Normas ISO: duas vacinas anticorrupção

Markus Spiske / Unsplash

“Sempre há a tentação pela corrupção”, diz o Papa sobre escândalos no Vaticano.

 

B. V. Dagnino

 

A corrupção, considerada praga mundial, claro que em maior ou menor grau em cada país, traz tantas consequências lamentáveis para a sociedade, a ponto de no Brasil estar sendo considerado seu enquadramento como crime hediondo. Sua prática inclui desde o desvio das verbas da merenda escolar ao superfaturamento de obras públicas, do sobrepreço na compra de medicamentos à introdução sub-reptícia de dispositivos legais para favorecer esse ou aquele grupo.

Vejamos, segundo a Transparência Internacional, os níveis de corrupção de muitos países, inclusive a posição do Brasil, nada lisonjeira:

 

Posição

País

Dinamarca

Nova Zelândia

Finlândia

Suécia

Noruega

Suíça

Cingapura

Holanda

Luxemburgo

10ª

Canadá

17ª

Estados Unidos, Hong Kong, Barbados e Irlanda

21ª.

Chile, Uruguai

69ª

Brasil, Bulgária, Grécia, Itália, Romênia, Senegal e Suazilândia

174ª

Coreia do Norte e Somália

Preocupada com esse problema mundial, a ISO já publicou uma norma, e está em vias de publicar uma segunda. As ações para prevenir nas organizações, em particular nas empresas, tanto públicas como privadas, a violação de leis e regulamentos, garantindo seu cumprimento, são objeto de norma sobre sistemas de gestão para compliance (conformidade). Uma delas é a ISO 19600:2014 e outra, já em fase final de elaboração, a ISO 37001 que tratará de sistemas de gestão antipropina (anti-bribery).

A ISO 19600 é um documento sob forma de diretriz, isto é, não contém prescrições, mas sim recomendações. O sistema de gestão proposto parte do levantamento dos requisitos das partes interessadas (por exemplo do Governo, como leis e disposições de cumprimento obrigatório, ou cláusulas contratuais definidas por clientes), e daí para a avaliação de questões internas e externas, para então definir uma política e daí as obrigações e os riscos de conformidade.

Segue-se o planejamento para cumprimento dos objetivos, o planejamento operacional e controle de riscos, a avaliação do desempenho, e o tratamento de não conformidades e a melhoria. A norma aborda ainda os princípios de boa governança, o comprometimento da liderança e a atribuição de responsabilidades em todos os níveis. É recomendada a existência de uma função independente de compliance.

Já a futura ISO 37001 é uma norma de requisitos, logo certificável. A norma tem alguma semelhança com a 19600 quando, por exemplo, prevê a existência de uma função de compliance, embora seu formato e conteúdo difiram bastante. Ela adota o formato do Anexo SL preconizado pela ISO para todas as normas relativas a sistemas de gestão, incluindo, por exemplo, um item sobre o contexto da organização.

O documento também aborda as questões internas e externas e a avaliação de risco. É reconhecido que nenhum sistema de gestão antipropina será capaz de prevenir e detectar todas as propinas. O processo de admissão de empregados é requisito que busca prevenir problemas potenciais decorrentes de um recrutamento inadequado.

A documentação da informação e a comunicação são enfatizadas. Presentes, hospitalidade, doações e benefícios semelhantes são objeto de definições de seus limites. Itens tratam da investigação de casos de propina, e de controles financeiros e não financeiros. A avaliação do desempenho abrange o monitoramento, a análise crítica pela função conformidade antipropina, e auditorias, inclusive de terceira parte.

A própria publicação dessas normas internacionais evidencia que a corrupção é um problema global, cujo combate deve ser executado com base num sistema de gestão abrangente. A existência de recomendações (no caso da ISO 19600) e de requisitos (no caso da ISO 37001) propicia às organizações, quaisquer que sejam seu porte ou área de atuação, um roteiro para prevenir a violação de dispositivos legais do país onde ela atua, e práticas de corrupção, sejam elas praticadas pela própria organização ou vítima delas.

 

B. V. Dagnino é vice presidente da Academia Brasileira da Qualidade (ABQ) e diretor técnico da Qualifactory Consultoria.

Este artigo expressa a opinião dos Autores e não de suas organizações.

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