Desigualdade de Renda e Pobreza

jcomp/freepik

Eng. Vivaldo Antonio Fernandes Russo[1]

Prof. Dr. Ettore Bresciani Filho[2]

 

Os autores partem de uma avaliação da pobreza e desigualdade de renda no mundo. Em seguida, verificam suas causas. Depois, estudam processos de desenvolvimento de estratégias para redução da pobreza e da desigualdade.

 

Finalmente, realizam uma prospecção sobre as ameaças e oportunidades para o futuro do emprego no planeta. 

 

Resumo

Este trabalho faz uma análise dos conceitos de desigualdade de renda e pobreza e suas relações. Ao buscar estas relações, estamos interessados em analisar a polêmica sobre o foco que deve ser dado pelos programas de Governo no sentido de dar prioridade ao combate à pobreza ou à desigualdade de renda ou a ambos. Partimos de uma avaliação da pobreza e desigualdade de renda no mundo. Em seguida, verificamos as causas de ambas. Depois, estudamos alguns processos de desenvolvimento de estratégias para redução da pobreza e da desigualdade. Finalmente, fazemos uma prospecção sobre o futuro do emprego no planeta.

 

1. Considerações iniciais

Inicialmente convém recuperar algumas das considerações de trabalhos anteriores recentemente divulgados no sítio da Academia Brasileira da Qualidade.

O primeiro, com o título “Considerações sobre a Desigualdade, Inclusão e Exclusão Social” (BRESCIANI & RUSSO, 2017), foi um estudo preliminar sobre os conceitos básicos de desigualdade, inclusão e exclusão social, as métricas necessárias para avaliar a situação em que se encontra a sociedade com relação a esses desafios, e os instrumentos que vêm sendo utilizados pelos Governos de diversos países para tornar a sociedade mais igualitária. Desse estudo, em resumo, algumas observações finais podem ser destacadas:  os conceitos de inclusão social, exclusão social e desigualdade social são de natureza multifacetada, multidisciplinar e complexa, e assim sendo diferentes significados para esses conceitos foram construídos, e essa diversidade de significados dificulta muitas vezes a implantação ou implementação de medidas práticas de intervenção no ambiente social. Desse modo, é necessário primeiramente medir os requisitos relacionados à pobreza e às demais dimensões da exclusão social e da desigualdade social, e a medição desses requisitos dá origem aos indicadores e índices (métricas) sociais correspondentes. Cabe destacar que indicadores e índices não são sinônimos, sendo estes últimos uma composição dos primeiros.

O segundo, com o título “Aspectos Analíticos e Estatísticos da Desigualdade Social e Pobreza” (RUSSO & BRESCIANI, 2018), faz uma revisão dos métodos de obtenção das principais métricas da desigualdade social e pobreza hoje em vigor no mundo: métodos derivados das distribuições estatísticas geradas nos levantamentos das distribuições de renda das populações, e outros oriundos da teoria financeira e da teoria do bem-estar social, bem como da teoria da informação e da entropia. E a seguir, é indicado como os conhecimentos estudados para avaliar desigualdade de renda podem ser aplicados para avaliar pobreza. Também desse estudo, em resumo, algumas observações finais podem ser destacadas:  o índice de Gini é geralmente o mais utilizado para análise da desigualdade social, outros índices foram desenvolvidos para atender alguns princípios estudados para a escolha das medidas de desigualdade de renda. Embora, renda e pobreza tenham características próprias, as medidas de pobreza, geralmente, se baseiam na distribuição de renda.

 

Aspectos da renda e pobreza

A renda é o dinheiro que um indivíduo ou uma família recebe durante um período, geralmente, um ano. Portanto, renda tem a dimensão de fluxo. Por outro lado, não devemos nos confundir com a tradução da palavra inglesa rent, cujo significado tradicional se refere ao aluguel recebido pelo proprietário pelo uso da terra por terceiros. Ele não se refere, por exemplo, ao salário do trabalhador. Hoje a palavra é usada para designar o retorno obtido por meio da propriedade. De acordo com Stiglitz (2016), o termo rent passou a incluir os lucros de monopólios. O conceito que utilizamos acima para a palavra renda recebe, na língua inglesa, o nome de income, que em tradução livre para o português, significa rendimento e pode incluir os conceitos de salário, aluguel, lucro, bônus, etc.

A pobreza ou riqueza se refere ao patrimônio acumulado pelo indivíduo ou família num dado momento e, assim, tem a dimensão de estoque. A pobreza, geralmente, é medida a partir da distribuição de renda de uma população durante um período e de uma renda de referência, chamada de linha de pobreza, onde o indivíduo com renda igual ou inferior a este limite é considerado pobre. Uma medida de pobreza muito usada é a proporção de pobres obtida pela razão da quantidade de pobres de uma população e a quantidade total de indivíduos desta população.

 

Observações sobre o Índice de Gini

O denominado Índice de Gini, muitas vezes também indicado como Coeficiente de Gini, recebe o nome de seu criador Corrado Gini, em decorrência dos estudos conduzidos sobre a concentração de renda na população em diferentes regiões europeias no começo do século passado (GINI,1909) conforme já indicado em trabalhos anteriores dos autores, mencionados acima

Nesses trabalhos anteriores foi adotada a definição dada pelo IBGE (2015) para esse índice: “Medida de desigualdade relativa obtida a partir da Curva de Lorenz, que relaciona o percentual acumulado da população em ordem crescente de rendimentos (eixo x) e o percentual acumulado de rendimentos (eixo y). Quando os percentuais acumulados de população correspondem aos percentuais acumulados de rendimentos (10% da população com 10% dos rendimentos, por exemplo), tem-se a linha de perfeita igualdade. A Curva de Lorenz representa a distribuição real de rendimentos de uma dada população tendo, em geral, formato convexo. Quanto mais afastada da linha de perfeita igualdade, mais desigual a distribuição. O índice de Gini é uma medida numérica que representa o afastamento de uma dada distribuição de renda (Curva de Lorenz) da linha de perfeita igualdade, variando de “0” (situação onde não há desigualdade) e “1” (desigualdade máxima, ou seja, toda a renda apropriada por um único individuo).”

Por outro lado, apesar de muito utilizado, o índice de Gini, conforme Cowell (2009) aponta, não obedece ao chamado “princípio da decomposição” o qual implica que deva existir uma relação coerente entre desigualdade de toda sociedade e desigualdade em suas partes constituintes.

 

2. Avaliações da pobreza e desigualdade de renda no mundo 

Neste item queremos ter uma visão quantitativa da pobreza e desigualdade de renda no mundo através das medidas mencionadas no item anterior.

 

Avaliação da pobreza

De acordo com Hoffmann (2006), não existe um critério claro para definir a linha de pobreza. Uma solução que tem sido adotada é calcular as medidas de pobreza para vários valores da linha de pobreza. O desafio torna-se ainda maior quando são construídas as séries temporais das medidas, pois o critério de definição dos valores da linha de pobreza normalmente varia com o tempo.

O Banco Mundial estabeleceu o valor de 1,90 dólares por dia por pessoa em PPP 2011 para a linha de pobreza extrema ou da miséria absoluta. PPP é a sigla em inglês para a Paridade do Poder de Compra, que conforme IBGE (2017) (1) “é o número de unidades da moeda de um país necessárias para comprar a mesma quantidade de bens e serviços no mercado interno como dólares comprariam nos Estados Unidos”, e esclarece, “há revisões periódicas desses valores, a última disponível data de 2011” (nota 41).  

Por outro lado, o Business Insider (2017) revela que o Banco Mundial classificou os países em quatro grupos conforme a Renda Bruta Nacional per capita: a) baixa renda (low income) (995 dólares per capita ou menos em 2017) como Etiópia, Uganda, Senegal, etc.; b) renda média baixa (lower middle income) (996 a 3895 dólares per capita em 2017) , como Bolívia, Gana, Nigéria, Índia, etc.; c) renda média alta (upper middle income) (3896 a 12055 dólares per capita em 2017), como Brasil, China, Turquia, Malásia, etc.; d) alta renda (high income) (12056 dólares per capita ou mais em 2017), como Estados Unidos, Canadá, Alemanha,  Espanha, etc.

A linha de pobreza extrema (extreme poverty line) de valor correspondente a 1,90 dólares por pessoa por dia é considerada para todos os grupos. Porém, outros valores foram adicionados para definir novas linhas de pobreza (additional poverty lines), conforme mostra a Fig. 2.1. Nela, vemos o valor de 3,20 dólares por dia para a linha de pobreza do grupo de renda média baixa, 5,50 dólares por dia para o grupo de renda média alta e 21,70 dólares por dia para o grupo de alta renda, todas elas gerando sua respectiva proporção de pobres em percentagem (%).

Fig. 2.1 – Linhas de pobreza
Fonte: Banco Mundial, 2017

 

O relatório sobre pobreza e prosperidade compartilhada do World Bank Group (2016) mostra, conforme Fig. 2.2, a evolução da pobreza extrema no mundo durante o período 1990 a 2013. Podemos notar um significativo progresso no sentido de reduzi-la. Em 2013, o planeta, com 7,176 bilhões habitantes, apresentou cerca de 767 milhões de pessoas vivendo, cada uma, com 1,90 dólares ou menos por dia, isto é, 10,7% da população total. Apesar da significativa redução mostrada na figura, um percentual de 10,7% ainda é muito alto, sem dizer que as pessoas, logo acima deste limite, continuam sofrendo enormes dificuldades para sobreviver, enfrentado fome, doenças, violência, e outras dificuldades sérias.

Fig. 2.2 – Tendência da pobreza no mundo
Fonte: World Bank Group (2016)

 

Sempre, segundo o relatório, das 766 milhões de pessoas vivendo na miséria absoluta em 2013, mais de 389 milhões estavam na África Subsaariana ou 50,7% e mais de 255 milhões viviam no sul da Ásia, isto é, 33,4%. As pessoas desta pobreza extrema são jovens, predominantemente de origem rural e quase sem nenhuma instrução.

 

Avaliação da desigualdade

Com relação à desigualdade de renda, podemos nos referir à Fig. 2.3 extraída do citado relatório do World Bank Group (2016). Nela, vemos o índice de Gini para sete regiões, obtido pela média aritmética de alguns de seus respectivos países, no período de 1988 a 2013. A região da América Latina & Caribenha (Latin America and Caribbean) apresenta os maiores níveis de desigualdade, apesar de mostrar uma razoável redução a partir de 2003, após um período de aumento, anteriormente. A região da África Subsaariana (Sub-Saharan Africa) vem em segundo lugar. Analisar a desigualdade de renda por região é um desafio, pois cada país tem razões diferentes para suas respectivas distribuições de renda. Além disso, conforme citamos acima, o índice de Gini não obedece ao princípio da decomposição, o que pode nos levar a uma incoerência entre o coeficiente do país e o da região. A sugestão é concentrar o estudo nos índices específicos dos países. Em 2013, por exemplo, temos, entre outros, os seguintes valores de Gini:  Haiti em torno de 60%, Brasil pouco acima de 50%, Peru em torno de 45%, China e Argentina cerca de 43%, Estados Unidos próximo de 42%, Índia perto de 38%, Reino Unido perto de 32% e Noruega em torno de 25%.

Fig. 2.3 – Tendência do coeficiente Gini nas Regiões
Fonte: World Bank Group (2016)

 

Pobreza versus desigualdade de renda

Neste ponto, trazemos uma polêmica que envolve os especialistas. Os Governos devem dar prioridade à redução da pobreza ao invés de se preocupar com a redução da desigualdade de renda? Podemos pensar que, se temos uma renda que nos garanta uma condição de vida digna, pouco importa se nosso ídolo do esporte tenha vários carros de luxo na garagem ou se algum empresário tenha um jatinho e uma lancha! Ou de uma outra maneira, podemos imaginar que não haveria sentido buscar a igualdade, mas com miséria para todos!

Colocando este tema mais formalmente, McCloskey (2016) afirma que, o que importa eticamente é que o pobre tenha teto para morar, boa alimentação, acesso à proteção da polícia e à justiça, não à aquisição de vários relógios Rolex. A autora cita o filósofo Harry Frankfurt ao dizer que a igualdade econômica não é de particular importância moral, mas que devemos diminuir a pobreza até um nível em que a sociedade democrática possa funcionar e onde todos tenham uma vida digna. Ela cita também o filósofo John Rawls que apoia o princípio da diferença o qual afirma que se o empreendedor mais rico faz o pobre ter uma vida melhor, então a renda maior do empreendedor está justificada. Ainda, conforme McCloskey (2016), numa sociedade globalizada e complexa, é praticamente impossível dividir igualmente o “bolo”. O objetivo da igualdade econômica é inocência. Toda vez que o Estado pensou nisso, o final foi a violência. Exigir que um motorista de taxi ganhe a mesma coisa que um cirurgião de cérebro, sempre resulta que faltarão cirurgiões. Foi o que ocorreu na Rússia de Stalin e na China de Mao. McCloskey (2016) foi além, e justificou através de um cálculo simples que a transferência de uma pequena quantidade de renda do rico para o pobre pouco ajuda. Mesmo porque se o Governo obrigar, através impostos, ao rico realizar essa transferência, ele simplesmente muda para paraísos fiscais.

O cálculo aritmético da autora foi contestado por Finkel (2017) que concluiu ser de grande ajuda a transferência de pequena porção da renda do rico para o pobre. Além disso, o autor argumenta que o regime de extrema esquerda da Rússia e da China nunca buscaram a igualdade de renda para o taxista e o cirurgião. Buscaram a igualdade de oportunidades. Ele afirma também que muitos empresários ricos têm interesse de contribuir para a melhoria da condição de vida dos mais pobres, como efetivamente tem ocorrido, e não fugiriam para paraísos fiscais.

Atkinson (2015) reconhece que esta polêmica tem dividido os estudiosos no assunto. Ele afirma que a luta contra a pobreza encontra-se firme na agenda política dos Governos e que metas vem sendo estabelecidas. Todavia, o autor constata que o progresso no sentido de reduzir a pobreza nos países ricos tem sido lento. Atkinson (2015) afirma, “em minha avaliação, a erradicação da pobreza em países ricos exige que pensemos mais ambiciosamente, para além das estratégias empregadas até hoje. Temos de ver nossas sociedades como um todo e reconhecer que há interconexões importantes: a economia tende a descartar ou minimizar a importância de quaisquer interdependências entre as fortunas econômicas de indivíduos (ou famílias), mas John Donne estava certo quando escreveu que “nenhum homem é uma ilha, fechada em si mesmo”. O que acontece no topo da distribuição afeta quem está na base” (p. 49). Para confirmar isso, o autor analisou quinze países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) através da relação percentagem da renda bruta que vai para 1% do topo versus percentagem de pobreza e constatou que apenas a Suíça atingiu a pobreza abaixo da mediana tendo os extratos superiores da renda acima da mediana. Os países com extratos superiores de renda acima da mediana apresentavam também pobreza acima da mediana, como, por exemplo, os Estados Unidos, Reino Unido e Canada. Portanto, concluiu que “pobreza maior tende a andar ao lado de estratos superiores mais concentrados” (p. 49).

Para estudar as alternativas de intervenção de Governo na luta contra a pobreza e a desigualdade de renda, é preciso entender as suas causas principais. Isto vai nos ajudar, também, a responder sobre o dilema pobreza versus desigualdade de renda, acima mencionado.  

 

3. Causas da pobreza e da desigualdade

As causas da pobreza

Kotler (2015) faz distinção entre os especialistas que acreditam numa causa única para pobreza e aqueles que acreditam em várias. Das teorias de causa única ele destaca: a) a pobreza voluntária, onde muitos não se esforçam em sair dela por opção própria; b) número excessivo de filhos, para os quais os pobres não tem como oferecer o atendimento das necessidades básica a eles; c) falta de capital ou propriedade que permitam aos pobres investir ou tomar dinheiro emprestado no mercado financeiro; d) ganância da elite governante, muito comum nos regimes totalitários. Para a teoria de causas múltiplas, Kotler (2015) destaca o trabalho de Paul Collier que afirma, “o bilhão de pessoas da base da sociedade vivem em “países aprisionados em armadilhas”. Ele identifica quatro elementos que fazem com que os países caiam nessas armadilhas” (p. 35). São eles: a) guerra civil; b) maldição dos recursos naturais que leva a exportação de alguma matéria prima privando a criação de habilidades naturais para agregar valor a estes recursos; c) Falta de acesso ao litoral, que torna o país menos competitivo na exportação e importação; d) governança insuficiente, onde os líderes são autocráticos e corruptos.

Para Piketty (2014) a desigualdade de renda e de riqueza advém do “fato de que a taxa de rendimento privado do capital r pode ser forte e continuamente mais elevada do que a taxa de crescimento da renda e da produção g. A desigualdade r>g fazem com que os patrimônios originados no passado se recapitalizem mais rápido do que a progressão da produção e dos salários” (p. 555).

Stiglitz (2016) ao analisar o aumento da desigualdade de renda nos Estados Unidos associa a causa da pobreza neste país aos 1% da população norte-americana que pertence ao topo da distribuição de renda. O autor cunhou o termo em inglês rent seeking, cuja tradução direta em português seria caça a renda. Porém, esta tradução não é boa pois o significado da palavra rent é outro, como vimos no primeiro item. Rent seeking segundo ele, “define muitas formas pelas quais o processo político americano atual ajuda os ricos às custas dos demais, como transferências e subsídios governamentais, leis que tornam o mercado de trabalho menos competitivo, leis que permitem que os CEOs fiquem com uma fatia desproporcional da receita corporativa, … leis que permitem às corporações obter lucros degradando o ambiente” (p. 83). CEO é a abreviatura, em inglês, do primeiro cargo da corporação. Ao examinar a legislação tributária dos Estados Unidos envolvendo casas de veraneio, pistas de corrida, cervejaria, fundos de hedge, etc. Stiglitz (2016) diz que “a maioria das brechas e “brindes” das leis fiscais não surgem do nada, evidentemente. De modo geral, foram criadas em troca de contribuições de campanha (ou pelo menos, em resposta a elas) oferecidas por doadores influentes” (p.178). Ele estima que esse tipo de provisões especiais é da ordem de 123 bilhões de dólares por ano, assim como o valor das brechas fiscais relacionadas. A Fig. 3.1a publicada por World Bank Group (2016) mostra a porção da renda para 1% do topo da população (income share of top 1 percent) para alguns países industrializados desde 1900 (industralized economies since 1900) onde vemos o forte aumento da renda deste grupo nos Estados Unidos a partir dos anos 70, enquanto a França e o Japão mantiveram a renda do topo sob controle e num patamar bem mais abaixo. A Fig. 3.1b apresenta estas informações para alguns países em desenvolvimento a partir de 1980 (developing economies since 1980) onde Argentina e África do Sul tem tendências parecidas com as observadas para os Estados Unidos.

Fig. 3.1 – Participação na renda do 1% do topo da população para algumas economias
Fonte: World Bank Group (2016)

 

 

Formação da distribuição de renda

Antes de estudar as causas da desigualdade, vamos nos deter um pouco em como a renda se distribui na sociedade.

Analisando a distribuição de renda dos Estados Unidos, Kotler (2015) afirma que aproximadamente 1% da população possui renda extremamente elevada e denomina este subgrupo de super-ricos. Abaixo estão os abastados que representam cerca de 5% da população. Eles “podem tirar férias dispendiosas, almoçar e jantar em restaurantes caros, enviar os filhos para faculdades de alto nível e investir no aumento de capital para riqueza e os fundos fiduciários pessoais” (p. 48). Em seguida, abaixo, vem a classe média criada pelo capitalismo. Seus membros “tem empregos estáveis, casas agradáveis, podem comer fora e comprar aparelhos elétricos e eletrônicos de última geração. Ao mesmo tempo, precisam tomar cuidado com seus gastos. Em geral, a renda familiar requer que tanto o pai quanto a mãe trabalhem fora de casa” (p. 48). Devido a Grande Recessão, nesses últimos anos a classe média norte-americana vem diminuindo. O autor relata queda de 54% para 44%. Continuando, abaixo da classe média, está a classe trabalhadora, “cujo emprego possibilita apenas que seus membros ganhem o suficiente para pagar as contas e ter o bastante para comprar comida e roupas, além de pagar pela moradia. Quando são casados, os parceiros trabalham” (p. 49). E finalmente, temos os pobres, os quais não teriam o suficiente para alimentação e abrigo se não fossem a ajuda do Governo através de seus programas sociais. De acordo com Kotler (2015), 15% da população norte-americana era pobre em 2012.

Fig. 3.2 –Distribuição da desigualdade de renda da LAC em 2015
Fonte: The World Bank, Lab Equity Center, Washington, 2017

 

Fig. 3.3 –Distribuição da desigualdade de renda do Brasil em 2015 
Fonte: The World Bank, Lab Equity Center, Washington, 2017

 

Conforme Giddens & Sutton (2016), “os sociólogos, de modo geral, concordam que “classe” é a mais fluida forma de estratificação, pois as classes não são entidades legais, as fronteiras entre elas não são fixas e não há restrições para casamentos entre pessoas de classes diferentes” (p. 144 e 145).

Por exemplo, The World Bank (2017), mostra uma divisão de classes sociais diferente para a região da América Latina & Caribenha (LAC, em inglês). A Fig. 3.2 e a Fig. 3.3 apresentam as distribuições de renda em 2015 da LAC e do Brasil, respectivamente. Ele sugere a sociedade com quatro classes sociais composta por pobre (poor), vulnerável (vulnerable), média (midle class) e rica (rich).  

 

As causas da desigualdade de renda

De acordo com o que vimos no item 2, a desigualdade de renda no mundo ainda é elevada em muitas regiões do globo. Talvez, por este motivo, quando falamos sobre desigualdade, já imaginamos um valor de medida alto para ela e, logo pensamos, na busca da igualdade. Mas, Atkinson (2015) lembra que nem toda desigualdade é injustificada. Pessoas devem receber mais que outras por motivos justos. Por exemplo, por trabalhar mais horas, por assumir maior responsabilidade, por realizar trabalhos desagradáveis, etc. O que é inaceitável é a desigualdade excessiva e não justificada. Na verdade, o que Atkinson (2015) apregoa é a igualdade de oportunidades e de resultados. Para ele, não basta que todos partam da mesma linha na corrida da vida, mas que nos preocupemos com imprevistos durante o percurso, a que todos estão sujeitos, como, por exemplo, uma grave doença. Então, vamos tratar das causas da desigualdade excessiva, que não se justifica.

Durante milhares de anos a humanidade enfrentou três grandes desafios; fome, peste e guerra. Milhões de pessoas morreram de inanição, epidemias e violência. “Mas no alvorecer do terceiro milênio a humanidade chegou a uma incrível constatação. A maior parte das pessoas raramente pensa sobre isso, porém nas últimas poucas décadas demos um jeito de controlar a fome, as pestes e a guerra. É evidente que esses problemas não foram completamente resolvidos, no entanto foram transformados de forças incompreensíveis e incontroláveis da natureza em desafios que podem ser enfrentados” (HARARI, 2017, p.11-12). Para Deaton (2015), a Revolução Industrial iniciada na Inglaterra no século XVIII foi o ponto de partida para que isto ocorresse, fazendo com que, até hoje, centenas de milhões escapassem dessas privações. Ela tornou sistemática a aplicação do conhecimento para fazer ferramentas, criar produtos e processos e estimular inovações. Todavia, a Revolução Industrial foi também responsável por ter deixado para trás grande parte dos habitantes do mundo criando uma enorme desigualdade na sociedade global, cujo processo é conhecido por Grande Divergência e perdura até nossos dias.  

Conforme já vimos anteriormente, quando examinamos as causas da pobreza, Piketty (2014) considera a desigualdade r > g a principal força desestabilizadora de uma economia de mercado e de propriedade privada que leva à excessiva desigualdade de renda e riqueza. O autor considera esta situação uma forte ameaça para as sociedades democráticas e para os valores de justiça social sobre os quais elas se fundam (p. 555).

Outra preocupação se relaciona com as causas das elevadas desigualdades de renda do trabalho entre altos executivos e os demais trabalhadores das grandes corporações.  Kotler (2015) dá, como exemplo, a renda líquida anual dos cinco principais executivos dos Estados Unidos em 2013. O primeiro da lista recebeu 78,4 milhões de dólares entre salários e benefícios. O quinto da lista recebeu 25,3 milhões de dólares naquele ano! O autor ainda destaca que em 2011 os três principais administradores de hedge norte-americanos receberam 3,9 bilhões, 2,5 bilhões e 2,1 bilhões de dólares, respectivamente! De acordo com Piketty (2014), a teoria mais aceita hoje para a existência de diferenças salariais se baseia nas seguintes hipóteses: a) produtividade marginal do trabalhador, isto é, sua contribuição para a produção da empresa; b) qualificação do indivíduo e c) a lei da oferta e da procura. Mas, ele afirma que, na prática, é muito difícil aplicar essas hipóteses devido a várias razões como, por exemplo, complexidade da economia e das corporações (p. 297). De qualquer forma, não há teoria que justifique salários como aqueles citados acima.

 

4. Estratégias para redução da pobreza e desigualdade de renda

Neste item, estudamos algumas estratégias para redução da pobreza e da desigualdade de renda que, são ou poderão ser adotadas por diversos países. Para tanto, vamos lançar mão de exemplos de sucesso ocorridos neste século. Todavia, tratamos também de explorar simulações de modelo teórico.

 

O triângulo pobreza-crescimento-desigualdade de renda

Bourguignon (2004) afirma que a redução da pobreza, num dado país e num dado momento, é completamente determinada pela taxa de crescimento da média da renda da população e pela mudança da distribuição de renda para diminuir a desigualdade. Ele afirma que o real desafio para desenvolver uma estratégia para reduzir a pobreza repousa na interação entre distribuição de renda e crescimento e não na relação entre pobreza e crescimento de um lado e pobreza e desigualdade do outro. Assim, a grande dúvida que persiste no sentido de montar uma estratégia para redução de pobreza é se crescimento e distribuição são independentes ou fortemente relacionados.

A Fig. 4.1 mostra o efeito das variações de crescimento da renda e distribuição da renda na pobreza. Para tanto o autor plotou a renda no eixo horizontal com escala logarítmica e a porção pobre da população no eixo vertical. Ele plotou também a linha de pobreza no valor arbitrário 1. Temos então a curva inicial da distribuição de renda (initial distribution). Com o crescimento da renda, tudo se passa como se a curva inicial primeiramente se deslocasse para a direita sem variação na forma (crescimento da média da distribuição) e ao final, a curva mudasse a sua forma, mantendo a média, gerando a nova distribuição (new distribution). A área cinza da figura mostra o efeito na diminuição da pobreza devido unicamente ao crescimento da renda (growth effect on poverty) e a área escura o efeito correspondente a somente a variação da distribuição da renda (distribution effect on poverty). Então, podemos concluir que tanto o crescimento como a variação da desigualdade de renda, representada pela variação da distribuição, desempenham papel importante na variação – no caso, redução – da pobreza.

Fig. 4.1 – Decomposição dos efeitos do crescimento e da distribuição na pobreza
Fonte: Bourguignon (2004)

 

Em função disto, o autor afirma que a questão, discutida no segundo item, indagando se a prioridade a ser dada na construção de estratégias de redução da pobreza deva focar a pobreza em si ou a desigualdade, repousa num falso dilema. Na verdade. ele conclui que a prioridade deve considerar a combinação de fortes políticas públicas de crescimento e distribuição de riquezas.

 

Relação do crescimento com a desigualdade

Ao estudar essa relação de crescimento com a desigualdade de renda, vem à tona outro debate entre os especialistas. Trata-se do compromisso entre equidade e eficiência. Muitos defendem o ponto de vista de que a tendência de um nivelamento na distribuição de renda desestimula tanto o pobre, na busca de uma condição de vida melhor, como o rico, na procura de novos investimentos em tecnologias geradoras de crescimento da renda.

Em seu seminal artigo, Kuznets (1955) teve o objetivo de responder a duas questões, isto é, 1) a desigualdade de renda cresce ou decresce ao longo do crescimento econômico? 2) quais fatores determinam o nível secular e as tendências das desigualdades de renda? Para tanto, o autor lançou mão de dados da renda familiar disponíveis desde o início do Século XX nos Estados Unidos, Inglaterra e Alemanha. E, conclui dizendo que este seu trabalho era, talvez, 5% de informações empíricas e 95% de especulação! Mas, mesmo assim, ele acreditava que o tema, pela sua importância, merecia, desde aquela época, uma explicação teórica e, poderia ser obtida por algumas evidências estudadas. Portanto, ele propôs que, no inicio do processo de desenvolvimento de uma economia agrícola para uma economia industrial, a desigualdade de renda de um país, inicialmente, cresceria com o crescimento econômico. Depois, a desigualdade de renda chegaria num patamar e, a partir daí, iria decrescer. Estas hipóteses, foram baseadas em uma série de fatores, como migração de pessoas da área rural para urbana, intervenções de governo, deslocamento de imigrantes, etc. Elas ficaram conhecidas como “hipóteses de Kuznets” e, a curva resultante no comportamento da desigualdade de renda em função do crescimento econômico, foi denominada curva de Kuznets ou curva do U invertido devido a sua forma.

Ferreira (2010) diz que a relação dinâmica entre crescimento econômico, desigualdade de renda e pobreza tem sido motivo de grande atenção entre os economistas, particularmente, a relação crescimento e desigualdade. Ele concluiu que não existe uma correlação estatística significativa entre o crescimento macroeconômico de um país e alterações da desigualdade. Porém, o autor acredita haver duas alternativas para ter sucesso em obter alguma correlação entre essas duas variáveis. A primeira através uma análise setorial da economia, por exemplo, na área da educação. A segunda através de uma análise de um modelo econômico específico, como por exemplo, o efeito de dada política pública sobre a economia.

Brueckner & Lederman (2017) estimam que a relação entre desigualdade e crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) per capita depende da renda inicial dos países. Os autores afirmam que a teoria econômica sugere que a desigualdade afeta os resultados agregados e que os efeitos diferem entre países ricos e pobres. Galor & Zeira (in: Brueckner & Lederman, 2017, p. 2), propõe um modelo com imperfeições de mercado de crédito e indivisibilidade no investimento de capital humano para mostrar que a desigualdade afeta os resultados agregados em curto e longo prazos. O modelo prevê que o efeito da desigualdade difere entre países e depende do momento, em função da riqueza inicial dos mesmos. Os autores, então, motivados por este modelo, analisou o mesmo com dados que incluíam medidas de desigualdade de renda através do coeficiente de Gini e PIB per capita. O estudo mostrou que, para uma renda inicial de 1000 dólares per capita (países de baixa renda) o aumento de um ponto percentual do coeficiente de Gini resulta em um acréscimo de 4% PIB per capita no longo prazo. Todavia, para uma renda inicial de 12000 dólares per capita (países de alta renda) o acréscimo de um ponto percentual do coeficiente de Gini resulta num decréscimo de 6% no nível do PIB per capita. O estudo mostrou ainda que, o ponto de inflexão deste efeito corresponde a um PIB inicial de 3000 dólares per capita. Em resumo, a conclusão apoia a hipótese de que desigualdade de renda é benéfica para o crescimento durante o período de transição ao desenvolvimento em países pobres, mas, é prejudicial para crescimento em economias de alta renda.

Ao responder uma questão do economista Zolt Darvas sobre qual é a correlação entre desigualdade de renda e crescimento, Ostry (2017) disse que “a evidência empírica sobre o impacto da desigualdade no crescimento é inconclusiva. Também é para a teoria”. E, completou afirmando que maior desigualdade pode reduzir ou aumentar o crescimento. Os fatores que contribuem para a redução do crescimento são: a) reduzida capacidade das famílias de baixa renda de investir em educação; b) baixo investimento em capital humano pelos segmentos mais pobres da sociedade pode reduzir a mobilidade social e adequada alocação de talentos; c) grande desigualdade pode levar à instabilidade política e revolta social. Com relação aos fatores em que grande desigualdade pode ajudar o crescimento, temos: a) aumento do desejo de trabalhar duro e assumir riscos par capitalizar altas taxas de retorno; b) alto retorno da educação pode encorajar mais pessoas a estudar; c) impulso da poupança agregada e acúmulo de capital, porque os ricos consomem relativamente menos.

Mais recentemente, Berg et alli (2018), investigaram a relação entre desigualdade de renda, redistribuição e crescimento para vários países desenvolvidos e em desenvolvimento. Considerando a desigualdade líquida resultante da redistribuição da renda após imposto, os autores concluem que menor desigualdade líquida possui robusta correlação com crescimento mais rápido e durável, provavelmente devido ao acúmulo de capital humano, entre outros fatores.

 

Prosperidade compartilhada

O crescimento econômico aumenta a renda real da maioria das famílias, mas não garante o desenvolvimento econômico. Em outras palavras, crescimento econômico é condição necessária, porem não suficiente para melhorar o bem-estar da população. “Crescimento econômico significa simplesmente que o bolo (medido pelo PIB) ficou maior, mas nada diz a respeito ao modo como ele é dividido” (KOTLER, 2015, p. 33). O desenvolvimento econômico pode ser medido pelo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) (BRESCIANI & RUSSO, 2017).

Naturalmente, ao estabelecer uma estratégia de combate à pobreza e à desigualdade de renda, é necessário revelar os objetivos que se deseja alcançar.

De acordo com World Bank Group (2016), a organização adotou duas metas ambiciosas para 2030, isto é, acabar com pobreza extrema no mundo e promover a prosperidade compartilhada em todos os países de forma sustentável. Este último objetivo é medido pelo crescimento da média da renda dos 40% mais pobre da distribuição da população, denominado 40% da base.

Quando medimos a pobreza utilizando a linha de pobreza, que é fixa durante um período, dizemos que medimos a pobreza absoluta. Quando definimos a linha de pobreza como uma proporção fixa da distribuição de renda da população, que varia continuamente com o tempo, dizemos que medimos a pobreza relativa. A prosperidade compartilhada é, conforme já foi dito, medida pela taxa de crescimento da média da renda dos 40% da base. Quando a taxa de crescimento da média da renda dos 40% da base é maior que a taxa de crescimento da média da renda de toda a população dizemos que há uma prosperidade compartilhada prêmio.

 

Fig. 4.2 – Crescimento dos 40% da base vs crescimento da média, 2008-2013
Fonte: World Bank Group (2016)

 

A Fig. 4.2 mostras a relação entre a crescimento anual da média (annual growth in the mean) da distribuição de renda de diversos países contra o crescimento anual da média de 40% da base (annual growth in the mean of the botton 40) para o período 2008 a 2013. Através dela, o World Bank Group (2016) mostra que países com alto crescimento da média apresentam também maior crescimento da média de 40% da base. Por outro lado, países com taxas de crescimento negativas também mostram declínio na renda dos 40% da base. Além disso, vemos que, a medida que os países crescem mais depressa, há também uma expectativa do crescimento dos 40% da base, na mesma proporção. Notamos que os países cujo crescimento da média da renda dos 40% da base é maior que o crescimento da média, isto é, países com média acima da reta bissetor da figura, apresenta prosperidade compartilhada prêmio. Portanto, crescimento da economia, impulso da prosperidade compartilhada e redução da pobreza são três objetivos absolutamente compatíveis, conforme o modelo do triângulo, descrito acima.

O World Bank Group (2016) está preocupado com o decréscimo nas previsões do crescimento econômico para várias regiões do mundo durante os próximos anos. Daí, vem a questão se o objetivo de acabar com a pobreza extrema em 2030 ainda seria possível. Para tanto, várias simulações foram feitas assumindo diversos níveis de crescimento e alterações da distribuição avaliada pela prosperidade compartilhada prêmio. Os resultados deste estudo podem ser vistos na Fig. 4.3. A fatia da população global (share of global population) onde cada pessoa vive com menos de 1,90 dólares por dia foi colocada no eixo vertical da figura. A meta para 2030 foi fixada para que esta fatia não seja maior que 3%. A prosperidade compartilhada prêmio é medida pelo parâmetro m. O painel a da figura considera o crescimento dos últimos 10 anos antes 2013 inclusive e, o painel b o crescimento dos últimos 20 anos antes de 2013 inclusive, que, neste caso, é menor que o anterior.

Fig. 4.3 – Prosperidade compartilhada e a eliminação da pobreza
Fonte: World Bank Group (2016)

 

Foram levantadas diversas curvas de redução da pobreza para diversos valores de m. Quando m é nulo não há influência da desigualdade; quando m é positivo, o crescimento da renda do 40% da base é maior que o crescimento da renda da população total; quando m é negativo acontece o inverso. Com base neste estudo teórico, verificamos que a meta estabelecida somente pode ser alcançada com crescimento maior ou com prosperidade compartilhada prêmio ou com ambos.

Estudo de caso: Brasil

As simulações acima foram teóricas, contudo elas são perfeitamente possíveis de ocorrerem. Entretanto, há interesse em estudar casos reais de países que conseguiram obter sucesso em políticas de redução da pobreza e desigualdade.

 Vamos, então, a título de exemplo, analisar o caso do Brasil. O crescimento econômico brasileiro vem sofrendo acentuada queda desde 2010, com leve recuperação em 2017, conforme mostra a Fig. 4.4 sobre a evolução do Produto Interno Bruto (PIB) publicada pelo IBGE (2017) (2).

Fig. 4.4 – Brasil: série histórica do PIB e PIB per capita
Fonte: IBGE (2017) (2)

 

Neste estudo o World Bank Group (2016) considerou o período de 2004 a 2014, para o qual avaliou um crescimento do PIB per capita anualizado de 2,4%. Ele chama atenção para a análise da desigualdade de renda, através o índice de Gini, que apresentou grande queda a partir do final dos anos 90. Em 1989 o Gini de 63,0% foi o segundo maior do mundo! Porém, em 2004 ele era de 56,5% e chegou a 51,0% em 2014, acompanhando melhoria verificada para a região da LAC. Dados mais recentes do IBGE (2017) (1), todavia, mostram uma elevação do Gini para 52,5% em 2016, conforme vemos na a Fig. 4.5, onde aparece também o índice para as Grandes Regiões brasileiras.

Fig. 4.5 – Brasil: Índice de Gini em 2016
Fonte: IBGE (2017) (1)

 

Ao analisar a distribuição de renda no período, o World Bank Group (2016) utilizou a curva de incidência do crescimento da renda, conforme Fig. 4.6. Esta curva é uma ferramenta muito útil pois, indica a taxa de crescimento da renda, em dado período, para cada porção estudada da distribuição. A taxa de crescimento anualizada da renda é plotada no eixo vertical e, os quantis, em percentagem, no eixo horizontal. A reta horizontal fixada em 4,5% indica o crescimento anualizado da média da distribuição do período estudado.

Fig. 4.6 – Brasil: Curva de Incidência do Crescimento para 2004-2014
Fonte: World Bank Group (2016)

 

A figura mostra que entre 2004 e 2014, o crescimento da renda entre os 40% da base foi em média 6,8% ao ano, enquanto o crescimento do país foi, como citado, em média 4,5%. Isto indica que a redução da desigualdade teve significativa influência na redução da pobreza. A proporção da pobreza extrema caiu de 11% para 3,7% durante o período. O aumento da média da distribuição de renda foi responsável por 60% desta queda, enquanto o restante 40% da redução da miséria, no período, se deve à melhoria da distribuição da renda da população brasileira!

Os principais motivos desta redução apontados pelo World Bank Group (2016) foram: a) a Constituição de 1988 que fortaleceu a democracia e garantiu os direitos sociais básicos; b) a criação do Sistema Único de Saúde (SUS) nos anos 90; c) o lançamento em 1996 da Lei e Diretrizes de Base para o ensino básico; d) a introdução do Plano Real em 1994 que eliminou a hiperinflação; e) a adoção do câmbio flutuante no final dos anos 90; f) a aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal em 2000 para garantir a estabilidade macroeconômica; g) o programa Luz para Todos no início dos anos 2000; h) também no início do século, o programa Bolsa Família que expandiu a transferência de renda com condicionalidade aos mais pobres; i) a indexação do Salário Mínimo reforçou a transferência de renda aos pobres neste período; j) outras medidas.

Antes de prosseguir, é importante dizer que, após 2014, o Brasil vem enfrentado uma crise fiscal significativa que levou a milhões de desempregos e piora nos indicadores sociais. Por exemplo, o Valor Econômico (2018) noticia que um levantamento da LCA Consultorias, baseado em dados do IBGE, mostra que a pobreza extrema passou de 13,24 milhões de pessoas em 2016 para 14,83 milhões em 2017, o que corresponde a uma proporção de 7,1% da população. Todavia, nosso objetivo aqui é tirar lições do período 2004 a 2014 analisando as razões que levaram aos ótimos resultados relacionados ao combate contra a pobreza e a desigualdade de renda.

Além do Brasil, o World Bank Group (2016) traz outros estudos de caso envolvendo o Camboja, Mali, Peru e Tanzânia.

Entre esses estudos, chama a atenção o caso do Camboja que teve significativo crescimento associado à notável queda da desigualdade durante 2008 a 2013. Durante este período o país experimentou um crescimento anualizado do PIB de 3,4% e uma redução de 11 pontos percentuais do Gini! Além, da agricultura tradicional, o crescimento do Camboja ocorreu também nos setores de vestuário, turismo e construção civil. Deste modo, estes setores puderam absorver a mão de obra rural jovem e pouco qualificada do país.

Entretanto, dada a pequena quantidade de estudos de casos, as experiências neles descritas não podem ser representativas numa escala global ou, suficientes para gerar receitas de políticas públicas válidas para o mundo todo. “Elas são, todavia, ilustrativas de práticas e condições por traz de significantes reduções de desigualdade sob circunstâncias particulares” (p. 120). Apesar desses poucos exemplos, 49 países tiveram sucesso em alcançar os benefícios da prosperidade compartilhada prêmio durante 2008 a 2013.

 

5. Políticas públicas

Vimos, nos itens anteriores, elementos para montar um plano estratégico de combate à pobreza e desigualdade de renda. Iniciamos com o estudo das causas da pobreza e da desigualdade. Depois analisamos um modelo que relaciona três importantes variáveis que se interagem neste processo, isto é, a pobreza, a distribuição de renda e o crescimento econômico. Vimos, também, alguns estudos de caso de sucesso, para eventualmente, tirar algumas lições. Neste item estudamos alternativas possíveis que os governos dispões para estabelecer sua estratégia em relação ao tema. São as políticas públicas de intervenção governamental voltadas à pobreza e à desigualdade.

Inicialmente, devemos dizer que, em linha com Deaton (2015), é inacreditável afirmar que com pequena ajuda em doações dos países ricos como Estados Unidos, Grã-Bretanha, Alemanha, Japão e outros, a miséria poderia estar eliminada no mundo desde 2008! Mas, o autor aponta duas razões principais para isto não ter ocorrido. A primeira é devida à governantes corruptos de países pobres que, com o objetivo de enriquecimento próprio, não permitem que a ajuda chegue a quem, realmente, precisa dela. A segunda é ligada ao fato de que os critérios usados pelos países ricos para doação aos países pobres são de interesse político ou comercial e não de ajuda específica às pessoas que sofrem as vicissitudes da vida. Consequentemente, Deaton (2015) é cético com relação à efetividade das doações. Vemos a seguir um pouco mais de detalhes sobre o assunto.

 

Projetos de desenvolvimento

Muitas pessoas leigas ou profissionais do desenvolvimento, prossegue Deaton (2015), consideram que ajuda significa projetos e, que, para implementá-los nos países pobres, os países ricos devem recorrer às organizações internacionais idôneas. Essas organizações tendem a dar ênfase às histórias de sucesso. Mas, as estatísticas mostram, geralmente, o contrário. O autor destaca algumas razões para isto, além da tendência destes agentes enfatizar sucessos e ocultar fracassos. Vários projetos são avaliados muito cedo, antes de mostrarem resultados. Este fato tem despertado a ideia de promover auditorias pós implementação dos projetos. Porem tais auditorias não têm sido rigorosas, impedindo que venhamos a conhecer os reais motivos para explicar porque a ajuda não cumpre seu objetivo de atender a quem necessita dela. Há, também, casos em que projetos funcionam muito bem, mas falham em prestar ajuda. Projetos aprovados, após severas avaliações, falham no momento de enfrentar a realidade nos locais onde são implantados. Projetos pilotos de sucesso não se replicam em escala maiores para enfrentar o mundo real. Por tudo isso, Deaton (2015) conclui que ajuda causa mais problemas do que soluções para os pobres e, o motivo está no fato de que não sabemos o que eles necessitam ou desejam, além de desconhecer como a sociedade deles funcionam.

Em função disto, os países ricos buscaram outras estratégias para ajudar os países pobres eliminar a miséria. Uma destas estratégias se baseia na imposição de condições para os Governos receberem doações. Mesmo assim, há desafios. Muitos Governos não aceitam essas imposições. Os que aceitam, podem ser substituídos por outros contrários às cláusulas concordadas pelo anterior. Além disto, fatos imprevisíveis, fora do controle dos Governos, impedem, muitas vezes, que as metas estabelecidas sejam cumpridas.

Pelo que foi mencionado acima, Deaton (2015) conclui que muitas dificuldades com ajuda nascem de obstáculos ocorridos dentro dos países receptores das doações. Daí a ideia de buscar uma estratégia de ajuda para um dado país ao invés de no país em questão. Como exemplo, o autor destaca o desenvolvimento, em países ricos, de modernos remédios, vacinas e terapias para doenças já erradicadas nestes países ricos, como malária, por exemplo. Evidentemente, que os custos das pesquisas, preços elevados e, eventualmente, patentes decorrentes, terão que ser equacionados através das organizações internacionais citadas anteriormente. Outro exemplo, refere-se à disponibilidade de educação básica e superior à refugiados e emigrantes com a intenção de que, no futuro, eles possam retornar a seus países para contribuir com seu desenvolvimento econômico.

Finalmente, Deaton (2015) enfatiza que doações não são a única solução para o problema da pobreza. Mesmo porque, os países ricos atuais não precisaram delas para atingir o estado de desenvolvimento. Seus cidadãos souberam encontrar por meios próprios o caminho para fugir da miséria. Tais meios constituem métodos, os quais muitos, se não todos, são úteis até hoje sob diferentes circunstâncias. Portanto, os países pobres podem utilizar alguns deles para ajudar a si mesmo a atingir o desenvolvimento econômico. Além disso, comenta Deaton (2015), os países ricos e pobres são, agora, politicamente e economicamente interdependentes, através o comércio, tratados e instituições como as Nações Unidas, o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial, etc. 

O relatório World Bank Group (2016) destaca algumas áreas onde intervenções políticas dos países apresentam rigorosas evidências de redução da desigualdade. São elas: a) desenvolvimento da criança desde o nascimento, incluindo amamentação; b) cuidados universais da saúde; c) educação de qualidade; d) transferência de renda com condicionalidade; e) investimentos na infraestrutura rural, como eletricidade e estradas; f) impostos progressivos para financiar intervenções que promovam redistribuição de renda.

 

6. Novas ameaças e oportunidades

Toda vez que pensamos em construir estratégias, começamos pela análise de deficiências a serem eliminadas e virtudes a serem reforçadas. Isto significa um olhar para trás, do presente ao passado. Todavia, temos, também, que olhar a frente numa tentativa de prever o que está para acontecer no futuro. Neste exercício, a expectativa é se preparar para enfrentar novas ameaças e aproveitar novas oportunidades em benefício próprio.

 

Industria 4.0: uma grande ameaça de desemprego em massa

“Em cento e cinquenta anos, de 1750 a 1900, o capitalismo e a tecnologia conquistaram o globo e criaram uma civilização mundial. Nem o capitalismo, nem as inovações tecnológicas eram novidades; ambos haviam sido fenômenos comuns e recorrentes através das idades, tanto no ocidente como no oriente. Novidades eram a velocidade da sua difusão e seu alcance global através das culturas, classes e lugares” (DRUCKER, 1993, p. 3). No início do século XIX, de acordo com Shingo (1996), os conceitos da divisão do trabalho trazidos pela 1ª Revolução Industrial evoluíram para a mecanização dos processos de fabricação, dando origem à 2ª Revolução Industrial. A divisão do trabalho permitiu a simplificação das operações, resultando no desenvolvimento de ferramentas para substituir as mãos e motorização para substituir a energia manual.  No final do século XIX, nomes como Frederick A. Taylor, Frank e Lilian Gilbreth, revolucionaram, com seus estudos científicos sobre o trabalho, o processo de manufatura de bens, culminando na 3ª Revolução Industrial. Ao longo destas eras, a produtividade dos trabalhadores aumentou significativamente ano após ano. Todavia, o resultado disso foi o afastamento do indivíduo do processo produtivo. Os postos de trabalho migraram para a área de prestação de serviços. No início dos anos 90 do século XX, Drucker (1993) escreveu: “quarenta anos atrás, os trabalhadores do conhecimento e de serviços representavam menos de um terço da força de trabalho. Hoje essas pessoas equivalem a três quartos ou quatro quintos da força de trabalho em todos os países desenvolvidos” (p. 55). Na época em que Drucker (1993) escreveu isto, não havia um Taylor para estudar a produtividade do trabalho do conhecimento e em serviços e, ninguém sabia se haveria. Hoje, a tecnologia da informação tem dado uma resposta positiva a esta dúvida.

Por outro lado, nenhuma das intervenções dos Governos consagradas acima trata diretamente da ameaça de grande redução de empregos devido à nova era denominada 4ª Revolução Industrial ou Industria 4.0 que ora se inicia. Ela sincroniza tecnologias modernas como inteligência artificial (IA), impressora 3D, robôs, internet das coisas, computação em nuvem, etc. no processo de produção de bens e serviços.

Ao pesquisar a influência da IA, robótica e automação sobre o trabalho, Acemoglu & Restrepo (2018) destacam que é falsa a dicotomia entre a visão que a automação significa fim do trabalho para os humanos e o argumento que tecnologias sempre tenderão a aumentar a demanda por trabalho como tem acontecido no passado. Os autores concluem que a automação reduz a demanda por trabalho, diminuindo salário e empregos, se não for compensada por outras forças econômicas. Estas forças se referem ao fato de que automação reduz custos de produção aumentando a produtividade, acumulando capital e aprofundando a própria automação (automação das máquinas já automatizadas). Mas, mesmo que tais forças sejam fortes, o efeito do desemprego causado pela automação tende a diminuir a participação do salário do trabalhador na renda nacional. Isto ocorre porque o crescimento da renda em função da automação se concentra numa faixa estreita da população causando aumento da desigualdade de renda. Entretanto, historicamente, isto não se consolida porque uma outra poderosa força contrabalança este efeito da automação: a criação de novas tarefas ou oportunidades onde o trabalho tem vantagem competitiva sobre a automação. Todavia, o efeito desta compensação é lento pois, estas novas tarefas exigem novos conhecimentos que, geralmente, não coincidem com o que se ensina nos currículos regulares. Portanto, afirmam Acemoglu & Restrepo (2018), é mister que se encontre caminhos que possibilitem a prosperidade compartilhada dos ganhos resultantes da IA, da robótica e da automação, através, por exemplo, de políticas públicas e dos sindicatos, no sentido de não somente impactar a velocidade da automação como também da escolha das que deverão receber mais investimentos. O objetivo então, seria gerar mais rapidamente novas tarefas dependentes do trabalho. Consequentemente, o suporte acadêmico e a pesquisa aplicada são críticos para este fim.  

Por outro lado, Feldmann (2018) destaca que “assim como questões de ética concorrencial e proteção do meio ambiente, a preservação de postos de trabalho precisa entrar na pauta da responsabilidade social corporativa”, o que significa que possíveis enfretamentos deste desafio extrapolam as esferas de Governo.  

 

Estudo da felicidade: uma oportunidade

O crescimento econômico, como vimos, é essencial para a redução da pobreza. Porém, ele possui um aspecto negativo. De acordo com Meadows et al. (in: Kotler, 2015, p. 267 – 269) nosso planeta não tem capacidade biótica de comportar o crescimento do consumo indefinidamente. Em função disto, há, entre os especialistas, grupo que defende o consumo sensato e, grupo que defende até a estabilização do crescimento do consumo em combinação com a igualdade entre a taxa de natalidade e a taxa de mortalidade. Uma das causas consideradas para o consumo excessivo, principalmente dos países desenvolvidos, é a propaganda. “As novas tecnologias não são mera resposta a uma necessidade: de modo algum sua aparição foi determinada pela demanda popular. Trata-se antes da demanda determinada pela disponibilidade da nova tecnologia. Tenha a necessidade existido ou não, a demanda por novos produtos é posterior a sua introdução. Nesse sentido, a suposição de que a demanda cria a oferta é invertida pelos fornecedores, que estimulam ativamente a demanda por meio de suas estratégias de marketing” (BAUMAN & MAY, 2010, p. 240).

Uma outra forma de enfrentar esse desafio do excesso de consumo é, de acordo com Kotler (2015), distinguir o impacto do crescimento econômico sobre a felicidade e, separadamente, seu impacto sobre o bem-estar. Em seu seminal artigo Easterlin (1974) procurou associar renda com felicidade. Ele reuniu informações sobre felicidade em levantamentos de 1946 a 1970 em dezenove países, incluindo onze na Ásia, África e América Latina. O autor encontrou correlação positiva entre felicidade e renda quando analisou os dados de cada país individualmente. Porém, ele não encontrou a mesma correlação ao analisar os dados entre os países. Esta constatação ficou conhecida como paradoxo de Easterlin. Desde então, muitos especialistas vêm debatendo o tema e se posicionando a favor ou contra a veracidade deste paradoxo. Yasar (2018) constata que este debate continua não resolvido.

Por outro lado, Harari (2017) afirma que a felicidade não decorre de fatos em si, como por exemplo, nosso país ganhar a Copa do Mundo de futebol, e sim das ondas de eletricidade que varrem nosso corpo como consequência de eventos como este. Mas, estas sensações passam rapidamente. Algum tempo depois, sequer lembramos que nosso país ganhou a Copa e, para ter novamente esta felicidade é preciso que ele a ganhe outra vez! Então, Harari (2017) diz que “se a ciência está certa e nossa felicidade é determinada por nosso sistema bioquímico, então a única maneira de assegurar um contentamento duradouro é equipar esse sistema. Esqueça o crescimento econômico, as reformas sociais e as revoluções políticas: para elevar os níveis globais de felicidade, precisamos manipular a bioquímica humana” (p. 47).

De acordo com Kotler (2015), diversos países vêm desenvolvendo o índice Felicidade Nacional Bruta (FNB) depois que, em 1972, o rei Jigme Singye Wangchuck de Butão estabeleceu o FNB para avaliar a felicidade de seu povo. O autor cita que uma das propostas para compor este índice abrange sete dimensões: a) bem-estar econômico; b) bem-estar ambiental; c) bem-estar físico; d) bem-estar mental; e) bem-estar no local de trabalho; f) bem-estar social; g) bem-estar político.

Finalmente, Kotler (2015) alerta que a opção por uma vida mais simples e mais feliz, para limitar o consumo, implica em aumento do desemprego e surgimento de crise econômica. Ficamos, então, diante do dilema crescimento insustentável versus recessão. Uma alternativa para enfrentá-lo é, conforme sugere Kotler (2015), redirecionar os investimentos para soluções dos problemas de água, energia e infraestrutura.   

 

7. Uma prospecção mais profunda sobre o futuro do emprego

A evolução da sociedade sempre foi caracterizada por regimes e fatores econômicos proeminentes que destacaram, entre outras, uma luta de classe mais relevante. Na Antiguidade, o regime principal foi o escravismo antigo que aqueceu o conflito entre os homens livres e os escravos. A seguir, durante o feudalismo, surgiu o antagonismo entre senhores feudais contra os servos. A terra foi o fator econômico de destaque durante estes dois regimes. Em meados do século XV, iniciou o predomínio do mercantilismo e do colonialismo, sendo que o capital passou a competir com a terra em importância. Surge daí a luta entre nobres e burgueses. Com o advento da Revolução Industrial, o capitalismo, comunismo e imperialismo dominaram a cena, o capital se tornou o fator mais importante e, a luta de classe social marcante se deu entre capitalistas versus operários. Para Drucker (1993), logo após o término da Segunda Guerra Mundial, o conhecimento assume, gradativamente, o papel de fator econômico principal e a formação de organizações tornou-se o sistema socioeconômico predominante. A luta de classe de destaque passa a ser entre os trabalhadores do conhecimento – impropriamente chamados de intelectuais – como cientistas, professores, engenheiros, médicos, etc. contra os trabalhadores em serviços, como frentistas de postos de combustível, camareiros, cozinheiros, faxineiros, etc. Na verdade, Drucker (1993) não considera esses dois grupos dominantes classes no sentindo tradicional, mas reconhece a importância do conflito entre ambos. Ele acrescenta, também, que essa divisão de classe é porosa, uma vez que, muitos trabalhadores em serviço possuem mesmo nível de escolaridade dos trabalhadores do conhecimento.

Para simplificar, embora sem muita precisão, chamamos serviço o resultado do trabalho de ambas as classes, isto é, dos trabalhadores do conhecimento e dos trabalhadores em serviços. Atualmente, o conjunto dos trabalhadores não qualificados – ou pouco qualificados – no mundo é composto, principalmente, por operários rurais dos países pobres e trabalhadores em serviços dos países desenvolvidos e em desenvolvimento.

Vimos, no item anterior, que as tecnologias modernas estão eliminando empregos, tanto na esfera de produção de bens como na de prestação de serviços, afetando, neste último caso, tanto trabalhadores do conhecimento como os de serviços.

De fato, “é crucial entender que a revolução da IA não envolve apenas tornar os computadores mais rápidos e mais inteligentes. Ela se abastece de avanços nas ciências da vida e nas ciências sociais também. Quanto mais compreendemos os mecanismos bioquímicos que sustentam as emoções, os desejos e as escolhas humanas, melhores podem se tornar os computadores na análise do comportamento humano, na previsão de decisões humanas, e na substituição de motoristas, profissionais de finanças e advogados humanos” (HARARI, 2018, p. 41).

Conforme já mencionamos no item anterior, esta redução de postos de trabalho provavelmente será compensada, pelo menos parcialmente, por novas tarefas que exigem novos e sofisticados conhecimentos. Naturalmente, os trabalhadores não qualificados estarão sem condições de abraçar, no futuro, estas novas oportunidades, podendo gerar com isto, uma verdadeira horda de inúteis no planeta. Para enfrentar esta situação o que poderá ser feito?

Buscando resposta para essa pergunta, Harari (2018) refletiu, inicialmente, que impedir a perda de emprego não parece razoável, uma vez que isto não permitiria explorar o enorme potencial positivo da IA e da robótica. Para autor “teremos que explorar novos modelos de sociedade pós-trabalho, de economia pós-trabalho e de política pós-trabalho. O primeiro passo é reconhecer que os modelos sociais, econômicos e políticos que herdamos do passado são inadequados para lidar com tal desafio” (p. 59). Ele cita, como exemplo, o comunismo que prega uma revolução da classe trabalhadora. Mas, “como se começa uma revolução da classe trabalhadora se não há classe trabalhadora?” (p. 60). E, prossegue, “um modelo novo que atrai cada vez mais atenção é o da renda básica universal (RBU). A RBU propõe que os governos tributem os bilionários e as corporações que controlam os algoritmos e os robôs, e usem o dinheiro para prover cada pessoa com um generoso estipêndio que cubra suas necessidades básicas. Isso protegerá os pobres da perda de emprego e da exclusão econômica, enquanto protege os ricos da ira populista” (p. 62). Uma outra opção, comenta Harari (2018) é o subsídio público de serviços básicos universais, no lugar da renda, como, por exemplo, educação, saúde e transportes gratuitos, entre outros serviços. Entretanto, observa o autor, quer a opção seja renda básica universal (paraíso capitalista), quer seja serviços básicos universais (paraíso comunista), teremos antes que definir o que é universal e o que é básico.

Atualmente, quando pensamos em auxílio básico universal, nos referimos ao contexto nacional. Alguns países, como Finlândia, Canadá, Itália e Holanda já iniciaram experiências práticas com desempregados. “O problema com tais programas nacionais e municipais é que as principais vítimas da automação provavelmente não vivem na Finlândia, em Ontário, Livorno ou em Amsterdam” (HARARI, 2018, p. 63). E, então ele completa, “é possível que os eleitores americanos aceitem que os impostos pagos pela Amazon e pelo Google por seus negócios nos Estados Unidos sejam usados para oferecer estipêndios ou serviços gratuitos a mineiros desempregados na Pensilvânia e taxistas sem trabalho em Nova York. No entanto, os eleitores americanos aceitariam que esses impostos fossem enviados para sustentar pessoas desempregadas em lugares que o presidente Trump definiu como “países de merda”?” (p. 65).

Por outro lado, o objetivo do auxílio básico universal é o atendimento às necessidades básicas do indivíduo. Porém, o conceito de necessidade básica é muito amplo e controverso. Podemos estar nos referindo à alimentação, ao acesso à religião, educação, saúde e, até mesmo, à internet. “Não importa como definamos “necessidades humanas básicas”, se todos desfrutarem delas gratuitamente, elas deixarão de ser um problema, e então as ferrenhas competições e lutas políticas estarão focadas em luxos não básicos.” (HARARI, 2018, p. 66). Como luxos não básicos, o autor cita, por exemplo, elegantes carros autodirigidos ou corpos incrementados pela bioengenharia. Ele arremata acrescentando, “mas, se as massas de desempregados não dispuserem de ativos econômicos, é difícil ver como poderiam algum dia esperar obter tais luxos” (p. 66).

Finalmente, Harari (2018) conclui dizendo “se conseguirmos combinar uma rede de segurança econômica universal com comunidades fortes e ocupações dotadas de sentido, perder nossos empregos para os algoritmos pode na verdade mostrar-se uma bênção” (p. 68). Tais ocupações dotadas de sentido, na visão do autor, são vinculadas da religião ao esporte. Essas atividades já ocorrem em Israel, por exemplo, onde judeus ultra ortodoxos sem trabalho e com suporte financeiro e de serviço do Governo, manifestam alto nível de satisfação estudando as escrituras e os ritos religiosos. 

As grandes transformações ocorridas na história da sociedade resultaram em períodos socioeconômicos cada vez mais curtos. O escravismo antigo durou mais de 2000 anos. O feudalismo existiu ao redor de 1000 anos. Depois, mercantilismo e colonialismo, simultaneamente, dominaram a economia cerca de 300 anos, enquanto, em seguida, o capitalismo juntamente com o comunismo e imperialismo reinaram em torno de 200 anos. Hoje, a sociedade pós-capitalista que vivemos, iniciada há 70 anos, baseada nas organizações e, tendo o conhecimento como fator econômico mais crítico, ao que tudo indica, está terminando. Agora, estamos no alvorecer da 4ª Revolução Industrial onde, provavelmente, o sistema socioeconômico predominante será o auxílio universal básico e o fator econômico mais importante o algoritmo. Todavia, ainda não temos uma ideia clara quanto ao surgimento de uma provável e inédita luta de classe proeminente no futuro. Mas, podemos fazer uma previsão com base na assustadora preocupação de Harari (2018) sobre a possibilidade de transferência da autoridade de humanos para algoritmos, abrindo caminho para confronto de indivíduos contra ditaduras digitais.

 

8. Considerações finais

Quando olhamos para o passado, embora a pobreza extrema venha caindo no mundo, ainda existem focos de proporções inaceitáveis, principalmente na África Subsaariana e no Sul da Ásia. Nestas regiões estão países cuja economia é tipicamente rural. A economia destes países não acompanhou a gigantesca evolução ocorrida no planeta a partir da Revolução Industrial.  

Ao analisar os conceitos de pobreza e desigualdade de renda, vimos que há uma forte relação entre ambos. Algumas causas da miséria e da extrema desigualdade são comuns, como é o caso da concentração da renda no topo da distribuição e suas consequências. Já há bom tempo, os especialistas vêm discutindo se as intervenções de governo devam privilegiar a redução da pobreza em detrimento da luta contra a desigualdade. O modelo pobreza-crescimento-desigualdade de renda mostra que a redução da pobreza é função do crescimento macroeconômico e da alteração da distribuição da renda no sentido de diminuir a desigualdade. Através dele, percebemos que, teoricamente, é possível reduzir a pobreza somente com o crescimento da renda nacional, mas esta alternativa se mostrou muito lenta, o que a torna inaceitável. A situação viável advém da combinação entre crescimento e redução da desigualdade, como inúmeros casos reais de sucesso no mundo demonstram. Consequentemente, a grande questão que fica é se existe relação entre crescimento e desigualdade. Pesquisa recente conclui que, em países desenvolvidos e em desenvolvimento, desigualdade líquida menor tem correlação robusta com crescimento mais rápido e duradouro devido a acumulação do capital humano, entre outros fatores. Além disso, algumas práticas de intervenção através de políticas públicas resultam eficazes na redução da desigualdade permitindo aos indivíduos do bloco inferior da renda compartilhar da prosperidade.

E, por fim, olhando para o futuro, deparamos com novas ameaças e oportunidades.  A indústria 4.0, que reúne modernas tecnologias para produção de bens e serviços, irá eliminar muitos empregos que, provavelmente, serão substituídos, em parte, por outros gerados de novas tarefas em que o trabalho é mais competitivo que a automação. Entretanto, essas tarefas exigirão novos e complexos conhecimentos que nem sempre estão acessíveis no curto prazo. De qualquer forma, milhões de trabalhadores não qualificados estarão, definitivamente, impossibilitados de assimilar esses novos conhecimentos e, portanto, ficarão desempregados. Eles dependerão de um possível auxílio básico universal.  Surge, também, no horizonte, o dilema crescimento insustentável versus recessão causado pela necessidade de reduzir o consumo excessivo. O consumo excessivo ameaça a capacidade da Terra de fornecer recursos naturais causando um colapso socioeconômico mundial. Devemos, portanto, adotar um estilo mais simples de vida, porém com maior felicidade. O desemprego então resultante poderá ser compensado por investimentos em áreas do bem-estar coletivo, como energia, por exemplo.

 

Referências

ACEMOGLU, Daron & RESTREPO, Pascual; Artificial Intelligence, Automation and Work, Economics of Artificial Intelligence, USA, January 4, 2018

ATKINSON, Anthony B.; Desigualdade – O que pode ser feito?,  São Paulo: Leya, 2015.

BAUMAN, Zigmunt & MAY, Tim; Aprendendo a Pensar com a Sociologia, Rio de Janeiro: Zahar, 2010.

BERG Andrew et alli., Redistribution, inequality, and growth: new evidence, Journal of Economic Growth, Springer, v.23, n.3, p.259–305, Abstract, September 2018.

BOURGUIGNON, François, The Poverty-Growth-Inequality Triangle, New Delhi: Indian Council for Research on International Economic Relations, 2004. 

BRESCIANI FILHO, Ettore & RUSSO, Vivaldo A.F.; Considerações sobre a Desigualdade, Inclusão e Exclusão Social, (Relatório de Pesquisa), Academia Brasileira da Qualidade, SãoPaulo, 2017.

http://www.abqualidade.org.br/estudos-destaque-abq.php?id=214

BRUECKNER, Markus & LEDERMAN, Daniel; Inequality and GDP per capta: The Role of Initial Income; Australian National University, Australia, September 2017

BUSINESS INSIDER, The World Bank released new poverty lines — find out where your country stands, 26/10/2017

https://www.businessinsider.com/world-bank-released-new-poverty-lines-see-where-your-country-falls-2017-10  

COWELL, Frank A.; Measuring Inequality, UK, Oxford University Press, 2009

DEATON, Angus; The Great Escape health, wealth and the origins of inequality, Princeton (NJ): Princeton University Press, 2015.

DRUCKER, Peter; Sociedade Pós-Capitalista, São Paulo, Pioneira, 1993.

EASTERLIN, Richard; Does Economic Growth Improve the Human Lot? Some Empirical Evidence, In P. A. David, and M. W. Reder (Eds.), Nations and Households in Economic Growth: Essays in Honor of Moses Abramovitz, p. 89–125, New York: Academic Press, 1974.

FELDMANN, Paulo; Seu emprego vai para um robô, São Paulo: Folha de São Paulo, 29/07/2018.

FERREIRA, Francisco; Distributions in motion: Economic growth, inequality, and poverty dynamics, Palma de Mallorca: Society for the Study of Economic ECINEQ, 2010.

FINKEL, Adam M., 2017

http://evonomics.com/diedre-mccloskey-false-math-inequality/  

GIDDENS, Anthony & SUTTON Philip W.; Conceitos essenciais da Sociologia, São Paulo, unesp, 2016.

GINI, Corrado; Indici di concentrazione e di dipendenza. Atti della riunione della Società Italiana per il Progresso delle Scienze, Padova 09.1909. Roma: Società Italiana per il Progresso delle Scienze, 1910, p. 453-459.

HARARI, Yuval Noah; Homo Deus – Uma breve história do amanhã, São Paulo, Companhia das Letras, 2017.

HARARI, Yuval Noah; 21 Lições para o século 21, São Paulo, Companhia das Letras, 2018.

HOFFMANN, Rodolfo; Estatística para Economistas, Brasil, Cengage Learning, 2006.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, Indicadores de Desenvolvimento Sustentável, Brasília: IBGE, 2015.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, Síntese de Indicadores Sociais – Uma Análise das Condições de Vida da Sociedade Brasileira, Brasília: IBGE, 2017 (1).

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, Contas Nacionais Trimestrais – Indicadores de Volume e Valores Correntes, Brasília: IBGE, 2017 (2).

KOTLER, Philip, Capitalismo em Confronto, Rio de Janeiro: Best Business, 2015.

KUZNETS, Simon; Economic Growth and Income Inequality, USA, The American Economic Review (hoje publicado por American Economic Association), Vol. 45, No. 1, pp. 1-28, March 1955

McCLOSKEY, Deirdre N.; Growh, Not Forced Equality, Saves the Poor, USA, New York Times, 23/12/2016.

OSTRY, Jonathan D.; Inequality, growth, and globalization – Comments by Zolt Darvas, ECFIN Annual Research Conference 2017, Brussels, 20/11/2017.

PIKETTY, Thomas, O Capital no século XXI, Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014. 

RUSSO, Vivaldo A.F. & BRESCIANI FILHO, Ettore; Aspectos Analíticos e Estatísticos da Desigualdade Social e Pobreza (Relatório de Pesquisa), Academia Brasileira da Qualidade, São Paulo, 2018.

http://www.abqualidade.org.br/estudos-destaque-abq.php?id=218 

SHINGO, Shigeo; Sistema de Produção com Estoque Zero: O Sistema Shingo para Melhorias Contínuas, Porto Alegre: Bookman,1996.

STIGLITZ, Joseph E., O Grande Abismo, Rio de Janeiro: Alta Books, 2016.

THE WORLD BANK, LAC Equity Lab: Income Inequality – Income Distribution, Washington, D.C., The World Bank, 2017

http://www.worldbank.org/en/topic/poverty/lac-equity-lab1/income-inequality/income-distribution  <acesso em 15/09/2018> 

VALOR ECONÔMICO; Pobreza extrema aumenta 11% e atinge 14,8 milhões de pessoas, São Paulo, Valor Econômico, 12/04/2018.

WORLD BANK GROUP; Poverty and Shared Prosperity – Taking on Inequality, Washington (DC): The World Bank, 2016.

YASAR, Rusen, Subjective well-being and income: a compromise between Easterlin paradox and its critiques, Economics, The Open-Access, Open-Assessment E-Journal, v. 12, 2018-43, Germany, June 29, 2018.

 

 

[1] Engenheiro Mecânico (FEM-UNICAMP); Diretor Presidente Aposentado da EATON-Hydraulics da América do Sul; Professor do Curso de Extensão (FEM-UNICAMP); Membro da ABQ.

[2] Engenheiro Aeronáutico (ITA); Doutor em Engenharia e Professor Livre-Docente (EPUSP); Professor Titular Aposentado (FEM-UNICAMP); Membro do CLE-UNICAMP; Membro da ABQ.

Este artigo expressa a opinião dos Autores e não de suas organizações.

Siga-nos nas Redes Sociais

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Posts Relacionados