Seminário Tecnologia Industrial Básica (TIB), 20 anos contribuindo para qualidade e inovação

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Gilbert Simondon, em seu belo livro “Sobre o Modo de Existência dos Objetos Técnicos”, observa que “o que reside nas máquinas é realidade humana, gesto humano fixado e cristalizado em estruturas que funcionam”. Este comentário poderia ser uma introdução adequada para o que hoje nos reúne aqui: o registro e a rememoração do significado desses vinte anos do Programa TIB, com sua face mais visível nas máquinas e nos rituais de precisão, e com seu impacto mais secreto sobre a complexa realidade humana subjacente ao empreendimento coletivo que opera a produção e a inovação industrial. Porque a produção e a inovação não se concentram nem se esgotam em um agente, em um processo ou em uma ação.

Trata-se em realidade de um sistema multiplamente conexo, uma rede de agentes e instituições que operam em lugares distintos e momentos diversos, mas de cuja sintonia e qualidade dependem os resultados finais. Temos o conjunto de instituições e de atores necessários para viabilizar materialmente o processo: são empresas, instituições financeiras, laboratórios de pesquisa, instituições de ensino, agências de governo, todo o microcosmo presente na produção. Mas seu funcionamento pressupõe também a rede de relações entre esses agentes e essas instituições.

A agenda de que se dotou o Programa TIB foi, portanto, e desde o início, de grande envergadura: colocar em movimento um processo sistêmico que promovesse, ao mesmo tempo, o aperfeiçoamento das condições materiais e a consolidação de um ambiente macro-institucional favorável à produção, à qualidade e à inovação. É necessário ressaltar a interdependência essencial dessas funções, pois não basta estarmos capacitados em um dos domínios da TIB, se os demais não estiverem em patamar equivalente de maturidade, capacitação técnica e harmonização com os sistemas homólogos dos países avançados, segundo regras internacionalmente aceitas.

A relevância desta rede – seria melhor dizer sua essencialidade – é amplamente reconhecida. Sabemos que tanto a organização interna da produção quanto o acesso de produtos e serviços aos mercados internacionais dependem em níveis crescentes do atendimento às diferentes formas de demonstração da conformidade desses bens com requisitos técnicos especificados. É preciso, portanto, um sistema organizador desse universo.

O Brasil apresenta a singularidade, positiva, de ter este sistema integrado dentro de uma mesma estrutura, o SINMETRO, orientado por um colegiado de nível ministerial, o CONMETRO, dotado de uma arquitetura organizacional que designa uma entidade central, o INMETRO- Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial; e tem ações executadas por múltiplas entidades com papéis específicos. Várias delas são objeto de acreditação pelo Instituto, como os Organismos de Certificação e de Inspeção e os Laboratórios de Calibração e de Ensaio. Completa o Sistema a Rede Brasileira de Metrologia Legal e Qualidade responsável pela verificação metrológica para fins de metrologia legal.

Para conferir competência crescente a esse sistema era necessário uma estratégia. Ela surgiu, entre 1982 e 1984, quando lideranças inspiradas, muitas delas hoje tão justamente homenageadas, conceberam o Subprograma de Tecnologia Industrial Básica dentro do PADCT, executado mediante três acordos sucessivos com o Banco Mundial. Fato decisivo, o Programa contou também com fontes adicionais de recursos do próprio Ministério da Ciência e Tecnologia, como o Programa RHAE, o PCDT – Programa de Apoio à Competitividade e Difusão Tecnológica, do CNPq; e o FNDCT – Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, incluindo a linha de Apoio à Gestão da Qualidade, da FINEP. Mais tarde entraram em cena novos mecanismos, os Fundos Setoriais de apoio à ciência e tecnologia, em especial o Fundo Verde Amarelo, que assumiram desde então papel significativo no fomento à TIB.

Devido a essa combinação de recursos, o Programa TIB tornou-se a fonte mais regular de apoio à metrologia, normalização, avaliação da conformidade, tecnologias de gestão, serviços de suporte à propriedade intelectual e à informação tecnológica. E, devido à teimosa e persistente sustentação desse esforço, foi possível construir um percurso, do qual fazem parte:

  • Uma primeira etapa, entre 1984 e 1990, voltada, fundamentalmente para a superação de lacunas na infraestrutura laboratorial, estruturação dos núcleos de informação tecnológica e apoio à nucleação de ações em gestão da qualidade.
    Uma segunda etapa, de 1991 a 1997, marcada pela modernização dos sistemas de metrologia, normalização e avaliação da conformidade; implantação de programas de tecnologias de gestão; modernização dos núcleos de informação tecnológica; e apoio à propriedade intelectual.
    A partir de 1998, o apoio à inserção internacional dos sistemas de metrologia, normalização e avaliação da conformidade; apoio à capacitação em tecnologias de gestão e propriedade intelectual como instrumentos facilitadores do acesso a mercados; e apoio aos serviços de informação tecnológica, com ênfase na criação do SBRT – Serviço Brasileiro de Respostas Técnicas.
    Finalmente, o último formato do Programa data de 2001, com forte sustentação no Fundo Verde Amarelo. Com o novo formato, o Programa TIB reafirmou seus objetivos de adequar e ampliar a infraestrutura de serviços em metrologia, normalização, regulamentação técnica e avaliação da conformidade, bem como empreendeu ações de suporte à pesquisa, desenvolvimento e engenharia.

Este percurso, evocado em suas grandes linhas, resultou em modificações profundas da  infraestrutura de suporte à tecnologia industrial. Esta imensa mudança está retratada no livro a ser lançado nesta noite, apenas alguns de seus traços serão lembrados aqui.

É natural começar pela metrologia, suporte cultural e base técnica para as atividades de normalização e de avaliação da conformidade. O Programa TIB desempenhou com certeza um papel decisivo na disseminação da cultura metrológica, na atração de jovens talentos para a área, na implantação de atividades de P&D e no estímulo à pesquisa cooperativa na ciência das medições. Foram criados cursos de pós-graduação em metrologia na universidade e o Programa passou a apoiar projetos de pesquisa e desenvolvimento, incentivando parcerias entre o INMETRO e centros de P&D. Programas de RH- Metrologia em parceria com CNPq, CAPES, OEA e o setor privado fortaleceram alianças e trouxeram mais aliados para o front.

Ganharam também robustez áreas fundamentais como metrologia mecânica, elétrica, térmica, acústica e óptica, e foram inauguradas ações em metrologia química e de materiais. O apoio do Programa foi fundamental para a disseminação das grandezas de tempo e frequência, e suas aplicações na indústria, comércio e serviços (assinaturas digitais, cartórios, bancos e bolsas de valores, entre outras). Tal esforço permitiu responder à demanda de serviços pela indústria brasileira, apoiou a criação e consolidação das Redes Metrológicas Estaduais e possibilitou avanços na rastreabilidade internacional do sistema metrológico no Brasil.

Foram realizadas ações setoriais de impacto, como a vitalização da Rede Brasileira de Metrologia das Radiações Ionizantes, e a consolidação dos laboratórios participantes do IRD para assegurar a rastreabilidade dos padrões de referência e das análises de interesse da indústria e, em especial, dos serviços médicos, odontológicos e hospitalares.

Houve avanços importantes na acreditação de laboratórios de calibração. A Rede Brasileira de Calibração conquistou credibilidade para a marca RBC e evoluiu de 53 laboratórios acreditados em 1994 para 250 em 2004. Com a internacionalização da economia, o atendimento a normas internacionais passou a ser condição para o acesso das empresas aos mercados mais seletivos. Nesse sentido, o apoio do Programa foi fundamental para a presença do Brasil nos Comitês Técnicos da ISO, responsáveis pelas normas ISO 9000, e ISO 14000. O apoio ao esforço de normas brasileiras estendeu-se também a questões novas, como responsabilidade social, turismo sustentável e gestão de P&D, bem como para a modernização dos procedimentos da ABNT.

Em área de suma importância para o suporte à Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior, fortaleceu-se a competência na avaliação da conformidade, com o apoio à consolidação de organismos acreditados de certificação, a laboratórios de ensaio, base técnica para a certificação de produtos; estruturação de programas de avaliação da conformidade, tendo em vista o acesso das empresas aos mercados internacionais.

A implantação do laboratório de compatibilidade eletromagnética e de acústica no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais fortaleceu significativamente o suporte à indústria de transportes e de comunicações. Além de sua extrema importância para o Programa Espacial Brasileiro, essa infraestrutura laboratorial atende a diversas demandas do setor industrial, em especial dos setores automotivo e eletroeletrônico. Ampliando o leque de parcerias, a associação com o Ministério da Saúde resultou na capacitação de laboratórios para avaliação da segurança de equipamentos de UTI; programas de proficiência para laboratórios foram desenvolvidos com a ANVISA e com o SENAI;

Essas duas décadas foram também as décadas da gestão da qualidade. Aí também o Programa TIB foi parceiro de todas as horas. Desde os prelúdios, com a Qualidade Nuclear e a Gestão da Qualidade Total até a multiplicação e combinação de diferentes modelos e técnicas com distintos graus de complexidade. A Especialização em Gestão da Qualidade, lançada pela STI/MIC em 1987 e assumida pelo MCT no âmbito do PADCT/TIB e o Programa Brasileiro da Qualidade e Produtividade, lançado em 1990, treinaram mais de 300 000 profissionais, deram dimensão internacional ao esforço brasileiro pela qualidade e contribuíram para a implantação de muitos programas de gestão da qualidade.

A partir de 2001 iniciou-se novo ciclo, com o apoio à criação e consolidação de centros de referência em tecnologias de gestão, que tratem de temas específicos e possam representar diferencial de competitividade para empresas e organizações públicas e privadas. Nesse contexto, cabe destacar o apoio a projetos da ABIPTI, visando a capacitação das instituições de pesquisa para o atendimento às demandas das empresas brasileiras; pela UFBA, voltado para a qualificação de gestores em desenvolvimento local e gestão social; e pela FPNQ para a estruturação de redes de âmbito internacional e nacional de prêmios de gestão pela qualidade.

O Programa TIB foi decisivo ainda para a promoção da cultura da Propriedade Intelectual. O Projeto Multinstitucional envolveu o MCT, o MDIC – Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, o INPI – Instituto Nacional de Propriedade Industrial, a CNI – Confederação Nacional da Indústria e o SEBRAE, para promoção e difusão da propriedade intelectual.

A partir de 2002, concentrou-se em dois focos: criação e fortalecimento de núcleos de apoio ao patenteamento, especializados no fornecimento de serviços de assistência técnica e informação sobre PI; e o apoio ao estabelecimento de escritórios de transferência de tecnologia para atuar como interface entre empresas e instituições de P&D, na identificação de resultados passíveis de aplicação comercial e na divulgação de patentes concedidas com potencial para a inovação tecnológica.

O suporte à Informação Tecnológica promoveu a Rede de Núcleos de Informação Tecnológica Industrial, composta por núcleos regionais e núcleos especializados. Este esforço inspirou outros serviços de informação, no âmbito do SEBRAE, do SENAI e do IEL – Instituto Euvaldo Lodi. No MCT essa área também evoluiu para bases mais modernas, com o SisTIB – Serviço de Informação em Tecnologia Industrial Básica e do SBRT que atende às demandas por solução de problemas tecnológicos das empresas.

O Programa TIB viu-se envolvido também na Internacionalização da Economia no que diz respeito às barreiras técnicas ao comércio. Com a diminuição ou eliminação das barreiras tarifárias, conseqüência da Rodada Uruguai do GATT e da criação da OMC, uma eventual proteção de mercados tende a recair sobre as áreas de normalização e regulamentação técnica, tendo em um dos extremos da cadeia técnica de TIB a avaliação da conformidade e no outro, a metrologia. Sua lógica pode assim ser resumida: se o que importa nas transações comerciais é a qualidade (certificada) de produtos e serviços, há para isso o aparato de avaliação e certificação da conformidade, com base nos laboratórios de ensaio. Essa estrutura baseia-se em normas e regulamentos técnicos que, por sua vez, fundamentam-se na metrologia.

Assim sendo, as estratégias de participação de um país no comércio internacional têm necessariamente que levar em conta a infraestrutura disponível de serviços tecnológicos em metrologia, normalização, regulamentação técnica e avaliação da conformidade. Nesse contexto, podem ser importantes os arranjos sub-regionais que permitam a dois ou mais países compartilharem recursos de  infraestrutura tecnológica, especialmente em áreas como a metrologia científica, onde os investimentos em laboratórios, equipamentos e formação de doutores são muito elevados.

Há muito já se abandonou a idéia de unificação dos sistemas que compreendem as disciplinas técnicas da TIB, reconhecendo que há diferenças entre os modelos em uso nos diversos países e que transcendem a questão puramente técnica. Busca-se hoje harmonizar os sistemas, respeitando-se as peculiaridades de cada modelo organizacional. Esta abordagem confere papel determinante aos Acordos de Reconhecimento Mútuo, no plano internacional, os MRA. Aqui também o Programa TIB foi valioso, e apoiou o esforço bem-sucedido do INMETRO para o reconhecimento junto aos principais foros: IAF –International Accreditation Forum, foro de reconhecimento multilateral de organismos acreditados; ILAC – International Laboratory Accreditation Cooperation, que reúne os acreditadores de laboratórios de calibração e de ensaio; BIPM – Bureau International des Poids et Mesures, que congrega os organismos nacionais de metrologia científica e industrial; EA – European Accreditation.

Por outro lado, não se deve esquecer que a norma é de certa forma um instantâneo de um estágio tecnológico e é passível, portanto, de evolução. Da mesma forma, a metrologia que lhe serve de base também evolui, do universo das medidas materializadas para o universo experimental da física, da química e da biologia, por meio de experimentos controlados e repetíveis. Esse processo, complexo e dinâmico, exige considerável capacitação na chamada ciência das medições, como o demonstram sobejamente o PTB – Physikalisch Technische Bundesanstalt, na Alemanha, e o NIST – National Institute of Standards and Technology, nos EUA.

Em conseqüência, o mais simples serviço de calibração, de suporte a um Sistema de Garantia da Qualidade Certificado, tende a ter base científica não trivial. O mesmo grau de complexidade refere-se às atividades de normalização, cada vez mais relacionadas ao desempenho e menos prescritivas.

A tendência positiva hoje observada é a de conceber a metrologia, normalização e avaliação da conformidade não como barreiras técnicas, mas como ferramentas para a construção de relações comerciais duradouras, posto que essas deverão resultar, ainda que a longo prazo, de acordos de reconhecimento mútuo dos sistemas nos diversos países.

O processo de regulamentação técnica merece consideração especial, pois o Acordo de Barreiras Técnicas da OMC reconhece o interesse legítimo dos países em regulamentar as atividades relativas à saúde, à segurança, ao meio ambiente, à proteção da vida, à proteção do consumidor e à defesa da concorrência.

O Brasil tem ainda muito que investir para aprimorar a regulamentação técnica do País. Esse esforço enfrenta dificuldades. De um lado, exige que se explorem adequadamente as diferenças entre as funções, notadamente entre a normalização e a regulamentação técnica; de outro, exige um conjunto de orientações técnicas sobre elaboração e edição de regulamentos. Além disso, deve promover uma cultura comum a todas as entidades que detém atribuições regulatórias. A efetiva participação do Brasil no comércio internacional exige um tratamento tecnicamente integrado dessas questões.

Esse olhar sobre a trajetória da tecnologia industrial básica no País, mesmo superficial, permite perceber a imensa transformação desta base técnica e cultural entre nós, de que o Programa TIB foi um dos atores essenciais. Há muito ainda para fazer, mas os desafios atuais já se colocam dentro de um outro ambiente e contamos agora com trunfos significativos. Ora, esta conquista não é trivial. Para utilizarmos a expressão de Francis Bacon, a difusão do saber técnico e científico coletivo não é espontânea nem é fruto de intuições solitárias. Resulta, pelo contrário, do aprendizado do trabalho cooperativo, de uma profunda reforma do modo de pensar e falar dos homens, e que diz respeito, insiste Bacon, às próprias estruturas de suas vidas em comum.

No universo das tecnologias industriais básicas, esta mudança de cultura enfrenta obstáculos singulares, a partir do próprio ponto de partida… De fato, lidamos aqui, como matéria prima para essa grande aventura humana, com elementos tão fundamentais como o tempo, a dimensão, a massa, a força, a autoria, entidades cujo poder misterioso é capaz de mobilizar corações e mentes e despertar as mais arrebatadas paixões. Basta lembrar as dificuldades enfrentadas na busca de um referencial comum e mais adequado para o tempo e a verdadeira batalha campal que representou a entrada em cena do calendário gregoriano.

Quando os sinos repicaram pela Europa ao final do dia 4 de outubro de 1582, o calendário pulou dez dias e o mundo se viu de repente projetado em 15 de outubro. A perda desses dez dias foi muito mal recebida… nos poucos países em que foi inicialmente recebida. O novo pacto em torno de referencial de tempo exigiu tempo. A França esperou até dezembro. Em outubro do ano seguinte a Baviera e a Áustria se converteram. Quando a Inglaterra e suas colônias o adotaram, sessenta anos depois, já era preciso suprimir um dia adicional, o que levou às ruas multidões gritando “devolvam meus onze dias!” O Japão aceitou o novo sistema em 1873. A China começou a adotá-lo em 1912, embora a aceitação só tenha se completado em 1949. E muitos países ainda o ignoram. Outros, como a França com o “Calendário Revolucionário”, introduziram sistemas próprios no meio do caminho. Se não fosse Napoleão, em Paris não estaríamos hoje em 17 de março de 2005, mas no 27 Ventôse do ano 213…

A introdução do sistema métrico exigiu uma saga comparável… Aliás ainda exige. É instrutivo examinar algumas das muitas páginas na Internet que hoje se manifestam ferozmente contra a introdução do sistema métrico nos Estados Unidos. Umas trazem relatos aterradores dos infortúnios de incautos turistas americanos colhidos nas armadilhas do metro durante uma infeliz viagem ao exterior. Outras revelam as “ideologias espúrias e alienígenas” que se esconderiam detrás do metro. A maior parte propõe motes guerreiros do estilo “no pasaran”. “Defenda sua herança! Se você se sente confortável com milhas, pés e polegadas, libras e onças, galões e quartos, isso é o bastante. Use-os. Mantenha-os. “Metricators” estão tentando destruir nossa maneira de medir”!

Esses embates repetem velhos temas. A história do metro conhece isso muito bem. Além do lado romanesco… Em março de 1791, a Assembleia Constituinte francesa decreta:

“Considerando que, para se conseguir estabelecer a ‘uniformidade dos pesos e medidas, é necessário fixar uma unidade de medida natural e invariável, e que o único meio de estender esta uniformidade às nações estrangeiras e de engajá-las nesse sistema de medida é escolher uma unidade que não seja arbitrária nem particular à situação de nenhum povo sobre o globo…. adote a grandeza do quarto do meridiano terrestre como base do novo sistema de medidas ; as operações necessárias para determinar esta base, notadamente a medida de um arco de meridiano de Dunkerque a Barcelona serão imediatamente executadas”.

Jean-Baptiste Delambre et Pierre Méchain, astrônomos, vão se encarregar da medida desse arco do meridiano. A mensuração vai durar, de fato, de 1792 a 1798! Tanto tempo que a Assembléia preferiu não esperar e, valendo-se de medidas efetuadas em 1735 no Peru por La Condamine e na Lapônia por Maupertuis, ela adota, apressada, um sistema provisório (1793). Foi somente com a lei do 19 Frimaire do ano VIII (10 dezembro 1799) que os padrões definitivos, do metro e também do quilograma, são consagrados como padrões definitivos das medidas de comprimento e de peso em toda a República”.

A efetiva implementação do Sistema Métrico estendeu-se por décadas e revela o quanto processos dessa natureza perturbam hábitos e culturas arraigados e despertam forças irracionais. Registre-se que o Brasil se encontrava entre os 17 países que assinaram a “convenção do metro”, em 1875, marcando o início da efetiva internacionalização do sistema. Mas essas breves referências às acidentadas peripécias da introdução dessas tecnologias no cotidiano, permitem colocar em perspectiva os inevitáveis embates que cercam a construção nacional dessas estratégias.

Da mesma forma que a metrologia representa uma linguagem universal para as ciências e técnicas, todo o espectro da TIB nos lembra que a sociedade se apoia sobre uma infraestrutura vasta e geralmente invisível, de serviços, de redes, mas sobretudo de protocolos de convivência e de entendimento, cujo bom funcionamento é essencial à vida cotidiana.

O Programa TIB tem um lugar definitivo na construção desta malha em nossa cultura. Para todos nós que vivemos, ao longo do caminho, tantos dos seus episódios, talvez seja este o sentido essencial deste momento da memória e do entendimento. Valeria a pena lembrar os versos de T. S. Eliot:

We had the experience but missed the meaning,

And approach to the meaning restores the experience.

De fato, no calor dos embates nós certamente vivemos uma experiência intensa. Mas talvez sejam essenciais esses momentos de rememoração e explicitação do sentido, para que se restaure em sua integralidade esta experiência.

 

* Agradeço a preciosa colaboração de Reinaldo Ferraz para a redação deste documento.

 

Evando Mirra de Paula e Silva

Este artigo expressa a opinião dos Autores e não de suas organizações.

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