Recuperação do Brasil pós COVID-19
Roberto Rodrigues é engenheiro agrônomo pela ESALQ/USP em 1965. Produtor rural, foi presidente da Organização das Cooperativas Brasileiras, da Sociedade Rural Brasileira, da Associação Brasileira do Agronegócio, da Aliança Cooperativa Internacional, da Academia Nacional da Agricultura; foi Secretário da Agricultura do Estado de São Paulo e Ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Atualmente coordena o Centro de Estudos do Agronegócio da FGV, é Embaixador da FAO para cooperativas e participa de duas dezenas de Conselhos ligados ao Agronegócio, à Academia e à Empresas. Roberto é membro da ABQ.
Acompanhe a entrevista na qual Roberto focou o agronegócio e a segurança alimentar, fundamentais ao momento atual e ao futuro do Brasil.
Como você percebe os impactos e consequências do COVID-19?
A segurança alimentar voltou a ser uma forte preocupação de governos no mundo todo, e isso teve reflexos positivos na imagem do setor produtivo rural. Como o setor não pode parar – e não parou – as sociedades urbanas de maneira geral passaram a olhar o campo com mais respeito, admiração e até gratidão pelo fato dele garantir a alimentação de consumidores em geral. Isso se acentuou com o fato de que a poluição despencou, ficando claro que não é a agropecuária sua causadora, e sim o setor urbano-industrial. Como consequência, governos em todos os continentes, preocupados com a segurança alimentar de seus povos, passaram a tomar medidas que podem impactar o comércio mundial agrícola. Tais medidas podem ser resumidas em dois grupos. Por um lado, certos governos começam a impedir exportação de alguns produtos alimentícios com medo de que venham a faltar no futuro. E por outro lado, estudam medidas protecionistas para seus produtores rurais diante da concorrência de outros países mais eficientes. Isso pode desaguar em mais acordos bi ou multilaterais que reduzirão o já apagado protagonismo da OMC e outras instituições ligadas às Nações Unidas. Tal cenário coloca em risco o mercado global para o agro brasileiro, até porque o Brasil foi o único grande país produtor que aumentou as exportações agrícolas e principalmente as de alimentos durante a pandemia. Mostrou assim que temos agilidade para responder as demandas internacionais com volumes e qualidade indispensáveis. Claro que isso acendeu um sinal amarelo entre nossos concorrentes. Cabe, portanto, uma atuação público/privada em algumas linhas essenciais para garantir o mercado já existente e ampliar o espaço em novos importadores. A primeira questão é de ordem diplomática. Temos que ser mais ativos nesse tema, explorando oportunidades que estão surgindo e mitigando riscos, inclusive reconhecendo algumas falhas nacionais, como é o aumento do desmatamento na Amazônia nos últimos meses. E não adianta dizer que não são os produtores rurais que desmatam ilegalmente, e sim madeireiros, garimpeiros, invasores ou simples desordeiros. O concorrente vai sempre atribuir ao agro esse desastre, de modo que os governos (federal e estaduais) precisam agir com rigor exemplar para evitar esse processo e punir culpados. Também precisamos de investimentos em infraestrutura e logística, sobretudo nas fronteiras agrícolas do centro-oeste e do Matopiba, um dos maiores gargalos que temos para a expansão das exportações. E é fundamental investir em inovações tecnológicas que são a base da competitividade, com ênfase para os programas de desenvolvimento sustentável da produção (como o Plano ABC – Agricultura de Baixa Emissão de Carbono) e da qualidade dos alimentos (sobretudo na questão sanitária).
O que fazer no curto prazo, afora as medidas já tomadas, para atenuar o impacto econômico, empresarial e social?
A questão mais relevante é compatibilizar o combate à pandemia com a preservação dos empregos, salvaguardando a economia e garantindo a sobrevivência das empresas.
Investimento em infraestrutura é um caminho óbvio para isso, mas o Estado não tem Recursos suficientes. Só parcerias público/privadas poderiam resolver o problema. Mas não haverá esse tipo de “casamento” enquanto não houver segurança jurídica que assegure o pay back de investimentos. Portanto, é absolutamente necessária a promoção das Reformas que estão em debate há meses e até anos, como a Tributária e a Reforma do Estado. Sem esses avanços, será difícil sair da crise. No caso da sanidade dos alimentos, seguramente a pandemia mostrou que a régua Internacional sanitária estava muito relaxada, e a OMS foi incapaz de prever, amenizar ou enfrentar o COVID-19. Isso tudo terá que ser revisto. Será necessária uma ampla aliança entre os poderes da República e em todos os níveis, federal, estadual e municipal. Não é possível e nem aceitável que ambições políticas, vaidades, idiossincrasias e ódios superem o interesse nacional. Está já exageradamente explicitado que é necessária uma união destes poderes todos com a sociedade civil ou sairemos da crise ainda menores do que entramos, embora o setor agro possa dar uma extraordinária contribuição no sentido contrário.
Como a qualidade e a gestão podem ajudar para saída da crise?
Esta questão é tão óbvia que a resposta só pode ser óbvia também. Sem qualidade e gestão não haverá competitividade em nenhum setor da economia, nem interna e nem externamente. E são temas a serem implementados e praticados à exaustão igualmente nos segmentos públicos e nos privados. Vale ressaltar que são também temas que devem valer para as cadeias de produção, integrando os sistemas que ainda estão isolados em muitas delas.
Sempre dizemos que o Brasil é o país do futuro: Isso pode acontecer algum dia? Quando? Como será possível?
Acontecerá muito em breve se tivermos juízo e nos esquecermos das eleições a cada dois anos. Temos todas as condições básicas para que o Brasil seja o campeão mundial da segurança alimentar e, portanto da Paz, já que não haverá paz enquanto houver fome: temos tecnologia tropical sustentável, temos terra disponível para crescer e temos gente capacitada em todos os elos das cadeias produtivas. Basta estabelecer uma estratégia ampla que elimine as barreiras burocráticas e as idiossincrasias e colocá-la em prática, com vistas ao bem comum, e não ao de indivíduos, empresas ou partidos. Parece uma coisa fora de moda, mas qualidade e gestão ajudam sobremaneira a meritocracia, e assim são ferramentas cruciais para a volta da confiança que alimenta o patriotismo.
Que conselhos você daria a um jovem que está trabalhando e passa a viver toda essa incerteza?
Aprendi algumas coisas na vida profissional que não estão escritas nos livros escolares.
A primeira delas é que, para dar certo na carreira, três pontos são necessários: a gente tem que GOSTAR do que faz, SABER FAZER e ter sorte. “Sorte?”, logo me perguntam. Explico: você sabe que tem que tomar um trem, mas ninguém sabe a que horas ele passará. Que fazer? Simples: vá para a estação e espere. Quando o trem passar, tome-o e faça sua viagem. Todo mundo dirá que você teve sorte porque estava na estação “justo na hora que o trem passou”… Na verdade, você “fez” a sorte, ela foi parte de seu planejamento. Mas o trem poderia não ter vindo.
A segunda delas é não se omitir jamais. Qualquer decisão implica erro ou acerto. Se você errar, pague pelo erro e siga em frente. Mas, se omitir, não há pagamento, nem esquecimento. A pena para isso é a permanente sensação de ter fracassado.
A terceira é exercitar a gratidão. Não o “muito obrigado” convencional diário. Gratidão de verdade é um exercício de humildade e de justiça. Ninguém consegue nada sozinho, e é preciso agradecer profundamente a quem ajudou a conquistar.
A quarta tem a ver com a busca da felicidade, uma eterna viagem que acontece sobre dois trilhos: amor e justiça! Ambos muito difíceis e muitas vezes subjetivos. Mas o amor, sobretudo ao próximo (qualquer próximo) é algo agronômico: só colhe quem planta. E a justiça, tão volátil, é um bem guardado no jarro da verdade…
A quinta, e chega dessas conversas, foi-me dita por um velho filósofo assim que saí da Faculdade e a repito exatamente como ouvi: “trate bem todo mundo que encontrar pelo seu caminho quando estiver subindo na vida, porque vai encontrá-los de novo quando estiver descendo, na sua velhice”.