Acadêmico Nigel Croft

Nigel Croft

Recuperação do Brasil Pós COVID-19

 

Acadêmico Nigel Croft. Nascido na Inglaterra e naturalizado Brasileiro no ano 2000. Formou-se em Ciências Naturais (Cambridge), PhD em Metalurgia (Sheffield) e foi Harkness Fellow na Universidade de California, Berkeley. Teve uma longa carreira profissional como gerente, diretor e membro do conselho de diversas organizações ao redor do mundo na área de gestão da qualidade, responsabilidade social e sustentabilidade. Ex-Presidente do TC176/SC2 da ISO (responsável pelas normas ISO 9001 e 9004), atualmente é coordenador da força-tarefa para a revisão da estrutura-base de todas as normas de sistemas de gestão emitidas pela ISO. Nigel é Membro da Academia Brasileira da Qualidade desde 2014, Chartered Quality Professional e Fellow do CQI (Reino Unido) e Membro Sênior da ASQ (EUA).

 

Acompanhe a sua entrevista realizada no inicio de julho, à distância.

 

Como você percebe os impactos e consequências da COVID-19?

Este é um fenômeno que nunca vimos antes (pelo menos na minha vida) e que afetou de uma forma ou de outra todos os cidadãos do mundo. É claro que as consequências diretas mais óbvias são os impactos negativos envolvendo sofrimento e morte prematura de mais de meio milhão de pessoas ao redor do mundo (dados da OMS até o final de junho de 2020), juntamente com as severas restrições às nossas liberdades pessoais que foram impostas pelos governos (na maioria, em minha opinião, totalmente justificadas). Há também o impacto indireto sobre a saúde, incluindo a saúde mental daqueles que são obrigados a se auto-isolar (particularmente os mais pobres, morando em residências lotadas e/ou com problemas sociais) e aqueles que têm seus empregos em risco. Isso sem falar das pessoas que foram obrigadas a adiar o tratamento de outras doenças (não relacionadas à COVID-19). Por exemplo, dados de julho de 2020 publicados no Reino Unido estimam que, além do número direto de mortes por COVID-19, um número semelhante também possa morrer de câncer resultante de atrasos no diagnóstico e tratamento neste período de crise. Falando em termos econômicos do curto prazo, no auge da crise, em abril de 2020, a economia do Reino Unido (onde atualmente resido) encolheu mais de 20%; números nunca vistos antes. Os efeitos econômicos de longo prazo ainda precisam ser quantificados, mas a OCDE estimou que a maioria dos países deva sofrer um declínio de 2% no crescimento anual do PIB a cada mês em que medidas estritas de contenção estiverem em vigor.

Dito tudo isso, também houve vários impactos positivos. Do ponto de vista social, para aqueles de nós que têm a sorte de ter um relacionamento familiar estável, chegou a hora de nós convivermos de forma mais intima com nossos entes queridos, seja por confinamento forçado com eles ou usando tecnologias virtuais. Minha extensa programação de viagens internacionais (normalmente envolvendo mais de 300.000 km voados por ano) foi severamente reduzida e substituída por trabalhos remotos e reuniões virtuais a partir da minha casa. Como resultado, minha esposa Naila e eu nunca passamos tanto tempo juntos durante nossos 36 anos de casamento … e felizmente nos demos muito bem! Com 89 anos, minha mãe agora se reinventou como a “Rainha de WhatsApp” e vê mais os netos (e o bisneto recém-chegado) do que ela faria em circunstâncias normais (embora virtualmente). Eu conheci alguns dos meus vizinhos no Reino Unido pela primeira vez – mantendo distanciamento de 2m, claro! -, quando escapamos de nossas casas semanalmente para dar “aplausos para os heróis”, reconhecendo os incríveis esforços e sacrifícios feitos pelo pessoal do nosso Serviço Nacional de Saúde. Conforme minha mãe eram cenas de solidariedade que ela não tem visto desde a 2ª Guerra Mundial. Do ponto de vista ambiental, a maioria dos impactos também tem sido positiva. Águas claras em Veneza; redução da poluição do ar nas principais cidades do mundo e diminuição significativa das emissões de carbono, para citar apenas alguns.

Então, como espécie, estamos nos adaptando à crise atual, e continuaremos a nos adaptar à ”nova normalidade” quando eventualmente terminar. Como Charles Darwin disse: “Não é a mais forte das espécies que sobrevive; nem os mais inteligentes – são aqueles que são mais adaptáveis à mudança”

 

O que fazer no curto prazo, afora as medidas já tomadas, para atenuar o impacto econômico, empresarial e social?

Não pode haver uma abordagem “tamanho único”. É claro que os governos nacionais, regionais e locais devem fornecer a direção estratégica e definir as políticas apropriadas em tempo hábil. Mas os detalhes das medidas em si dependerão do contexto socioeconômico específico de cada país e exigirão uma análise detalhada das perspectivas de todas as partes interessadas da região geográfica. A abordagem adotada no Reino Unido, uma vez que o governo decidiu agir (e há críticas de que isso era tarde demais!) foi de “colocar a saúde da nação como primeira prioridade” e cuidar das implicações econômicas depois. Subsídios e doações de curto prazo foram concedidos a trabalhadores que não conseguiram continuar suas atividades normais e também a empresas, com ênfase particular nas PME. Hoje, em julho de 2020, isso foi estendido para cobrir as organizações artísticas e culturais que também foram gravemente atingidas pela crise. Essas medidas até expuseram aspectos da “economia paralela” no Reino Unido (imagine o Brasil!), uma vez que o governo forneceu subsídios para completar os salários e faturamentos tradicionais baseado nas declarações oficiais de imposto de renda do ano de 2019. Quem não declarou, dançou! Mas, em qualquer caso, esses subsídios são economicamente insustentáveis ​​a longo prazo. Muito se tem falado sobre “Reinventando a economia do Reino Unido” usando a recuperação PÓS-COVID -19 como uma oportunidade para provocar uma alteração profunda da estratégia dos investimentos do governo para focar em projetos mais socialmente e ambientalmente amigáveis. A meu ver, fazer uma comparação entre as abordagens adotadas pelos governos do Reino Unido e do Brasil (ou outros países) seria um grande erro; cada um tem seu próprio contexto único em termos de seu nível geral de desenvolvimento, PIB per capita, densidade e demografia populacional, infraestrutura (e em particular infraestrutura de saúde), normas sociais e outros. O importante é tomar decisões rápidas, geralmente com base no que normalmente seria considerado um nível inaceitável de incerteza e, em seguida, revisar essas decisões periodicamente à medida que a situação evolui. É claro que foram e serão cometidos erros, resultando em críticas “após o fato”, mas, na minha opinião, o mais importante é a agilidade para reconhecer o que é necessário, tomar ações em tempo hábil, e ter a coragem de mudar a direção à medida que novas informações se tornam disponíveis ou se as coisas não estiverem correndo conforme o planejado. Soa familiar?? ………. Não é nosso querido e amado ciclo “PDCA”??

 

Como a qualidade e a gestão podem ajudar para saída da crise?

Eu já mencionei o ciclo PDCA, mas é muito mais profundo que isso. Gostaria de mencionar três tópicos específicos que considero relevantes, todos relacionados à minha área específica de especialização – normas de sistemas de gestão.

O primeiro é que, mais uma vez, o mundo não conseguiu implementar estratégias apropriadas de gestão de riscos e, em particular, a implementação de ações PREVENTIVAS baseadas na mitigação de riscos inaceitáveis. A questão é “o que é um RISCO INACEITAVEL”?? Ficamos cientes de problemas deste tipo durante o colapso financeiro global de 2008, onde a tomada excessiva de risco pelos bancos, combinada com uma desaceleração no mercado de empréstimos “subprime” nos Estados Unidos culminou com a falência da empresa Lehman Brothers e precipitou uma crise bancária internacional. Era previsível e evitável? Na minha opinião, sim! O que aconteceu foi que a ganância superou a tomada de decisão baseada em evidências (um dos 7 Princípios de Gestão da Qualidade nos quais a família de normas ISO 9000 se baseia). O mesmo se aplica à atual pandemia da COVID-19. A própria pandemia foi evitável? Provavelmente não. Muitos já viram os vídeos no YouTube de Bill Gates, Barak Obama e outros, deixando muito claro que após a crise da Ebola, era apenas uma questão de tempo até aparecer outra similar………… mas nossa preparação para lidar com a pandemia quando ela chegou poderia ter sido muito melhor, com base na gravidade das consequências conhecidas de um evento como esse. Em vez de garantir a disponibilidade de estoques estratégicos de EPIs, medicamentos e equipamentos críticos e o desenvolvimento de fornecedores locais – o que significa um investimento grande – prevaleceu uma abordagem mais conveniente (e mais barato!) do tipo “Just-in-time” com grande foco e dependência nas cadeias de fornecimento com os preços mais baixos, como da China. Nada contra o “Just-in-time”, é claro – mas no lugar certo na hora certa. Dependendo do contexto e da criticidade, a filosofia “Just in case” ganha do “Just in time”! Em seu livro “O Cisne Negro”, Nassim Taleb explora como o pensamento tradicional de gestão de risco geralmente se decompõe em situações em que um evento é totalmente imprevisível ou com probabilidade extremamente pequena, e o impacto potencial (negativo ou positivo) é astronômico. Quando penso nas abordagens de avaliação de riscos adotadas por muitas organizações, frequentemente vejo uma abordagem “padronizada” ou até burocrática, que aborda os pequenos problemas do dia a dia que podem ocorrer, mas que ignora totalmente os potenciais “elefantes na sala”.

O segundo tópico é que, uma vez que nos encontramos numa situação como da COVID 19, a abordagem da ISO 9001 para “não conformidades” é extremamente relevante. Para resumir, isso envolve a contenção do problema; a correção do problema (na medida do possível), identificação da(s) causa(s), determinando AÇÕES CORRETIVAS (para evitar a recorrência) e fazendo a pergunta “o problema existe ou pode ocorrer em outro lugar?”. Claramente, no que diz respeito ao COVID-19, ainda estamos apenas nos estágios iniciais e ainda não chegamos nem perto de identificar a causa real do problema (tanto em termos do próprio vírus quanto da nossa reação a ele). Isso sem dúvida ocupará nossos cientistas, médicos e políticos nos próximos meses e anos ………… mas resultará em ações corretivas reais e abrangentes para evitar que cometamos os mesmos erros no futuro? Eu tenho minhas dúvidas!

O terceiro tópico é a necessidade de resiliência organizacional e social e, em particular, a necessidade de tomada de decisão ágil em uma situação de rápida evolução. O Comitê Técnico da ISO TC 292 atualmente tem publicado diversas normas internacionais (e está desenvolvendo mais) relacionados a este tópico. Estas incluem normas de requisitos (“certificáveis”), como ISO 22301 para Gestão de Continuidade de Negócios, além de normas de diretrizes para continuidade da cadeia de suprimentos, gestão de emergências e incidentes, uso das mídias sociais durante emergências, envolvimento de voluntários espontâneos, e muitas mais – todas muito relevantes para a crise atual do COVID-19. Também me lembro do “primo menos conhecido” do ciclo PDCA, o loop “OODA”, desenvolvido pelo piloto da Força Aérea Americana John Boyd para ajudar na tomada de decisões ágeis em cenários de mudanças rápidas. O loop OODA  é uma abordagem em quatro etapas (“Observar, Orientar, Decidir, Agir”) que se concentra na filtragem das informações disponíveis, colocando-as em contexto e tomando rapidamente a decisão mais apropriada no momento, mas reconhecendo que modificações podem ser feitas à medida que mais dados estiverem disponíveis.

 

Sempre dizemos que o Brasil é o país do futuro: Isso pode acontecer algum dia? Quando? Como será possível?

Vou dar a minha perspectiva como um brasileiro naturalizado, nascido e criado no Reino Unido. Uma das primeiras “piadas” irônicas que ouvi quando cheguei ao Brasil em 1983 foi que “o Brasil é o país do futuro – e sempre será!”. Mas, em geral (com uma série de altos e baixos), acredito que o Brasil está progredindo lentamente na direção certa. Na minha experiência, os brasileiros em geral são pessoas trabalhadoras (que também gostam de se divertir!), ao contrário da caricatura tradicional de alguns de nossos companheiros latino-americanos como sendo “lentos e preguiçosos”. Existe uma consciência crescente das desigualdades em nossa sociedade que, juntamente com a corrupção – uma relação simbiótica – representam a causa raiz de todos os nossos problemas. Nos últimos anos, sinto um desejo real “do povo” (em todos os níveis socioeconômicos) de fazer algo sobre isso. Somente quando abordarmos essas questões o Brasil poderá fazer um progresso real em direção da meta de realizar seu verdadeiro potencial. Vou dar alguns exemplos de questões simples que, na minha inocência, não consegui entender quando cheguei no país cerca de 40 anos atrás. Por que, por exemplo, os “filhos de pais ricos” predominam nas universidades públicas? Estas não deveriam se concentrar naqueles alunos que não podem se dar ao luxo de ir para uma universidade particular? ……….. Porque tantas pessoas se interessam em se tornar político?? Tanto desejo de servir o público!!…….. Porque o povo valoriza e elege um Governador do Estado de São Paulo cujo lema era “Rouba, mas faz”??……… Por que alguns políticos têm tanta sorte quando se trata de ganhar na loteria? ………… Por que tantos restaurantes e bares aparentemente sobrevivem e prosperam quando parecem estar sempre vazios? Perdi minha ingenuidade já faz muitos anos, eu agora conheço a realidade da maioria das respostas (mas provavelmente seria melhor não comentar!). Somente quando realmente enfrentarmos essas questões predominantemente ÉTICAS e SOCIAIS o Brasil poderá realizar todo o seu potencial ECONÔMICO.

 

Que conselhos você daria a um jovem que está trabalhando e passa a viver esta situação de crise?

Nunca perca de vista seu objetivo – seus sonhos – mas lembre-se das palavras de Deming – “ATRAVÉS DE QUE MÉTODO você planeja alcançar esse objetivo”? Tenha um “plano de jogo” (um MÉTODO) que você não tem medo de modificar a medida que suas circunstancias e as coisas no mundo ao seu redor mudam. Não deixe seu futuro depender da “sorte”. Como disse o Henry Ford – “Quanto mais você trabalha, mais sorte terá”. Se você já teve a “sorte” de ter recebido uma boa educação, nunca pare de aprender! Lembre-se de que, para cada ameaça, há uma oportunidade; portanto, aproveite a oportunidade atual quando eventualmente estiver “parado” para aprender novas habilidades que o tornará mais bem-sucedido quando a crise da COVID terminar! Receber uma boa educação não significa necessariamente ir para a universidade. Você pode aprender muito na “Universidade da Vida”; de seus pais e outros colegas ou amigos mais experientes. Estas pessoas não são perfeitas – copie as coisas boas e evite os maus exemplos e os mesmos erros! Acima de tudo, nunca perca a sua bússola moral! Repito e endosso totalmente as palavras do colega Acadêmico Roberto Rodrigues – “trate bem todo mundo que encontrar pelo seu caminho quando estiver subindo na vida, porque vai encontrá-los de novo quando estiver descendo, na sua velhice”.

Este artigo expressa a opinião dos Autores e não de suas organizações.

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