quinta-feira, abril 25, 2024

Atendimento “fake” ao cliente Fantasma que ninguém vê

Gerd Altmann / Pixabay

Por Carlos Schauff

 

Talvez você não tenha ouvido falar, mas vive isso com frequência, principalmente em contato com áreas de atendimento de serviços em massa de prestadores de serviços, públicos ou privados.

Em tempos de gestão da valorização da experiência do cliente, de difusão de tecnologias digitais inteligentes para atendimento em massa e quando o autosserviço é limitado e não dá conta, não há nada mais desqualificado do que transferir o atendimento de necessidades do controlador para a ponta, ou seja, para o cliente. O exemplo clássico é o prestador pedir para o cliente identificado, informações que já se encontram em seu poder.

Um fantasma na relação

Os atendimentos em massa de clientes ativos, presenciais, em lojas de atendimento, e remotos, em centrais de atendimento, nem sempre podem ser substituídos integralmente por autosserviço (web, apps, ‘dispensers’). São, em geral, executados com apoio de tecnologia de triagem e atendimento automático e por atendentes, por telefone ou ‘chat’, reféns de ‘scripts’ rígidos, que deveriam ter foco em atender ao interessado e não ao controlador.

Nesse atendimento frágil, que pode ‘cair’ a qualquer tempo, os sistemas de informação que o apoiam, oferecem um aperitivo de maus serviços, ao lentamente conduzir a vítima ao irritado atendente, envolvendo publicidade indesejada, menus intermináveis, musiquinhas de espera e, quando atendido, “um minutinho” à cada informação dada além do frequente total despreparo do profissional. No serviço por ‘chat’ ou ‘chatbots’ a experiência pode ser ainda mais frustrante devido à limitação de autoridade.

Quem atende ao cliente ativo nesse cenário, coleta e verifica informações de identificação e o serviço desejado, o que faz sentido, e, quando não repassa para outra pessoa que solicita tudo de novo, passa a pedir informações e fazer verificações e registros lentos e intermináveis, que não dizem respeito à solicitação, mas que são exigidos por sua excelência o ‘sistema’, ou seja, o controlador, como por exemplo, reconfirmações de números de identificação já informados, confirmações de data de nascimento, endereço, número do contrato e outras e o que é pior, aguardar a lentidão do sistema disponibilizado pelo controlador.

Resultado: O cliente precisa gastar o seu tempo esperando que o atendente, humano ou robótico, atenda também a necessidade de escolha, classificação, verificação e registro de informações exigidas pelo controlador, que, como um fantasma, quer ser atendido online, ao mesmo tempo.

Nesse cenário, o cliente fica sujeito à disponibilidade e tempo de resposta do sistema de informação, obviamente sobrecarregado de demandas do controlador. Depois, irritado, recebe ou é encaminhado para receber o serviço, que, com poucas palavras, poderia ser solicitado, negociado, registrado e depois atendido.

O atendimento ao controlador não precisa ser online na presença do cliente. Essa filosofia resulta em má experiência do cliente, pela demora e falta de foco na sua necessidade, e na insatisfação do próprio controlador, por causa do aumento do custo pela necessidade de mão-de-obra ou de sistemas, consequência do excesso de controles colocados na “ponta”, durante o atendimento, muitas vezes 24×7.

Portanto, no falso atendimento ao cliente, ele pega uma fila, no telefone ou no presencial, fila essa que já é consequência do excesso de fantasmas sendo atendidos, é chamado, identifica-se, solicita e trata o serviço verbalmente, o atendente registra nome, identidade e serviço solicitado, e daí para frente começa a atender ao controlador, que precisa de mais informações para o marketing, contabilidade, auditoria, qualidade e outros, com cliques de escolha ou preenchimento de campos de informação, as vezes com muita redundância. Obviamente que não se trata de serviço ao cliente. Isso é nítido no correio, nas concessionárias de serviços públicos, nos laboratórios de exames, no pronto socorro, nos órgãos públicos, nas centrais de atendimento em geral e até nos ‘poupatempos’.

O fantasma que grudou em você

Os serviços bancários foram um dos primeiros a investir fortemente no autosserviço, retirando os clientes e os usuários pagadores de contas das agências. Depois da expansão do autosserviço bancário por cartões e caixas eletrônicos na década de 90, com a expansão da internet e banda larga na década de 2000, os serviços de ‘homebanking’ explodiram.

Obviamente, o principal serviço dos bancos e instituições financeiras é proporcionar a segurança dos ativos financeiros dos clientes e seus próprios, seja fisicamente ou digitalmente, bem como deveria ser também o dar segurança aos próprios clientes ao consumir os serviços financeiros.

Nas agências, por exemplo, toda sorte se sistemas de segurança foram implementados para reduzir riscos. No banco digital, meios de segurança no acesso à informação e realização de transações, foram implementados conforme a tecnologia evoluiu. Com a migração para o ‘homebanking’ e, nos últimos anos, para o ‘pocketbanking’, o local das transações bancárias mudou da agência e da residência, locais mais seguros, para o local onde o cliente está com seu ‘smartphone’, sem segurança privada, sem câmeras de vigilância, sem nada. Logo, o risco de roubo e sua gestão mudou do banco para o cliente, o fantasma da segurança, dever do banco, grudou em você, descompromissando o controlador desse importante aspecto do serviço ao cliente – a segurança

A experiência de ‘pocketbanking’, muito boa quando dá certo, pode se tornar um suplício quando dá errado, à mercê de fraudadores e bandidos. Os clientes são aleatoriamente submetidos a ‘hackeamento’ de contas, a golpes de ‘whatsapp’ e sequestros para transferências bancárias instantâneas sob coação, riscos que eram praticamente inexistentes quando a presença na agência ou no caixa eletrônico era requerida.

A realidade evidencia que essa transferência do risco do banco para o cliente não entrou no radar de impactos sociais associados aos produtos oferecidos por bancos digitais brasileiros, de maneira geral, de uma forma que pudessem ser mitigados preventivamente. Isso fica mais evidente pela completa ausência de oferta de seguro, análogo ao de cartões bancários, contra crimes cibernéticos, mensagens automáticas de alerta e limites automáticos menores para desconhecidos e bloqueio de transferências a destinatários envolvidos em denúncia de fraudes.

Isso demonstra claramente que o foco prevaleceu no uso da tecnologia digital para proporcionar uma boa experiência ao acionista, de redução de custos e de riscos, e não na no cliente.

Onde há potencial de desequilíbrio na relação, em geral, há órgãos reguladores ou de proteção ao consumidor, mas quando não fazem seu trabalho com qualidade, o consumidor não é ‘protegido’. Na relação desequilibrada exemplificada, entre cliente e fornecedor de serviços bancários, fez falta a atuação preventiva do regulador Banco Central, para definir e avaliar padrões de segurança para o cliente do ‘pocketbanking’ antes do anúncio desses produtos. A segurança desse serviço precisou se tornar um problema nacional para o regulador entrar no circuito em 2021.

Mapeamento da experiência do cliente e seus riscos

O que prestadores de serviços deveriam fazer para combater o falso atendimento?
Avaliar minuciosamente a jornada de consumo e atendimento ao cliente, mapeando continuamente todos os riscos associados aos serviços prestados, prevenindo experiências indesejáveis antes do lançamento, bem como erradicando do ‘script’ de atendimento ao cliente, o atendimento de demandas do controlador, que deveriam ser tratadas à parte, em outro momento.

Precisamos evoluir muito e de ampliação da concorrência para alcançar patamares de excelência no atendimento a clientes no Brasil. Em mercados concessionários com monopólio natural o desafio é ainda maior pois dependemos de reguladores efetivos que representem de fato os interesses dos clientes.

*Carlos Schauff é Vice-Presidente do Instituto Paulista de Excelência da Gestão e membro da Academia Brasileira da Qualidade.

Este artigo expressa a opinião dos Autores e não de suas organizações.

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