Fundamentos técnicos de modelos de Gestão da Qualidade salvam quase 400 vidas em Haneda

jamesteoh1976 / Freepik

 

Por Edson Paladini

 

Aeroporto de Haneda: 02 de janeiro de 2024, 17 horas e 47 minutos.

 

O voo 516 da Japan Airlines (JAL), procedente de Sapporo, com 367 passageiros e 12 tripulantes a bordo recebe autorização para pousar na pista 34R.

Ao aterrissar, o avião da JAL (Airbus A350-600 – 280 toneladas) colide com um avião da Guarda Costeira (Havilland DHC-8 Dash 8 – 19,5 toneladas) aguardando na pista para decolar. Cinco dos seis tripulantes do avião da Guarda Costeira morrem.

No avião da JAL, com bolas de fogo na área externa e muita fumaça e um calor insuportável na área interna, todas as 379 pessoas (oito crianças) conseguem sair, com um saldo de zero mortos e zero feridos com gravidade. O tempo total de evacuação foi de 115 segundos, segundo alguns passageiros, e foi concluída em até 16 minutos após a colisão.

Só haviam saídas de emergência operando na parte da frente da aeronave. Todos saíram por apenas três escorregadeiras infláveis, que sequer puderam ser corretamente estendidas (inclinação acentuada e descida íngreme).

O sistema de comunicação do avião foi avariado; as instruções aos passageiros eram dadas por megafones. Passageiros repetiam, aos gritos, para outros passageiros, as ordens que conseguiam ouvir da tripulação.

A posição em que o Airbus parou dificultou muito a evacuação: o avião ficou com o nariz para baixo, em completo desnível.

O fogo se espalhou com incrível rapidez: cerca de 20 minutos após a colisão, o fogo já consumia todo o avião.

A evacuação do avião da JAL surpreendeu o mundo e foi saudada com admiração e elogios em todas as partes da Terra.

Para quem conhece a JAL e os japoneses, entretanto, este fato milagroso não surpreende. Basta considerarmos alguns fundamentos técnicos dos modelos de Gestão da Qualidade vigentes na JAL (e, mais em geral, no país como um todo).

Analisando este episódio em termos dos modelos básicos da Gestão da Qualidade e dos referenciais atuais do conceito da qualidade, obtém-se algumas conclusões esclarecedoras.

 

  1. Qualidade enquanto valor

Há dois aspectos a analisar:

Primeiro, observe-se que os passageiros seguiram à risca as instruções da tripulação, com obediência e disciplina. Atenderam com incrível respeito, o pedido para ficarem calmos.

Outro exemplo marcante: Eles deixaram para trás bolsas, malas, mochilas, e quaisquer outros bens, valiosos ou não. Na verdade, a primeira regra a observar em evacuações rápidas é, exatamente, deixar tudo para trás, porque aqui cada segundo pode significar a diferença entre a vida e a morte. Esta regra foi seguida à risca pelos passageiros. De fato, nenhum passageiro foi visto na pista com qualquer objeto na mão ou outro tipo de bagagem.

De novo: Em uma situação como essa, qualquer segundo perdido pode significar mortes.

Em resumo: a vida de cada um e de todos os demais passageiros tem valor maior do que qualquer outra coisa.

Por outro lado, o treinamento das tripulações da JAL sempre começa da mesma forma: todos são exaustivamente lembrados que são responsáveis por vidas enquanto em atividade. Vidas e também propriedades. Mas, principalmente, vidas. E o valor delas é inestimável.

A qualidade do serviço, então, tem valor inestimável. Essa noção de valor ficou clara nas decisões tomadas pelos tripulantes, os últimos a deixarem o avião.

 

Suporte teórico: o americano David Garvin (1952-2017), um dos grandes gurus da qualidade neste século, definiu em um artigo publicado em 1984 na Sloan Management Review, cinco abordagens básicas para a qualidade. Uma delas envolve exatamente a “abordagem centrada no valor”, que se ajusta, com perfeição, ao que foi aqui analisado.  

 

  1. Qualidade enquanto características de produtos

O emprego de materiais aeronáuticos recentemente desenvolvidos amplia a segurança das aeronaves. O fato de haver efetiva utilização de materiais não inflamáveis na cabine foi crítico para que, em um período de até 2 minutos, o incêndio não tomasse conta da parte interna do avião.

Para se ter uma ideia da extensão do incêndio, os bombeiros demoraram mais de três horas para conseguir apagar as chamas.

O A350 é o mais moderno modelo em operação no mundo hoje. A estrutura de aviões modernos, como o A350 e o Boeing 787, utiliza materiais compostos, ou compósitos, que são mais leves e mais resistentes a impactos, compondo quase toda a fuselagem e as asas.

Estes compostos envolvem fibra de carbono, mais resistente ao calor. O alumínio, por exemplo, derrete a partir de 600 a 700 graus; já a fibra de carbono suporta temperaturas até cerca de 3.500 graus. A estas temperaturas, a fibra queima e esfumaça, mas não chega a derreter.

O problema é que os compósitos são mais inflamáveis, mas outros mecanismos incluídos no produto “avião” compensam esta fragilidade. A forma como a aeronave é projetada contribui para manter as chamas contidas na área externa durante os preciosos segundos iniciais do impacto.

Tanto o Airbus quanto o Boeing protegem os tanques de combustíveis nas asas e sob o centro da fuselagem com metais e materiais isolantes, não compósitos. Isso explica como o fogo acabou concentrado em uma das asas (esquerda) do A350 por algum tempo antes de se espalhar (as imagens do acidente evidenciam este fato).

 

Suporte teórico: Voltando ao americano David Garvin, vale lembrar que a abordagem centrada no produto é, também, uma das cinco citadas por ele. Aqui, todo o esforço da qualidade feito pelos produtores é observado no próprio produto. Uma terceira abordagem de Garvin foca no processo produtivo, o que é uma característica fundamental dos fabricantes de aviões, como a nossa Embraer. Tanto o enfoque baseado no produto quanto o enfoque baseado no processo são bem identificados aqui.    

 

  1. Qualidade enquanto prevenção

O fator que mais impacta em acidentes deste tipo é a quantidade de combustível que o avião dispõe naquele momento. No acidente de Haneda, o avião não explodiu no momento do choque. Provavelmente o A350 estava com os tanques quase vazios.

Sapporo dista de Tóquio cerca de 850 km, o que significa um voo de mais ou menos uma hora e meia. Em rotas internas no país, os aviões dispõem de 10% de reserva, ou seja, 10% a mais do que gastariam em um voo normal.

O tipo de avião envolvido no acidente comporta cerca de 150 mil litros de combustível (autonomia de 14 a 15 mil quilômetros). Tanto para reduzir o peso quanto por questões de segurança, o avião deveria estar com o nível mínimo de combustível para a viagem em si e, claro, para suportar o peso de 367 passageiros (apenas 2 a menos em relação à capacidade máxima). A quantidade de combustível aqui é um processo que envolve prevenção e conhecimento técnico do equipamento em uso.

 

Suporte teórico: Armand Vallin Feigenbaum (1920-2014) é considerado um dos “pais” dos modernos conceitos da qualidade. É dele a noção do chamado Controle da Qualidade Total. Neste conceito, altera-se a ideia de que o Controle da Qualidade existe para reparar defeitos, passando a defini-lo como o esforço de eliminar defeitos por meio de ações preventivas. Este conceito vem dos anos 1950. Como se vê, continua válido. 

 

  1. Qualidade enquanto cultura 

O que mais chamou a atenção no processo de evacuação dos passageiros foi o comportamento assumido por eles. O que não é novidade em um país acostumado a conviver com acidentes naturais dos mais diversos tipos e impactantes gravidades.

Cultura é o conjunto de valores e crenças de uma sociedade e ambos são bem enraizados no povo japonês. Os japoneses têm a visão do coletivo, por exemplo, colocada acima de valores individuais.

Isto me lembra história dos tomates: um japonês comprando tomates na feira, escolhe um exemplar bonito e outro nem tanto. Perguntei o porquê disto e a resposta foi óbvia, mas, para mim, surpreendente: se eu pego apenas tomates bonitos, quem vier depois só encontra tomates feios…

Interessante lembrar que tragédias aconteceram em situações semelhantes em outros países, como no caso da tentativa de evacuar espaços públicos. E os resultados foram bem diferentes.

 

Alguns exemplos:

 

  • 1964: 328 mortes na tragédia do Estádio Nacional de Lima, no Peru. A ação policial provocou uma debandada da multidão (a maioria morreu pisoteada).
  • 1990: Mais de 1400 pessoas morreram ao tentar sair de um túnel na Arábia Saudita.
  • 2005: 950 pessoas morreram após um processo de pânico em uma ponte de Bagdá.
  • 2006: 10 pessoas mortas e mais de 50 feridos em uma tarde de autógrafos de uma banda em São Paulo.
  • 2014: 40 pessoas mortas em uma celebração de ano novo em Xangai, na China.
  • 2015: 2.200 pessoas morreram por esmagamento em um processo de desocupação rápida em um evento em Meca, Arábia Saudita.
  • 2022: Cerca de 150 mortos na evacuação igualmente rápida de um evento de Dia das Bruxas em Seul, Coréia do Sul, após uma falsa ameaça de bomba.

O que mostra bem a especificidade do caso de Haneda.

 

Suporte teórico: autores modernos da Gestão e Avaliação da Qualidade têm defendido a ideia de que três pilares suportam a qualidade: a cultura, a diferenciação e a concorrência. A cultura é pré-requisito da qualidade; a diferenciação é o método e a concorrência é a gênese da qualidade. Já nos anos 1950, dois grandes referenciais na história da qualidade, Joseph Juran (romeno naturalizado americano, 1904 – 2008) e William Edwards Deming (americano, 1900 – 1993), considerados os mentores da revolução japonesa pela qualidade, notaram que a cultura japonesa seria o elemento básico do esforço de reconstrução do país após a Segunda Grande Guerra. E fizeram dela o carro chefe do modelo japonês da qualidade. Nada mudou desde então…

 

  1. Qualidade enquanto qualificação dos recursos humanos 

Os treinamentos das equipes de voo da JAL são únicos no mundo, sendo reconhecidos como os mais eficazes dentre todas as companhias aéreas. Além da noção de valor (descrita acima), os tripulantes são treinados para lidarem com o imprevisto, com situações que exigem imediatas e seguras respostas.

Rapidez (tempo); controle do pânico a bordo (coordenação) e segurança (procedimentos corretos) são elementos fundamentais do processo de formação das equipes. Estes aspectos se mostraram críticos neste episódio. Por exemplo: em situações reais, é sempre complexo evitar o desespero e o pavor dos passageiros (o que pode agravar a situação).

Outro aspecto fundamental da formação das equipes de cabine é a aptidão para criar um processo de coordenação em perfeita sintonia os passageiros (este processo foi notável no acidente de Haneda).

Ações de resgate; pronto socorro; controle de grande quantidade de pessoas; modelos diversos de rápidas evacuações; enfim, posturas a assumir nas mais diferentes situações possíveis (algumas, altamente improváveis) fazem parte do treinamento.

Nenhum comissário de bordo começa a atuar sem passar por todas as fases da formação e da qualificação. E mais: esse conjunto de treinamentos é repetido todos os anos.

Os modelos de treinamento incluem: provas escritas; discussão de estudos de caso; ações a desempenhar em diversos contextos; reações imediatas a situações como pousos na água, incêndios a bordo, fumaça no interior da cabine, alteração na temperatura interna, despressurização da cabine, etc.

Nenhum funcionário está isento destes treinamentos.

Um modelo muito adotado nos treinamentos é o de simulações de cenários de risco. Nestes casos, há sempre um número considerável de voluntários prontos a fazer o papel de passageiros nestes processos.

Uma observação interessante feita por um comissário de bordo: Em uma situação como a que ocorreu em Haneda, você não tem tempo para pensar, nem para raciocinar e nem mesmo para analisar qual a melhor forma de agir: você simplesmente executa aquilo para o qual você foi treinado. Ou seja: coloca o treinamento em prática.

A perícia dos tripulantes também ficou evidenciada pela rápida avaliação que fizeram para definir quais das oitos saídas seriam mais seguras para uso naquele momento.

Para facilitar a comunicação, usaram frases curtas e diretas, como “deixem as bagagens”; “usem esta porta”; “`não saiam por aqui”…

Claramente, são procedimentos analisados, discutidos e estudados com exaustão em treinamentos bem estruturados.

 

Suporte teórico: Qualquer que seja o referencial escolhido para definir qualidade, a importância do envolvimento efetivo dos recursos humanos neste esforço é sempre enfatizada. Genish Tagushi (japonês, 1924 – 2012), um dos maiores estudiosos da qualidade, foi autor de métodos estatísticos sofisticados na teoria, mas muito simples na aplicação, sempre investindo na melhoria contínua dos produtos e dos processos. Mas ele sempre enfatizou que o método mais perfeito para produzir qualidade seria aquele que envolve, de forma adequada, os recursos humanos da organização produtiva neste processo. Como ele, a maioria dos especialistas da área defende a mesma ideia. 

 

  1. Qualidade enquanto normas

No mundo inteiro, o transporte aéreo é regulado por normas rígidas e universalizadas. Talvez nenhum outro setor da atividade humana tenha critérios de operação tão bem estruturados, com bases técnicas bem definidas e com amplo conhecimento dos usuários do que o transporte aéreo.

Para operar de forma regular, qualquer companhia aérea ou mesmo qualquer piloto ou dono de aeronave de qualquer porte deve atender a um conjunto de especificações com notáveis graus de exigência.

Existem, claro, normas locais com maior ou menor nível de rigor, mas a certificação internacional exige procedimentos únicos em todo o planeta e nos quais a segurança é questão crítica.

Por exemplo: para que quaisquer aeronaves de passageiros sejam certificadas internacionalmente, as empresas que as produzem precisam comprovar que todos os passageiros a bordo, independentemente do número, podem abandonar por completo o avião em um tempo limite de 90 segundos.

A regulamentação do uso do espaço aéreo também depende de normas claras, e envolve não apenas a fixação de rotas de forma nítida como também o respeito à soberania dos diversos países.

Em resumo, a normalização do transporte aéreo não é apenas um componente essencial de sua operação, mas um pré-requisito para tanto.

 

Suporte teórico: Os anos 1970 trouxeram a era das normas, formalização da Gestão da Qualidade no Processo. A partir da norma inglesa British Standard 5750, vieram as normas da família ISO 9000.  A ISO (International Organization for Standardization) foi fundada em 1947 em Genebra, Suíça. Entretanto, só no começo dos anos 1980 é que foi criado o Comitê TC-176, responsável exclusivamente por Qualidade. Segue–se a série ISO 9000, a partir de 1987, com versões 1994, 2000, 2008, 2015, e por aí vai…  Hoje os modelos de normalização são partes essenciais dos Sistemas de Gestão da Qualidade.

 

  1. A qualidade enquanto aprendizagem a partir dos erros 

Apesar de todo o esforço e todo o investimento em questões da segurança, a JAL tem uma triste marca: foi um avião seu que protagonizou o acidente aéreo envolvendo um só avião mais mortal da história da aviação.

Em 12 de agosto de 1985, o voo JAL 123, decolou do aeroporto de Haneda às 17 horas com destino a Osaka. O avião, um Boeing 747SR, levava 509 passageiros e 15 tripulantes. Doze minutos após a decolagem, o avião sofreu uma repentina descompressão, perdeu completamente o controle, e acabou colidindo com uma montanha em Ueno, 42 minutos após a decolagem. Apenas 4 passageiros sobreviveram.

Investigações exaustivas mostraram que reparos defeituosos realizados por funcionários da Boeing, a fabricante da aeronave, levaram à sua queda. O anteparo traseiro do avião foi fixado de forma inadequada, de modo que o estabilizador vertical foi totalmente arrancado, causando a perda completa de todos os controles hidráulicos do avião em pleno voo.

Este acidente marcou muito a companhia, e promoveu uma completa remodelação de toda a sua operação.

Interessante que o acidente não passou a ser um elemento a ser esquecido. Bem ao contrário, em 2006, a JAL abriu um museu perto do Aeroporto de Haneda, tanto para lembrar o triste evento como para fazer dele uma fonte de motivação.

O museu mostra destroços do acidente e pretende, também, promover a conscientização sobre a importância da segurança, tanto entre passageiros como (principalmente) funcionários.

Na abertura do museu, aparece a seguinte mensagem: “Diante da dor e do pesar das famílias enlutadas e da desconfiança do público na segurança das companhias aéreas em função deste evento de triste lembrança, prometemos que nunca mais permitiremos que um acidente tão trágico venha a ocorrer”.

Cabe notar que, em se tratando de transporte aéreo, tudo o que gera qualquer incidente ou acidente é motivo de melhorias e aumento da segurança no futuro. Ou seja: estudos para determinar possíveis causas de incidentes ou acidentes aéreos levam a avanços na qualidade do serviço prestado, principalmente em termos de segurança operacional. E isto envolve pequenas ou profundas alterações operacionais, posturas novas para tripulantes e passageiros ou até mesmo significativas mudanças no projeto das aeronaves.

 

Alguns poucos exemplos:

 

  • Em 24 de março de 2015, um avião da Germanwings (voo 9525 – Airbus A320) partiu da Espanha com destino à Alemanha, mas acabou caindo nos Alpes suíços. A investigação posterior mostrou que a queda foi causada de forma intencional pelo copiloto, que já havia sido tratado por apresentar tendências suicidas e não havia comunicado a companhia. Ele aproveitou o momento em que o comandante saiu da cabine de comando, trancou a porta por dentro e iniciou a descida controlada até se chocar contra os Alpes suíços. A partir deste acidente, agências reguladoras da aviação pelo mundo passaram a exigir a presença constante de, pelo menos, dois tripulantes na cabine de comando. Caso um dos pilotos precise sair, outro tripulante deve ficar na cabine. Além disso, a porta da cabine de comando pode ser aberta pelo lado de fora com o uso de senhas.
  • Já em 14 de março de 2014, o voo MH-370, da Malaysia Airlines, desapareceu sobre o Oceano Índico com 239 pessoas a bordo. O Boeing 777 fazia a rota entre Kuala Lumpur (Malásia) e Pequim (China). Até os dias de hoje, não há informações sobre onde o avião poderia estar. A partir deste evento, foi introduzido um sistema de rastreamento global por meio de GPS para os aviões (ainda em fase de implantação).
  • No dia 01 de junho de 2009, ocorreu a queda do voo da Air France AF 447, que partiu do Rio de Janeiro com destino a Paris. O avião, com 228 pessoas a bordo, sofreu uma pane devido à obstrução dos pitots, causando falhas na medição da velocidade e também induzindo a erros no comando do avião e caiu perto das ilhas de São Pedro e São Paulo no Oceano Atlântico. Este acidente gerou sensíveis melhoras no sistema de busca e salvamento entre a costa do Brasil e Senegal e também à troca dos tubos de pitot dos aviões, em um modelo que envolve a ampliação da capacidade de descongelamento das sondas
  • E, claro, não custa lembrar o 11 de setembro de 2001. Nesta data, um grupo de terroristas sequestrou quatro aviões com a intenção de atirá-los contra diversos locais nos Estados Unidos, sendo que dois atingiram as Torres Gêmeas, no World Trade Center, em Nova York; um terceiro atingiu o prédio do Pentágono, sede do Departamento de Defesa dos Estados Unidos e o quarto avião foi derrubado antes de chegar ao seu destino. Ao todo, estima-se que cerca de 3.000 pessoas morreram e outras 6.000 ficaram feridas no episódio.  Desde então, foi proibido o embarque na bagagem de mão com líquidos acima de 100 ml; aumentaram as exigências no controle de entrada das áreas de embarque; laptops devem ser retirados de mochilas e bolsas; produtos de higiene são, com frequência, impedidos de embarcar como bagagem de mão e as portas das cabines de comando passaram a ficar trancadas durante os voos.
  • Por fim, a colisão de dois Boeing 747, das empresas PANAM e KLM, no Aeroporto Los Rodeos (Ilha espanhola de Tenerife), em 27 de março de 1977, que matou 583 pessoas e continua a ser o mais letal da história da aviação. Este acidente determinou uma revisão dos procedimentos realizados pelos tripulantes e das comunicações de rádio, isto porque a colisão foi causada por uma falha de comunicação entre a tripulação de voo e os controladores de tráfego aéreo. Um procedimento simples adotado desde então: ao invés do piloto informar a torre que entendeu a mensagem recebida, ele deve repetir o que ouviu. Isto evita, claro, erros que podem ser fatais, como se percebe.

 

Certamente os fabricantes de todo o mundo estão ansiosos pelas análises que serão feitas em relação ao material usado na fabricação do avião envolvido no acidente de Haneda, dado que foi a primeira ocorrência desta natureza envolvendo um A350 (mais de 50% dos materiais compostos em peso estão neste avião, principalmente na estrutura externa, como a fuselagem, a cauda e as asas).

Os estudos analisarão como compósitos leves de carbono impactam tanto no caso de incêndios quanto nas possibilidades de que os passageiros sobrevivam ao acidente. Sabemos que estes compósitos proporcionam efetiva economia de combustível (principalmente em termos de peso) e maior resistência à fadiga. Agora outras questões poderão ser avaliadas.

O fato: a fuselagem protegeu o avião de um incêndio catastrófico; não queimou de imediato e gerou o tempo para que todos deixassem a aeronave.

 

Suporte teórico: Voltando ao grande guru Joseph Juran: ele sempre afirmava que aprender a partir de erros era próprio do esforço pela qualidade. Mas eu sempre achei mais interessante outra frase dele: é muito mais fácil, e também mais barato, aprender com os erros dos outros. 

 

  1. Qualidade enquanto aspectos transcendentais. 

Começando pelo suporte teórico: O citado David Garvin incluiu a abordagem transcendental entre as cinco abordagens básicas da qualidade. A ideia, aqui, é que a qualidade transcende o produto e o processo produtivo. E envolve fatores que vão além dele. Dois elementos são bem destacados neste contexto: a marca do produto e a imagem da empresa que é responsável por ele.

A confiança dos japoneses na JAL após o acidente de 1985 sofreu uma queda acentuada. As rotas domésticas da empresa tiverem expressiva redução na procura, beneficiando empresas concorrentes, como a ANA (All Nippon Airways).

Embora tenha ficado claro que o acidente foi causado por falha de manutenção feita pelo pessoal da Boeing, a empresa aérea sofreu as consequências, sendo acusada de não ter feito as devidas inspeções. Até surgiu a notícia de que a Boeing estava, na verdade, protegendo uma grande cliente sua.

A JAL chegou a pagar cerca de 8 milhões de dólares às famílias das vítimas, ainda que não admitindo responsabilidade pelo acidente.

Outras questões de impacto: O presidente da JAL renunciou logo após o acidente; o gerente de manutenção da empresa cometeu suicídio, o mesmo ocorrendo com o engenheiro que inspecionou e liberou a aeronave após o reparo.

O número 123 foi retirado das rotas da empresa. E, mais tarde, os Boeing 747 começaram a ser substituídos por modelos 767 e 777.

A JAL criou um memorial no local do acidente e tem feito muitas homenagens aos mortos no evento. E, ainda hoje, há ações de apoio às famílias das vítimas.

Todos esses esforços reconstruíram a marca JAL, que, agora, fica mais robustecida pelo recente acidente de Haneda.

E um detalhe final: Yoko Takahama é, hoje, comissária de bordo da JAL. Ela vem a ser a filha do comandante do voo que sofreu o acidente em 1985.

 

  1. A qualidade enquanto melhoria contínua 

A aviação é um exemplo perfeito do uso de conceitos de melhoria contínua em todos os setores de operação do serviço.

 

Suporte teórico: Na verdade, o conceito de melhoria contínua está incorporado aos modelos de Gestão da Qualidade desde sempre. Ganhou muita ênfase por estar na base do conceito de Qualidade Total, que teve enorme repercussão nos anos 1990, divulgada por autores ilustres como Dale Besterfield (americano, 1930); Kaoru Ishikawa (japonês, 1915 – 1989) e Philip Crosby (americano, 1926 – 2001), além dos já citados Feigenbaum, Juran e Deming, e nos manuais da Organização Europeia para a Qualidade (EOQ).   

 

Todo o esforço neste contexto está direcionado para clientes e consumidores. O que remete à quinta abordagem de Garvin: adequação ao usuário (a qualidade é definida por quem consome e não por quem produz).

É um setor em contínua evolução. Como a segurança é o requisito de qualidade mais importante deste tipo de serviço, é nesta área que a melhoria contínua fica muito evidente.

O acidente de Haneda provou que este processo vai muito além de promover um serviço com características cada vez maiores de (quase) perfeição: ele salva vidas. Muitas vidas.

 

Isto é qualidade. E isto é Gestão da Qualidade.

 

Edson Pacheco Paladini é professor do Departamento de Engenharia de Produção e Sistemas da Universidade Federal de Santa Catarina e Membro da Academia Brasileira da Qualidade

 

 

Este artigo expressa a opinião dos Autores e não de suas organizações.

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7 comentário sobre “Fundamentos técnicos de modelos de Gestão da Qualidade salvam quase 400 vidas em Haneda

  1. Nove aspectos são abordados do que a qualidade significa neste evento que teve a JAL como palco. Aspectos práticos do que significa qualidade, de fato. Parabéns por esta forma tão útil do mostrar o valor da qualidade na vida das pessoas.

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