz-se a pergunta “em qual degrau da escada você, pessoalmente, sente estar neste momento?”. A aplicação da pergunta a uma amostra da população de um país permite estimar um índice de qualidade de vida médio nacional (CANTRIL, 1965). Este índice é interessante porque é extraído diretamente do próprio indivíduo através de entrevista. b) Perspectiva dos processos internos Os processos internos, no caso, são as políticas públicas. Daremos ênfase à sincronização do combate à pobreza com a desigualdade de renda. Adotamos, como índices, a proporção de pobres na população e seu índice de Gini para a distribuição de renda. O Banco Mundial classifica os países em quatro grupos conforme a Renda Bruta Nacional per capita: a) baixa renda (995 dólares per capita ou menos em 2017) como Etiópia, Uganda, Senegal, etc.; b) renda média baixa (996 a 3895 dólares per capita em 2017) , como Bolívia, Gana, Nigéria, Índia, etc.; c) renda média alta (3896 a 12055 dólares per capita em 2017), como Brasil, China, Turquia, Malásia, etc.; d) alta renda (12056 dólares per capita ou mais em 2017), como Estados Unidos, Canadá, Alemanha, Espanha, etc. A linha de pobreza extrema de valor correspondente a 1,90 dólares por pessoa por dia é considerada para todos os grupos. Porém, outros valores foram adicionados para definir novas linhas de pobreza. O valor de 3,20 dólares por dia para a linha de pobreza do grupo de renda média baixa; 5,50 dólares por dia para o grupo de renda média alta e 21,70 dólares por dia para o grupo de alta renda, todas elas gerando sua respectiva proporção de pobres em percentagem (%). O índice de Gini é uma medida numérica de desigualdade de renda, variando de “0” (situação onde não há desigualdade) e “1” ou 100% (desigualdade máxima, ou seja, toda a renda apropriada por um único individuo). Sem entrar em detalhes, o Gini é determinado a partir da chamada curva de Lorenz que é uma das maneiras de representar a distribuição de renda. c) Perspectiva financeira Em se tratando da perspectiva financeira, escolhemos, para cada país, o PIB per capita e a dívida pública como percentagem do PIB. O Produto Interno Bruto (PIB) é a soma dos valores de mercado monetários de todos os bens e serviços produzidos no país em um determinado ano, por empresas locais nacionais ou estrangeiras. Escolhemos o PIB nominal calculado pela taxa de conversão da moeda que obedece a critérios políticos e o PIB com Paridade de Poder de Compra (PPC) corrente. Este último é calculado como se o PIB do país fosse produzido e comprado no país da moeda referência, no caso, geralmente o dólar norte-americano. O PIB per capita resulta da divisão do PIB pelo número de habitantes do país. A dívida pública é resultante da diferença entre os investimentos feitos no ano com a eventual poupança que o Governo – representado por todas suas esferas – tenha conseguido após utilizar suas receitas para pagar suas despesas correntes do mesmo ano. O tamanho da dívida pública em relação ao PIB é importante pois reflete a maior ou menor dificuldade do Governo financiar seus programas, incluindo aos relacionados ao combate à pobreza. d) Perspectiva da inovação e do aperfeiçoamento. Finalmente, a perspectiva da inovação e do aperfeiçoamento nos leva a escolher o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e o Índice de Desenvolvimento Humano Ajustado pela Desigualdade (IDHAD). O IDH é composto por três dimensões: vida longa e saudável (saúde); acesso ao conhecimento (educação); padrão de vida decente (renda). Ele varia dentro de uma escala de 0 a 1 sendo quanto maior melhor. Entretanto, o IDH é criticado por não levar em conta, em seu cálculo, o efeito da desigualdade na distribuição de cada dimensão ao longo da população. Assim, foi criado o IDHAD. Quando há perfeita igualdade na população avaliada pelas três dimensões do IDH, temos que IDH igual ao IDHAD. Entretanto, quando há alguma desigualdade na população analisada, temos IDHAD menor que o IDH da população.
3. Determinação dos países referênciasAgora, como exemplo, vamos montar a tabela dos índices socioeconômicos do Brasil, um país de economia emergente. Durante o processo de gestão da estratégia de combate à pobreza, recomenda-se escolher alguns países para usar como referência na análise dos índices. Neste caso escolhemos nove países. Os Estados Unidos por ser a maior potência do planeta e a Alemanha pelo seu protagonismo econômico e tecnológico na Europa. A Argentina e o Chile dois importantes países da América Latina. A China uma potência em ascensão e a Rússia que emerge como alternativa à proposta liberal embora, após ser o berço do comunismo, tenha dele se afastado e adotado o regime econômico capitalista. Escolhemos também o Japão outra potência econômica asiática. Finalmente, definimos a Noruega por ser um exemplo de igualdade de renda e o Irã como representante dos países não laicos. Assim, temos para referência uma boa representatividade dos diferentes matizes socioeconômicos do mundo.
4. Tabela dos índices socioeconômicos para acompanhamento da estratégia de combate à pobrezaOs índices socioeconômicos para acompanhar a estratégia de combate à pobreza no Brasil escolhidos, como exemplo, conforme acima descrito, possibilitam aos gestores controlar o desempenho desta estratégia, pois tais índices avaliam suas perspectivas. Os valores destes índices são vistos na tabela a seguir. Notas: (1) Produto Interno Bruto per capita (em Dólar Americano); Ano: 2018 para todos, exceto Irã 2017); Fonte: Banco Mundial (25.01.20) (2) Produto Interno Bruto per capita com Paridade do Poder de Compra (em Dólar Americano); Ano: 2018 para todos exceto Irã 2017; Fonte: Banco Mundial (25.01.20) (3) Índice de Pobreza (em % abaixo da linha de pobreza fixada em 1,90 Dólar Americano por dia); Ano: 2015 para Alemanha, China, Noruega, Rússia; 2016 para EUA; 2017 para Brasil, Argentina, Chile); Fonte: Banco Mundial (25.01.20) (4) Índice de Gini; Ano: 2015 para Alemanha, China, Noruega, Rússia; 2016 para EUA; 2017 para Brasil, Argentina, Chile; Fonte: Banco Mundial (25.01.20) (5) Índice de Desenvolvimento Humano; Ano: 2018 (Fonte: Nações Unidas) (6) Índice de Desenvolvimento Humano Ajustado pela Desigualdade; Ano: 2018 (Fonte: IDR 2019,UN) (7) Índice de Felicidade (Escada de Cantril); Período: 2016-2018 (Fonte: WHR 2019) (8) Dívida Pública (em % do PIB); Ano: 2018; Fonte: Fundo Monetário Internacional
5. Considerações finaisUma análise superficial da tabela dos índices socioeconômicos de combate à pobreza proposta acima indica que, apesar de elevada desigualdade de renda, a população brasileira desfruta de felicidade compatível com as dos países de referência. Além disso, tem uma significativa proporção de pessoas vivendo na pobreza extrema incompatível com os demais países referências. O IDH do Brasil é relativamente bom, porém é prejudicado pela grande desigualdade de renda como mostra o IDHAD. O potencial de crescimento econômico do Brasil é significativo, porem a alta dívida pública dificulta a implantação de novas políticas públicas. Tendo isso em conta, é provável que o foco especial no combate à desigualdade de renda e a miséria sejam medidas prioritárias. O Brasil já dispõe do programa transferência direta de renda com condicionalidades denominado Bolsa Família. Este programa é complexo, pois envolve as três esferas de Governo, a Federal, Estadual e Municipal, além de necessidade de suporte de instituições privadas. Com isto surgiram alguns obstáculos a serem atacados de imediato. Por outro lado, um plano especial para melhoria do ensino básico certamente contribuiria para fortalecer a transferência indireta de renda através da melhoria do bem-estar social. Finalmente, devemos lembrar que essa análise superficial carece de uma avaliação da série temporal desses índices. Porém, abdicamos propositalmente dessa ideia, pois pretendemos iniciar desta tabela dos índices socioeconômicos o acompanhamento de sua evolução no tempo.
Referências sobre os índicesPIB per capita nominal / PIB per capita com Paridade do Poder de Compra Corrente Whashington (DC): Banco Mundial [https://data.worldbank.org/indicator/ny.gdp.pcap.cd?most_recent_value_desc=true] [https://data.worldbank.org/indicator/NY.GDP.PCAP.PP.CD?view=chart] Pobreza Whashington (DC): Banco Mundial [https://data.worldbank.org/indicator/SI.POV.DDAY] [https://data.worldbank.org/indicator/SI.POV.LMIC.GP] [https://data.worldbank.org/indicator/SI.POV.UMIC] < consulta em 25/01/2020> Índice de Gini Whashington (DC): Banco Mundial [https://data.worldbank.org/indicator/SI.POV.GINI] < consulta em 25/01/2020> Índice de Desenvolvimento Humano / Índice de Desenvolvimento Humano Ajustado pela Desigualdade Human Development Report 2019, New York (NY): Nações Unidas [http://hdr.undp.org/sites/default/files/hdr2019.pdf] < consulta em 25/01/2020> Índice de Felicidade (Escada de Cantril) HELLIWELL, J.F. & LAYARD, R. & SACHS, J.D., World Happiness Report 2019, New York (NY): Sustainable Development Solution Network, 2019. [https://worldhappiness.report/ed/2019/] < consulta em 25/01/2020> Dívida Pública Whashington (DC): Fundo Monetário Internacional [https://www.imf.org/external/datamapper/CG_DEBT_GDP@GDD/CHN/FRA/DEU/ITA/JPN/GBR/USA] < consulta em 02/02/2020>
Referências sobre trabalhos anteriores dos autores:BRESCIANI F., E – RUSSO, V.A.F, Considerações sobre a desigualdade, inclusão e exclusão social: Estudo preliminar sobre desigualdade, inclusão e exclusão social (Relatório de Pesquisa), Academia Brasileira da Qualidade – Estudos e Relatório Técnicos, São Paulo, 06 de dezembro de 2017, 27p. [www.abqualidade.org.br] RUSSO, V.A.F – BRESCIANI F., E., Aspectos analíticos e estatísticos da desigualdade social e pobreza (Relatório de Pesquisa), Academia Brasileira da Qualidade – Estudos e Relatórios Técnicos, São Paulo, 26 de marco de 2018a, 15p. [www.abqualidade.org.br ] RUSSO, V.A.F – BRESCIANI F., E., Desigualdade de renda e pobreza (Relatório de Pesquisa), Academia Brasileira da Qualidade – Estudos e Relatório Técnicos, São Paulo, 04 de dezembro de 2018b, 31p. [www.abqualidade.org.br] RUSSO, V.A.F. – BRESCIANI F., E., Qualidade de vida e índices de avaliação, Revista AdNormas, São Paulo, 21 de março de 2019a, Ano 1, Volume1, Numero 46, 8p.(ISSN 2595-3362). [www.revistaadnormas.com.br] RUSSO, V.A.F. – BRESCIANI F., E., A desigualdade de renda e pobreza, Revista AdNormas, São Paulo, 04 de julho de 2019b, Ano 2, Volume 2, Número 61, 13p. (ISSN 2595-3362). [www.revistaadnormas.com.br] RUSSO, V.A.F – BRESCIANI F., E., Avaliação do índice de felicidade (Relatório de Pesquisa), Academia Brasileira da Qualidade – Estudos e Relatório Técnicos, São Paulo, 20 de janeiro de 2020, 18p. [www.abqualidade.org.br]
Referências complementares:CANTRIL, H., The Pattern of human concerns. New Brunswick, New Jersey: Rutgers University Press, 1965. KAPLAN, R.S. & NORTON, D.P., O balanced scorecard em ação. In: Desafios da gestão, Harvard Business Review, Rio de Janeiro: GMT Editores, 2018 [1]Engenheiro Mecânico (FEM-UNICAMP); Diretor Presidente Aposentado da EATON – Hydraulics da América do Sul; Professor do Curso de Extensão (FEM-UNICAMP); Membro da ABQ. [2]Engenheiro Aeronáutico (ITA); Doutor em Engenharia e Professor Livre-Docente (EPUSP); Professor Titular Aposentado (FEM-UNICAMP); Membro do CLE-UNICAMP; Membro da ABQ. |