O treinamento eficaz

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Vicente Falconi

Certa vez, eu estava viajando pela Coréia do Sul, em uma de nossas pesquisas para encontrar os melhores métodos e técnicas gerenciais adaptáveis às condições brasileiras. Ainda no hotel, pela manhã, ao sair, percebi uma “cantoria”, que mais parecia três ou quatro pessoas rezando. Fiquei curioso e procurei saber do que se tratava. Era um gerente do hotel e três funcionários repetindo um procedimento padrão e discutindo-o.

Procurei me informar e soube que, todo dia pela manhã, mediante a ocorrência de anomalias no dia anterior, a principal tarefa do gerente era discutir o acontecido e rever com sua equipe os procedimentos operacionais padrão relacionados ao caso. O objetivo era que aquele tipo de anomalia nunca mais voltasse a ocorrer.

Padronização, treinamento operacional, supervisão, treinamento no trabalho e auditoria são a origem da excelência operacional. Nestes últimos 35 anos de atuação, em centenas de empresas brasileiras, ficou muito claro para nós que a origem de todos os problemas operacionais de uma empresa é a falta de um treinamento eficaz. Falhamos justamente naquilo que é mais barato de se fazer.

Reparamos, ao longo de nossas vidas, que as empresas têm sido assoladas com os mais variados tipos de treinamento, inócuos em sua maioria, desfocados e que só fazem aumentar as despesas, causando a utilização ineficaz do tempo das pessoas e não agregando valor. A coisa chegou a tal ponto que ainda existe, em muitas empresas, uma resistência das pessoas em participar destes treinamentos.

Notamos dois tipos de problema associados a estes treinamentos. O primeiro deles é o conceito de foco. Este conceito é muito simples, mas a prática tem nos mostrado que é de difícil assimilação. Vou dar um exemplo para tentar transmitir o conceito. Há aproximadamente seis meses fomos a uma empresa conversar com seu Presidente, atendendo à sua solicitação. Para iniciar a conversa, nós lhe perguntamos quais eram os seus dois ou três problemas prioritários (quem tem mais prioridades do que isto acaba não resolvendo nenhuma delas). Depois, com o tempo, fomos perceber que cada diretor tinha os seus próprios planos de ação, estabelecidos sem levar em conta as necessidades colocadas pelo presidente. Fizemos então, entre outras coisas, uma crítica, por escrito, ao Plano de Treinamento. As pessoas da área de RH reagiram mal e disseram: “como pode o senhor ser contra treinar pessoas?”. Então argumentamos: “não somos contra, achamos até que vocês poderiam investir o dobro. No entanto, não temos a certeza de que o atual plano seja dirigido, de forma focada, às pessoas relacionadas com os problemas prioritários do Presidente e nem que contemple, especificamente, os temas técnicos que irão ajudá-lo a resolver aqueles problemas”. Todo Plano de Ação, em qualquer área da empresa, deve sempre ser estabelecido a partir das metas e problemas prioritários da organização, através da análise do processo que conduz àqueles resultados ruins. O resto é dinheiro e tempo jogados fora.

O segundo problema relacionado a treinamento é a falta de sensibilidade para diferenciar o explícito do tácito. Explicamos: conhecimento explícito é o equivalente a dar uma aula teórica de como se anda de bicicleta. Isto é muito fácil de ser feito por qualquer pessoa inexperiente, mas disposta a seguir um plano de aula e é de alta rentabilidade para as escolas e consultorias. Por outro lado, o conhecimento tácito só se adquire andando de bicicleta.

Este tipo de ensino tem que ser feito de pessoa a pessoa. É difícil de ser feito, requer instrutores hábeis e experientes e é de baixa rentabilidade. Ninguém se interessa em fazer ou não tem a competência para isto. O explícito é relacionado à mente e ao conceito (talvez seja por isto que existe tanta gente que fala, mas não faz). O tácito é relacionado às habilidades. Existe um abismo de variado tamanho entre o explícito e o tácito.

Em algumas situações específicas, e para alguns tipos de pessoas, é até possível ensinar o explícito e a pessoa voltar ao seu local de trabalho e fazer a tarefa, adquirindo, desta maneira, o tácito. No entanto, na maioria dos casos isto não acontece. É muito mais comum do que se imagina a empresa enviar seus funcionários para um treinamento e nada acontecer em seguida. Faltou o tácito.

Todo treinamento tem que ser dado com o objetivo de se garantir que os resultados desejados possam ser alcançados. Percebemos isto há algum tempo e temos diminuído substancialmente as atividades de ensino em sala de aula (explícito) e aumentado dramaticamente as atividades tutoriais, ou seja, nossos consultores vão às empresas e fazem a tarefa junto com as pessoas, até que estas estejam seguras de que sabem fazer sozinhas.

Além disto, para garantir o foco, assumimos as metas dos gerentes como sendo nossa própria para efeitos de avaliação de desempenho do consultor e da nossa própria organização. Esta política de focar nas metas prioritárias da empresa e de garantir a aquisição do conhecimento tácito (ou habilidades) está na origem de nosso sucesso e do sucesso de nossos clientes. Esta foi uma das grandes lições que os japoneses nos deixaram.

O treinamento operacional (que é dado para uma pessoa que ainda nada conhece do seu trabalho) é baseado em Procedimentos Operacionais Padrão e deve ser dado com cuidado especial, se possível no local de trabalho e por pessoa que já conhece a função. É um treinamento para conhecimento tácito. Este treinamento deve ser exaustivo, simulando condições reais e auditado de tal forma que seja possível certificar o treinando.

Ainda no tácito, após o treinamento operacional, deve ser exercida a supervisão pelas chefias (que podem ser diretores, gerentes ou supervisores) de tal modo que as anomalias operacionais possam ser percebidas e ações corretivas possam ser tomadas. Estas atividades de supervisão não são praticadas pela maioria dos diretores e gerentes que conhecemos.

Decorre das atividades de supervisão o verdadeiro valor do treinamento no trabalho, que é aquele praticado pela chefia, ou a seu mando, e dado às pessoas que já foram treinadas, mas que cometeram algum engano (como no caso do hotel acima). Neste caso, o treinamento é garantidamente focado e dado por quem sabe fazer. Além disso, ainda deve haver a auditoria para garantir à direção que os procedimentos estão sendo cumpridos.

Um chefe não deve, jamais, reclamar da atuação de um membro de sua equipe. Ele estará confessando a sua própria inabilidade em treiná-lo. Ele é o único responsável pelas habilidades das pessoas que com ele trabalham.

Nosso treinamento operacional é deficiente. Pratica-se quase nenhuma atividade de supervisão e pouco treinamento no trabalho no Brasil. Perdemos fortunas em nossas empresas e no governo pela falta da percepção de que ninguém nasce sabendo e de que as pessoas crescem na sua habilidade de fazer as coisas necessárias à sua sobrevivência. Não se pode ter organizações competitivas e excelentes sem que as pessoas o sejam.

 

Vicente Falconi é sócio fundador e presidente do Conselho de Administração da Falconi Consultores de Resultado, e membro da Academia Brasileira da Qualidade (ABQ).

Este artigo expressa a opinião dos Autores e não de suas organizações.

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