A tragédia de Santa Maria (RS) não pode ser esquecida

Hayrton Rodrigues do Prado Filho

 

A madrugada do dia 27 de janeiro de 2013 em Santa Maria (RS) será muito difícil de esquecer. Um incêndio na Boate Kiss causou a morte de 242 pessoas e sequelas físicas e psicológicas em muita gente. E de lá para cá nada mudou no país.

O discurso que vigora no Brasil de que o cumprimento das normas técnicas não é obrigatório levou e vai levar a muitas tragédias como essa. No caso específico de Santa Maria, bastava o proprietário, e, por conseguinte, os poderes constituídos (Prefeitura e Corpo de bombeiros fiscalizarem o cumprimento das normas contra incêndio), implementar as normas técnicas de incêndio no local.

Principalmente, a NBR 9077 – Saídas de emergência em edifícios que fixa as condições exigíveis que as edificações devem possuir: a fim de que sua população possa abandoná-las, em caso de incêndio, completamente protegida em sua integridade física; e para permitir o fácil acesso de auxílio externo (bombeiros) para o combate ao fogo e a retirada da população. Segundo a norma, os objetivos previstos devem ser atingidos projetando-se as saídas comuns das edificações para que possam servir como saídas de emergência; e as saídas de emergência, quando exigidas. A norma se aplica a todas as edificações, classificadas quanto à sua ocupação, constantes na Tabela 1 do Anexo, independentemente de suas alturas, dimensões em planta ou características construtivas, fixando ainda os requisitos para edifícios novos, podendo, entretanto, servir como exemplo de situação ideal que deve ser buscada em adaptações de edificações em uso, consideradas suas devidas limitações.

Para os efeitos da norma, as edificações são classificadas: quanto à ocupação, de acordo com a Tabela 1 do Anexo; quanto à altura, dimensões em planta e características construtivas, de acordo, respectivamente, com as Tabelas 2, 3 e 4 do Anexo. Importante é que a saída de emergência compreende o seguinte: acessos ou rotas de saídas horizontais, isto é, acessos às escadas, quando houver, e respectivas portas ou ao espaço livre exterior, nas edificações térreas; escadas ou rampas; e descarga. Elas devem ser dimensionadas em função da população da edificação. A população de cada pavimento da edificação é calculada pelos coeficientes da Tabela 5 do Anexo, considerando sua ocupação, dada na Tabela 1 também do Anexo.

Uma outra norma que não é cumprida é a NBR 14276 de 12/2006 – Brigada de incêndio – Requisitos que estabelece os requisitos mínimos para a composição, formação, implantação e reciclagem de brigadas de incêndio, preparando-as para atuar na prevenção e no combate ao princípio de incêndio, abandono de área e primeiros socorros, visando, em caso de sinistro, proteger a vida e o patrimônio, reduzir as consequências sociais do sinistro e os danos ao meio ambiente, sendo aplicável para toda e qualquer planta. Uma brigada de incêndio é um grupo organizado de pessoas preferencialmente voluntárias ou indicadas, treinadas e capacitadas para atuar na prevenção e no combate ao princípio de incêndio, abandono de área e primeiros socorros, dentro de uma área preestabelecida na planta. O responsável pela brigada de incêndio da planta deve planejar e implantar a brigada de incêndio, bem como monitorar e analisar criticamente o seu funcionamento, de forma a atender aos objetivos dessa norma.

Por fim, ninguém cumpre a norma a NBR 10898 de 09/1999 – Sistema de iluminação de emergência que fixa as características mínimas exigíveis para funções a que se destina o sistema de iluminação de emergência a ser instalado em edificações, ou em outras áreas fechadas sem iluminação natural. A função desses sistemas é a de viabilizar a evacuação segura do local. A iluminação de aclaramento deve atender a todos os locais que proporcionam uma circulação vertical ou horizontal, de saídas para o exterior das edificações, ou seja, rotas de saída.

Deve assinalar todas as mudanças de direções, obstáculos, saídas, escadas, etc. Em áreas de risco, é recomendado que seja chamada a atenção com pisca-pisca ou equipamento similar as saídas do local.

No caso de alguns incêndios, que geraram tragédias, a adoção de sprinklers (chuveiros automáticos) tem demonstrado ser o melhor equipamento disponível, e que obteve maior êxito no combate ao incêndio em edificações. Contudo, é sempre bom lembrar que um sistema de sprinklers tem como função central realizar o primeiro combate ao incêndio, na sua fase inicial, para extingui-lo ou então controlá-lo até a chegada do Corpo de Bombeiros. A normas que deve ser cumprida é a NBR 10897 de 10/2007 – Sistemas de proteção contra incêndio por chuveiros automáticos – Requisitos que estabelece os requisitos mínimos para o projeto e a instalação de sistemas de proteção contra incêndio por chuveiros automáticos, incluindo as características de suprimento de água, seleção de chuveiros automáticos, conexões, tubos, válvulas e todos os materiais e acessórios envolvidos em instalações prediais.

Quando se trata de segurança, saúde e meio ambiente, quem não cumpre as normas técnicas comete um crime. a norma técnica brasileira tem a natureza de norma jurídica, de caráter secundário, impositiva de condutas porque fundada em atribuição estatal, sempre que sinalizada para a limitação ou restrição de atividades para o fim de proteção de direitos fundamentais e do desenvolvimento nacional, funções, como já se afirmou, eminentemente estatais. Pode ser equiparada, por força do documento que embasa sua expedição, à lei em sentido material, uma vez que obriga o seu cumprimento. As normas técnicas brasileiras, que alcançam todo o território nacional e se impõem aos órgãos públicos e privados por expressa disposição legal ou regulamentar, são, como todas as normas jurídicas – únicas que podem impor comportamentos – imperativas em seu cumprimento e acarretam, também por expressa determinação legal ou regulamentar, em caso de descumprimento, a aplicação de penalidades administrativas – e eventualmente até de natureza criminal.

Assim, as NBR são regras de conduta impositivas para os setores produtivos em geral, tendo em vista que, além de seu fundamento em lei ou atos regulamentares, tem em vista cumprimento da função estatal de disciplinar o mercado com vistas ao desenvolvimento nacional e à proteção de direitos fundamentais tais como os direitos relativos à vida, à saúde, à segurança, ao meio ambiente, etc. O descumprimento das NBR legitimadas no ordenamento jurídico brasileiro em leis gerais (Lei 5.966/73, 9933/99 e em atos regulamentares transcritos) e em legislação especial (Código de Defesa do Consumidor – Lei 7078/1990 – e respectivo regulamentar Decreto 2.181/97), além de outras como a Lei 8.666/93 (Lei das Licitações), Leis Ambientais, (Leis de saúde pública e atos regulamentares), sujeita o infrator às penalidades administrativas impostas em leis e regulamentos, sem prejuízo de sanções de natureza civil e criminal também previstas em leis.

As normas técnicas, por imporem condutas restritivas de liberdades fundamentais (liberdade de iniciativa, de indústria, de comércio, etc.) e destinarem-se a proteger o exercício de direitos fundamentais (direito à vida, à saúde, à segurança, ao meio ambiente, etc.), expressam atividade normativa material secundária do poder público, ou seja, podem ser qualificadas de atos normativos equiparados à lei em sentido material, por retirarem sua força e validade de norma impositiva de conduta de atos legislativos e regulamentares do ordenamento jurídico brasileiro.

E com tragédias e acidentes de consumo a sociedade brasileira vai buscar cada vez mais nos tribunais o direito de ter produtos e serviços seguros, a fim de que os culpados sejam punidos. O descumprimento da norma implica em: sanção, punição, perda e gravame. As consequências do descumprimento vão desde indenização, no código civil, até processo por homicídio culposo ou doloso. Quando se descumpre uma norma, assume-se, de imediato, um risco. Isso significa dizer que o risco foi assumido, ou seja, significa que se está consciente do resultado lesivo. A consciência do resultado lesivo implica em uma conduta criminosa, passível de punição pelo código penal.

 

Hayrton Rodrigues do Prado Filho é jornalista profissional, editor da revista digital Banas Qualidade e membro da Academia Brasileira da Qualidade (ABQ) – hayrton@hayrtonprado.jor.br

Este artigo expressa a opinião dos Autores e não de suas organizações.

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