terça-feira, abril 23, 2024

Avaliação do Índice de Felicidade

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Avaliação do Índice de Felicidade [1]

Vivaldo Antonio Fernandes Russo [2]

Ettore Bresciani Filho [3]

 

“Felicidade é um bem que se multiplica sendo dividida”

 (Em um ponto de ônibus, Cruzília (MG), Globo Rural, 01.12.2019)

 

1. Considerações iniciais

Este texto faz parte de um projeto de estudos e pesquisas, conduzido pelos autores, sobre os conceitos de desigualdade, exclusão social, inclusão social, pobreza e qualidade de vida, e seus relacionamentos com a renda da população e, ainda sobre as características das métricas adotadas para as suas respectivas avaliações (BRESCIANI & RUSSO, 2017; RUSSO & BRESCIANI 2018a; RUSSO & BRESCIANI 2018b; RUSSO & BRESCIANI, 2019).

Inicialmente convém retomar o que foi apresentado em artigo recente sobre a relação entre qualidade de vida e felicidade (RUSSO & BRESCIANI, 2019):

“Considerando o senso comum qualquer pessoa pode pensar que felicidade seria sinônimo de qualidade de vida, ou pelo menos atributo principal desta, havendo conexão com saúde, meio ambiente etc. Mas não é tão simples assim. Diversos países vêm desenvolvendo diferentes propostas para o denominado índice Felicidade Nacional Bruta (FNB)…Uma das propostas para esse índice abrange sete dimensões de bem-estar: econômico, ambiental, físico, mental, de trabalho, social e político. (KOTLER, 2015). De qualquer modo, se comparado com a situação, pelo menos nas primeiras décadas do século anterior, deveríamos atualmente ser mais felizes, pois a renda é maior e gastos são menores para desfrutar de educação, saúde, habitação, transporte, lazer e outros serviços e produtos básicos. E, além disso, que é fundamental para maior nível de felicidade, associado a essas condições econômicas, em muitos países desenvolvidos, e outros em desenvolvimento, dominam regimes políticos democráticos e liberais nos quais os cidadãos podem desfrutar de maior liberdade política e econômica.  Mas parece que as pessoas se acomodam com os benefícios e se ocupam em encontrar preocupações para se aborrecer e assim não parecem mais felizes quando ficam mais ricas no longo prazo. Daí nascem teorias da psicologia para explicar os fenômenos da depressão, ansiedade, superatividade, solidão e o suicídio presentes particularmente nas nações mais desenvolvidas e ricas; e também se apresentam as teorias da filosofia com crítica ao individualismo, materialismo e consumismo, posturas filosóficas que podem levar à ostentação de riqueza e à degradação dos vínculos sociais e, particularmente, dos vínculos familiares e religiosos. A todos esses fatores de influência na criação de condições de qualidade de vida que possam propiciar maior felicidades às pessoas, pode-se acrescentar ainda o caráter subjetivo de definição de felicidade… (PINKER, 2018, p.314-344).”

 

2. Conceito de felicidade e pesquisas sobre felicidade

A preocupação com o estudo do conceito de felicidade, e de conceitos correlatos como o de bem-estar, tem se manifestado ao longo dos tempos, sendo que os primeiros escritos registrados, e mais divulgados, pertencem aos filósofos gregos da história antiga: Sócrates, Platão e Aristóteles. Este último segue a orientação dos dois primeiros colocando a virtude como característica essencial da natureza humana para uma vida de bem-estar. A virtude, de fato a virtude ética – que corresponde ao exercício da justiça, a manifestação de coragem e o comportamento temperado –, se identifica como habilidade de comportamento racional, emocional e social. Aristóteles entende que para ter uma boa vida uma pessoa deve reunir, em um todo, a avaliação apropriada do modo como exerce a amizade,  cuida da saúde, desfruta do prazer, e comporta-se com virtude e honradez. E a sabedoria prática que se pode adquirir não decorre somente de regras gerais apreendidas, mas por meio do exercício prático das capacidades emocionais e sociais adequadas a cada situação particular. (KRAUT, 2018). 

Atualmente, e de um modo geral, pode-se encontrar na filosofia dois significados para a palavra felicidade (happiness). A seguir, são apresentados, de modo resumido, esses significados segundo a interpretação dos autores deste trabalho com base na referência indicada (HAYBRON,2019).

O primeiro corresponde aproximadamente ao conceito de bem-estar (well-being), e se refere a uma boa condição na condução da vida, e com uma valoração que pode, de alguma forma, ser quantificada para obter com isso um certo grau de objetividade. Desse modo, algumas questões fundamentais podem ser propostas, e destacamos duas:  Quais benefício são mais adequados a uma pessoa para levar à condição de bem-estar, na sua perspectiva, servindo assim aos seus interesses e desejos? Gozar de bem-estar pode significar também realizar o bem para si próprio e para os outros, mesmo quando possa haver algum grau de conflito de interesses e desejos?

O segundo se localizado no campo da psicologia, identificando a felicidade como um estado da mente, e mais especificamente com associação aos conceitos tratados nas teorias da satisfação e da motivação, caracterizando-se assim como um valor que pode, de alguma forma, ser qualificado, mas com um elevado grau de subjetividade. Neste caso, também algumas das questões fundamentais que se pode imaginar, são as seguintes: Quais estados da mente de uma pessoa podem corresponder à sensação de felicidade? Quais fatos da vida de uma pessoa provocam satisfação, motivação e felicidade?

Atualmente tem se desenvolvido muitas pesquisas para medir a felicidade, apesar das dificuldades experimentais inerentes ao fato da felicidade ser uma característica que apresenta muitas dimensões representadas por diferentes variáveis que, por sua vez, podem se correlacionar com outras variáveis de natureza sociológica, econômica e psicológica.  Alguns exemplos de resultados dessas pesquisas podem ser citados: a maioria das pessoas se julgam felizes;  diante das dificuldades da vida (que podem surgir de modo previsto ou imprevisto) as pessoas  procuram se adaptar e retornar a uma situação que consideram de felicidade;  as pessoas tendem a superestimar a sua capacidade de obter uma situação feliz; e a prosperidade material (que significa possuir bens materiais e dispender recursos em diferentes serviços, todos propiciados pelos ganhos financeiros) parece influenciar pouco a sensação de felicidade.  Este último resultado, particularmente, precisa ser avaliado com mais cuidado, pois o resultado depende muito da filosofia de vida das pessoas e das suas referências políticas, religiosas e culturais na sociedade da qual é parte integrante. Contudo, não se pode deixar de lembrar que o crescimento econômico de um país, e as implicações desse crescimento no bem-estar material das pessoas, tem sido uma preocupação constante das políticas econômicas adotadas pelos seus governantes.

Particularmente, o estudo do método de pesquisa conduzido pela organização Gallup, com base em seu relatório de pesquisa, é analisado  no próximo item Talvez seja o exemplo mais marcante de estudos realizados  no qual os índices de felicidade, significando satisfação com a vida, estão  nitidamente relacionados com variáveis econômicas, que indicam a prosperidade material, apesar de não deixar de considerar a influência de variáveis de natureza psicossocial, que expressam a qualidade das relações que a pessoas mantém com as outras pessoas da família, do ambiente de trabalho, e de outros meios sociais nos quais frequentam e que propiciam a realização de amizades gratificantes. Além disso, são consideradas também variáveis importantes como as que se referem aos prazeres advindos dos estudos que as pessoas realizam, do progresso profissional que atingem e da sensação de estar gastando o tempo em atividades que gostam e que são úteis socialmente e, particularmente, o grau de liberdade de pensamento que governam suas decisões e ações.

Contudo, convém destacar que como em qualquer pesquisa experimental, no caso uma pesquisa experimental de campo, a qualidade dos resultados depende da confiabilidade das medidas das variáveis, e isso pode ser avaliado verificando os eventuais erros de medida que podem ter sido cometidos.  A utilização de escalas de avaliação da qualidade ou da satisfação com a vida, pode ser uma fonte de imprecisão quando se pondera em maior grau os objetivos materiais em detrimento dos demais objetivos da vida. Esse fato ocorre em parte devido a facilidade de quantificar mais precisamente os objetivos materiais do que outros objetivos em geral de natureza psicológica como, por exemplo, os associados às emoções que decorrem das relações familiares.  Outra fonte de imprecisão decorre da não consideração das relações circulares (nas quais algumas variáveis afetam outras, que por sua vez afetam as primeiras) sem que se tenha a possibilidade de isolar esse processo de realimentação. Além do mais, as correlações que se pode fazer entre as variáveis sempre podem criar dúvidas, se elas correspondem de fato a relações de causalidades entre as variáveis.

 

3. Medidas do Índice de felicidade

Neste trabalho analisamos particularmente os estudos de medidas do índice de felicidade contidos na publicação de Helliwell et alli (2019), denominada World Happiness Report 2019 (WHR 2019) que embora seja publicação independente, utiliza informações de publicação anual com resultados de pesquisa conduzida pela organização Gallup, denominada Gallup World Poll (GWP).

No relatório são considerados três tipos de medidas principais do índice de felicidade realizadas em uma amostra da população: o índice obtido com a Escada de Cantril, o do afeto positivo e o do afeto negativo.

a) Índice de felicidade segundo a Escada de Cantril

Este índice de medida da felicidade é também chamado índice do bem-estar subjetivo, ou escada da vida de Cantril ou simplesmente escada da vida. Ele se baseia no método conhecido por Escada de Cantril em homenagem a seu criador o psicólogo Hadly Cantril que o desenvolveu para poder estudar os aspectos psicológicos associados aos mecanismos sociais, econômicos e políticos de novas gerações e novas tecnologias. A Escada de Cantril usa uma escala de 0 a 10: a escada é constituída de onze degraus que são numerados de 0 a 10, de baixo para cima. Os valores extremos da escala, também chamados de ancoragens, são definidos pela própria pessoa entrevistada. O nível 10, atribuído ao degrau mais alto da escada, corresponde à melhor qualidade de vida possível para o entrevistado, e, consequentemente, o nível 0, atribuído ao degrau mais baixo da escada, corresponde ao pior nível de qualidade de vida possível para ele ou ela. Então, faz-se a pergunta “em qual degrau da escada você, pessoalmente, sente estar neste momento?”. A aplicação da pergunta a uma amostra da população de um país permite estimar um índice de qualidade de vida médio nacional (CANTRIL, 1965).

b) Índice de afeto positivo

O índice de afeto positivo é um índice emocional, constituído de índices das sensações, do dia anterior, de felicidade e prazer, e também da expressão de sensações alegres com risos e sorrisos. Estes índices são determinados pela média das medidas obtidas do GWP estimado em uma escala entre 0 e 1. As medidas desses índices decorrem das respostas binárias (sim ou não) às três questões: (1) Você se sentiu feliz ontem? (2) Você sentiu prazer ontem? (3) Você riu ou sorriu ontem?

c) Índice de afeto negativo

O índice de afeto negativo é também um índice emocional, constituído de índices das sensações, do dia anterior, de preocupação, tristeza e raiva, determinados pela média das medidas obtidas do GWP, estimado em uma escala entre 0 e 1. Essas medidas são, respectivamente, as respostas binárias (sim ou não) às três questões: (1) Você se sentiu preocupado ontem? (1) Você se sentiu triste ontem? (1) Você se sentiu com raiva ontem?  

Além desses três índices básico, são consideradas também seis variáveis independentes para dar suporte às explicações ao índice de felicidade média de cada país:

1) Logaritmo Natural do Produto Interno Bruto per capita

O Produto Interno Bruto per capita é calculado em termos da ‘paridade do poder de compra’, ajustado ao dólar norte americano cotado em 2011 e indicado pelo Banco Mundial. Lembramos que o Produto Interno Bruto é a soma dos valores de mercado monetários de todos os bens e serviços produzidos no país em um determinado ano, por empresas locais nacionais ou estrangeiras. O logaritmo natural desse índice se ajusta melhor do que o PIB per capita convencional, quando se estuda as relações entre este índice com os índices de felicidade indicados em (a), (b) e (c). Como veremos no próximo item, acabe aqui destacar que a relação de causa e efeito do Produto Interno Bruto per capita, ou seu logaritmo, com os índices de felicidade tem sido motivo de intenso debate entre especialistas há décadas.

2) Expectativa de Vida Saudável ao Nascer

De acordo com o WHR 2019, a expectativa de vida saudável (HLE – Healthy Life Expectancy) ao nascer é obtida dos dados divulgados, principalmente pela Organização Mundial da Saúde (OMS) das Nações Unidas. A OMS considera que o índice HLE fornece uma boa indicação do estado de saúde geral de uma dada população, embora sua análise global não seja publicada anualmente. Na mais recente, em 2015, por exemplo, os três continentes americanos apresentaram, conjuntamente, HLE de 66 anos para uma expectativa de vida (LE – Life Expectancy) ao nascer de 76 anos. Portanto, para essa região, a expectativa de vida com problemas de saúde ao nascer é calculada pela diferença, isto é, 10 anos (OMS, 2016).

3) Suporte Social

O suporte social é entendido como a percepção que tem uma pessoa de poder contar com apoio de uma outra pessoa, parente ou amiga, no caso de necessidade. O índice que o representa é uma média nacional das quantidades relativas de respostas binárias (sim ou não) à pergunta: Você pode contar com ajuda de parentes ou amigos em caso de necessidade?

4) Liberdade de Escolha

A liberdade de escolha é entendida como um grau da satisfação que tem uma pessoa de poder mudar aquilo que entende que deve mudar na vida.  O índice que a representa é uma média nacional das quantidades relativas de respostas binárias (sim ou não) à pergunta: Você está satisfeito com sua liberdade para escolher o que fazer com sua vida?”

5) Generosidade

A generosidade se refere à média nacional das respostas positivas à questão: ‘Você doou dinheiro para caridade no mês passado?’ Todavia, de acordo com Helliwell et alli (in: WHR 2017, Cap. 2, p. 32), antes de utilizar a percentagem média dos doadores em dinheiro de dado país, para calcular seu índice de generosidade, é preciso retirar o efeito do PIB per capita. Considerando que doar dinheiro a outros é mais fácil em países ricos, o efeito da renda deve ser eliminado utilizando o método de ajuste estatístico por meio de uma regressão linear.

Esse método pode assim ser explicado. Constrói-se um diagrama com uma linha de regressão estatística linear entre as duas variáveis para diferentes países: ‘PIB per capita’ no eixo horizontal e ‘porcentagem média de doadores (em dinheiro)’ no eixo vertical. A seguir, plota-se no diagrama, para um dado país, o ponto que representa o seu PIB per capita e a sua percentagem média de doadores. Com isso compara-se a diferença da sua posição em relação a linha reta da regressão estatística, para um mesmo PIB per capita. Sua posição pode se localizar abaixo ou acima da linha, ou mesmo coincidir com a linha.  Conforme essa localização verifica-se o índice de generosidade resultante desse país. Portanto, esse índice pode assumir valor negativo, nulo ou positivo se estiver, respectivamente, abaixo da linha reta, ou coincidindo com a reta, ou acima da linha reta (Anexo I).

6) Percepção de Corrupção

A percepção de corrupção para um dado país é representada por um índice calculado por meio da média nacional das quantidades de respostas binárias (sim ou não) para duas questões: (1) A corrupção no Governo do país é generalizada? (2) A corrupção no Mundo dos Negócios no país está difundida? De acordo com o WHR 2019 (Ap.1), a percepção total é simplesmente a média das duas respostas 0 ou 1. Caso não haja levantamento para a primeira pergunta acima, a percepção de corrupção para os negócios é utilizada como percepção geral do país.  

 

4. Métodos de análise das medidas da felicidade

O WHR (2019), apresenta três métodos de análise das medidas dos índices de felicidade:

(1) Análise de tendências

As tendências no período 2005 a 2018 são levantadas para um conjunto de países, regiões do globo e países individualmente. Por exemplo, uma análise global é construída para as três medidas principais considerando três situações: a) média dos índices de cada país afetada pelo tamanho da população; b) média dos índices de cada país afetada pelo tamanho da população, mas excluindo os cinco maiores populações, isto é, China, Índia, Indonésia, Estados Unidos e Rússia; c) índices não afetados pelo tamanho das populações. Para a Escada de Cantril, podemos concluir que as tendências recentes não favorecem os países com maiores populações. Com relação aos índices de afeto positivo não há tendências marcantes. E em se tratando de índice de afeto negativo existe uma tendência de seu crescimento com o tamanho das populações, a partir de 2010 ou 2011.

(2) Desigualdade da felicidade

O WHR (2019) se refere também à desigualdade da felicidade desde a publicação do WHR Update (2016). E assim pode-se verificar que não somente a renda é muito limitada como medida de um índice de qualidade de vida, ou de felicidade, mas também a desigualdade de renda é muito limitada como medida do índice de desigualdade englobando suas diferentes dimensões. Os efeitos da igualdade da felicidade têm se mostrado maiores e frequentemente mais sistemáticos do que os resultantes da desigualdade de renda.

A evolução global da desigualdade da felicidade, por exemplo, medida pelo desvio padrão da distribuição individual da Escada de Cantril, mostra clara tendência de crescimento a partir de 2007. Esta curva é decomposta em duas: uma para o desvio padrão da distribuição dentro dos países e outra para o desvio padrão da distribuição entre os países. Com isto, conclui-se que o crescimento global da desigualdade da felicidade, medido pela Escada de Cantril, é basicamente dependente do crescimento da desigualdade da felicidade dentro dos países. Esta análise também é feita para dez regiões do globo onde se nota diferentes tendências entre elas.

(3) Classificação da felicidade por país

As medidas do índice de felicidade são obtidas por meio de pesquisa junto aos indivíduos da população de cada país, e classificada numa lista em ordem decrescente do valor da Escada de Cantril. Para cada país, as variações da média anual desta variável, durante o período de 2005 a 2018, são explicadas pela influência das seis variáveis independentes mencionadas anteriormente. Isto é feito a partir do processo de regressão estatística. O mesmo processo é utilizado para os índices da emoção (afeto positivo e afeto negativo) no sentido de complementar a avaliação do índice de felicidade.

Desta forma, se obtém quatro equações. A primeira, estima a variável Escada de Cantril com as seis variáveis independentes citadas. Nota-se que essas seis variáveis juntas explicam quase três quartos da variação anual da média nacional dos valores da Escada. A segunda e a terceira equações usam as mesmas variáveis independentes para estimar, respectivamente, as variáveis emocionais baseadas nas respostas sobre as experiências do dia anterior dos indivíduos, isto é, afeto positivo e afeto negativo. Em geral, as medidas da emoção, especialmente, a emoção negativa, são bem menos justificadas pelas seis variáveis independentes, ao contrário do que ocorre com a variável da avaliação da qualidade de vida. A quarta equação corresponde à primeira equação ajustada levando em consideração as influências dos afetos positivos e negativos. Conforme Danner et al. (2001), Cohen et al. (2003), e Doyle, et al. (2006) (in: WHR 2019, Cap. 2, nota 14, p. 42-43), os resultados, alinhados com a previsão da psicologia, mostram que emoções positivas importam muito mais do que ausência das negativas. Outras considerações sobre as equações encontram-se no Anexo II.

Como dissemos, a lista dos países classificados por ordem decrescente da Escada de Cantril é publicada no WHR (2019). Neste caso, os valores de cada país correspondem a média entre os valores de três anos, isto é, 2016 a 2018. Além disso, foi criado um país hipotético denominado Dystopia, assim chamado por ter as menores médias nacionais para as seis variáveis independentes. De acordo com o WHR 2019 (Ap. 1) foram considerados dois países hipotéticos, um deles a própria Dystopia e o outro um país com a média dos dados dos demais países considerados no relatório, tendo como valor médio da Escada de Cantril de 5,41. Aplicando os valores das seis variáveis independentes destes dois países hipotéticos na primeira equação, acima mencionada, chega-se ao valor 1,88, na escala de 0 a 10, para a variável Escada de Cantril. Então, para cada país, é feita uma estimativa da contribuição de cada uma das seis variáveis independentes para que o valor de sua variável Escada de Cantril exceda o valor de referência da Dystopia. Mais detalhes a esse respeito encontram-se no Anexo II. Os resultados desses cálculos são mais ilustrativos do que conclusivos, por diversos motivos, e entre eles o fato de que os dados estatísticos de algumas das seis variáveis não estarem disponíveis em todos os países e, também a possibilidade de existir uma variável independente de significativa influência que não esteja entre as seis escolhidas.

O primeiro país classificado na lista 2016 – 2018 do WHR (2019) é a Finlândia com 7,769 para a Escada de Cantril. E os demais, por exemplo são: Estados Unidos em 19º com 6,892; Argentina em 47º com 6,086; a Rússia em 68º com 5,648; China em 93º com 5,191; Sudão do Sul fechando a lista em 156º com 2,853; o Brasil está em 32º com 6,300.  Destaca-se que as variáveis independentes:  suporte social, logaritmo natural do PIB per capita e expectativa de vida saudável, nesta ordem, são as que mais contribuíram para o nível de vida dos brasileiros estar acima do valor de referência de 1,88 da Dystopia.

Além disso, o WHR (2019) traz, para cada país, a variação da felicidade avaliada pela Escada de Cantril do período 2005-2008 para o período 2016-2018. O Brasil teve um decréscimo de 0,250 pontos dentro da escala de 0 a 10 entre esses dois períodos.

 

5. Felicidade versus crescimento econômico

O título deste item poderia ser substituído pela questão popular “Dinheiro traz felicidade?”. Para responder a esta questão, muitos estudos têm sido feitos. Os especialistas lançam mãos de dados de vários países fornecidos, a maioria anualmente, por algumas fontes. Eles, basicamente, usam três procedimentos. Dois deles se fixam em cada país, num dado momento definido pelo mesmo ano. Em um estudo, eles analisam a existência ou não de relação entre a felicidade e renda de pessoas de diversas posições na distribuição da renda do país no ano escolhido. Chamamos de análise dentro do país. O outro procedimento busca uma relação entre felicidade e o PIB per capita dos países naquele ano. Chamamos de análise entre países. O terceiro procedimento analisa a relação felicidade e PIB per capita de um país ao longo de um período, escolhido, principalmente, se durante esse tempo, experimentou um crescimento econômico significativo. É o caso, por exemplo, dos Estados Unidos. Chamamos este estudo de análise da série temporal.

Convém inicialmente destacar um artigo publicado por Easterlin (1974), no qual relata as pesquisas que realizou procurando estabelecer a existência de relação entre duas variáveis: ‘nível de renda dos diferentes grupos socioeconômicos da população’ e o ‘índice de felicidade desses mesmos grupos da população’. Inicialmente estudou essa relação para grupos da população de um único país em uma determinada data (Estados Unidos em dezembro de 1970) e verificou que existe uma relação positiva entre essas duas variáveis, ou seja, as camadas da população com maior nível de renda têm uma percepção de ser mais feliz do que as camadas de menor nível de renda. A seguir estudou a evolução dessa mesma relação, ao longo do tempo ainda para um mesmo país (Estados Unidos de 1946 a 1970) com base em dados coletados por diferentes organizações, com diferentes métodos e critérios de pesquisa, chegando à conclusão que ocorreu uma estabilidade ao longo dos anos da relação positiva entre as duas variáveis.

Na sequência analisou países com níveis de renda diferenciados em um determinado ano (Grã-Bretanha, Alemanha Ocidental, Tailândia, Filipinas, Malásia, França e Itália em 1965) encontrando, para cada país, a mesma relação positiva acima citada. Posteriormente, estendeu a análise para mais países, incluindo o Brasil, sempre considerando um país por vez, para o ano de 1960. Após diferentes ponderações, o autor conclui que os dados analisados, dentro de um mesmo país, mostram relação positiva entre nível de renda e índice de felicidade. Em resumo, em todos os levantamentos, aqueles em grupos de posições mais elevadas de renda são mais felizes, em média, do que aqueles em grupos de posições mais baixas de renda.

Terminada a análise dentro de cada país, Easterlin (1974) procurou verificar a mesma relação entre esses mesmos países, concluindo que neste caso não existe uma relação positiva. Na busca de uma explicação, é razoável julgar que o crescimento econômico, ao trazer mais riqueza para o país, e se essa riqueza resultar também em maior renda para a população, muda o padrão da percepção de felicidade do cidadão. Esta percepção é tratada pelo autor como renda relativa. Desde então o contraste entre a relação positiva para o ‘índice de felicidade versus nível de renda da população dentro do país’ e a ausência dessa relação para o ‘índice de felicidade versus nível de renda da população entre países’, é conhecido como Paradoxo de Easterlin.

Estudando as relações da renda, saúde e bem-estar no mundo através de evidências obtidas do relatório Gallup, Deaton (2008) conclui, numa análise entre os países, haver uma relação positiva entre felicidade, medida na escala 0 a 10, e o PIB per capita. Isto é, países ricos tem maior qualidade de vida do que os países pobres. Considerando o ano de 2003, a curva de regressão se mostra mais íngreme para os países pobres e menos acentuada para os valores maiores do PIB per capita correspondentes aos países ricos. Todavia, quando o índice de felicidade é relacionado com o logaritmo natural do PIB per capita, a curva de regressão se torna linear amenizando a inclinação mais acentuada do gráfico anterior (V. Anexo I). Neste caso, a reta de regressão se torna até levemente mais íngreme para os valores dos países mais ricos. O autor conclui que a razão para isso se deve, principalmente, ao fato de que a quantidade de países analisados é muito maior do que a dos primeiros levantamentos e, portanto, a nuvem de pontos permite ter uma visão melhor das tendências destas correlações. Além disso, não se pode esquecer a natureza relativa das respostas às questões do levantamento anual. Elas sempre requerem dos entrevistados uma referência como, por exemplo, sua vida passada ou a vida atual de seus conterrâneos. Por outro lado, na época em que este artigo é escrito, a informação já é globalizada, o que permite o indivíduo ter um padrão universal de felicidade. Se esta interpretação estiver correta, comenta o autor, esta forte correlação é consequência da globalização da informação e pode não existir na sua ausência. Tal interpretação é, portanto, consistente com o paradoxo de Easterlin. Outra observação interessante de Deaton (2008) é que o padrão de referência deve sempre aumentar conforme a renda aumenta. Todavia, o valor de seu índice está estagnado entre 8 a 10 em função de como a escada de Cantril é definida. Consequentemente, a média nacional deste índice de felicidade é útil para avaliação pontual, mas não é útil para avaliação temporal.

Aqui, é interessante lembrar que a escada de Cantril mede a qualidade de vida. Mas, de acordo com Kahneman e Deaton (2010) qualidade de vida se refere a um aspecto do bem-estar subjetivo. Todavia, há um segundo aspecto para este, isto é, o bem-estar emocional relacionado com nossas experiências diárias, tais como prazer, fascinação, ansiedade, tristeza, raiva, afeição etc. Portanto, a correlação felicidade versus renda analisada acima, não deveria ser assim chamada. O nome mais apropriado seria correlação de qualidade de vida versus renda. Os autores também concluem então, que a avaliação da vida cresce sistematicamente com o aumento da renda. Todavia, o bem-estar emocional não melhora a partir de certo valor da renda (75 000 dólares por ano na época do estudo). Isto é, acima de um determinado nível de renda, o bem-estar emocional é anulado por outros fatores, tais como temperamento e circunstâncias da vida. Por outro lado, baixa renda é associada a ambos, baixa qualidade de vida e baixo bem-estar emocional. Assim, podemos dizer, renda elevada não traz felicidade, mas traz ao indivíduo uma vida que ele ou ela imagina ser melhor.

Posteriormente, Easterlin (2013) faz uma reavaliação de vários trabalhos publicados no decorrer do período sobre o paradoxo que leva seu nome. Ele conclui que quando se trata de análise em um determinado momento, há uma relação positiva entre felicidade com renda em acordo com o trabalho de Deaton (2008) mencionado acima. Esta relação positiva também se mantém para estudo com série temporal curta, conforme Easterlin & Angelescu (2009). Porém, quando se trata de análise desta relação para uma serie temporal longa, de 12 a 34 anos, esta correlação é nula. Também, o autor não encontra evidências de que para séries temporais de longo prazo, países pobres apresentam aumento da felicidade com o crescimento econômico até certo ponto a partir do qual o crescimento econômico não tem mais efeito.

Sachs (in: WHR 2018, Cap. 7, ps. 146 – 159) considera que o paradoxo de Easterlin quando foi inicialmente apresentado teve como base o conceito de que o bem-estar subjetivo é afetado pela renda relativa, não absoluta, isto é, pela posição do indivíduo na distribuição de renda. Então, o autor conclui que, se isto fosse verdade, um eventual crescimento da renda nacional per capita sem alterar a distribuição de renda, traria pouco efeito no bem-estar, o que não faz sentido. Ainda que houvesse a percepção de que apenas a renda relativa, não a absoluta, tivesse importância, isto seria muito difícil de defender diante da evidência de que muitos países experimentam ganhos no bem-estar com o crescimento econômico, inclusive países ricos. A evidência sugere fortemente que é a renda absoluta que importa para o bem-estar subjetivo, não a relativa.

Ainda conforme o autor, a mais provável explicação para o paradoxo de Easterlin é que certos determinantes não relacionados à renda estão prejudicando o efeito do aumento da renda per capita anulando o ganho no bem-estar subjetivo que normalmente cresce com o crescimento econômico. Alguns destes importantes determinantes são justamente os relacionados com as variáveis independentes descritas anteriormente, como saúde, suporte social, liberdade de escolha, corrupção e generosidade, além de outros.

 

6. Considerações finais

O estudo do conceito de felicidade, e de conceitos correlatos como o de bem-estar, foi o objetivo central deste trabalho, que tomou como referência fundamental relatórios de pesquisa recente realizada por entidade conhecida na área de pesquisas sociais.

Apesar do tema ser objeto de pesquisa há muito tempo, atualmente tem se desenvolvido muitas pesquisas para medir a felicidade. As diferentes características estudadas podem ser de natureza objetiva ou subjetiva, e fazem parte principalmente das áreas da filosofia, sociologia, economia e psicologia. A obtenção de informações por meio de pesquisas de campo, com entrevistas com pessoas integrantes de amostras de populações, e por meio de consulta a levantamentos socioeconômicos, permitem a determinação de índices de felicidade, de qualidade de vida e de bem-estar que podem ser correlacionados com outros índices sociais, econômicos e psicológicos.  Algumas informações obtidas são de natureza objetiva e quantitativa, outras são de natureza subjetiva e qualitativas e, neste caso, exigem a aplicação de métodos de quantificação das informações qualitativas.

Os níveis dos índices obtidos expressam diferentes aspectos da vida das pessoas, como a sua renda obtida, a expectativa de vida, o apoio social recebido, a liberdade de escolha, a manifestação de generosidade e a percepção da presença da corrupção em seu meio-ambiente. Cumpre também enfatizar a influência na felicidade causada pelas experiências do dia a dia das pessoas, isto é, relacionada com o bem-estar emocional. Os métodos de análise dos índices de felicidade permitem verificar tendências e desigualdades e classificação dentro de um país ou entre países, em um dado momento ou ao longo do tempo. 

Finalmente cabe destacar que o tema estudado apresenta uma complexidade caracterizada pela presença de muitas variáveis independentes (algumas acompanhadas sistematicamente na maioria dos países) atuando nos índices da felicidade. Algumas variáveis independentes podem interagir entre si, o que torna a análise mais complexa ainda. E esta análise de complexidade será tema dos próximos trabalhos dos autores:  aplicação dos conceitos de complexidade a um sistema complexo que é o de estabelecimento de critérios para a definição de índices de felicidade. 

 

Anexo I – Conceitos de correlação e regressão

Este anexo tem o objetivo de trazer alguns conceitos importantes sobre correlação e regressão sem, entretanto, lançar mão do formalismo matemático que o tema exige. Para aqueles que desejam entrar definitivamente neste campo, sugerimos Costa Neto (1986).

Quando realizamos um experimento e não sabemos o resultado a priori, chamamos de experimento probabilístico. Um exemplo, o resultado do lançamento de dado não viciado sobre mesa plana. Por outro lado, se o resultado do experimento já é conhecido antecipadamente, chamamos de experimento determinístico. Um exemplo, a contagem do número de faces de um dado não viciado.

Vamos supor dois experimentos; conhecer, no próximo ano, a percentagem média de doadores em dinheiro e o PIB per capita de diversos países. Como os valores são desconhecidos a priori, temos dois experimentos probabilísticos. Em Estatística, os resultados de cada experimento constituem os valores de uma variável aleatória. Então, neste caso, temos duas variáveis aleatórias, a percentagem de doadores em dinheiro e o PIB per capita. Vamos supor que estas duas variáveis aleatórias apresentam correlação entre si. Uma maneira de investigar isso é colocar em um gráfico os valores do PIB per capita no eixo horizontal e os seus correspondentes valores da percentagem de doadores em dinheiro no eixo vertical, criando assim uma nuvem de pontos, onde cada ponto representa um país. Esse gráfico chama-se diagrama de dispersão. Digamos que este diagrama apresenta a tendência de, conforme o valor de uma variável aumenta, a outra também aumenta. Neste caso, temos uma correlação linear positiva. Ao contrário, se para o aumento de uma das variáveis houvesse a tendência de diminuir a outra, teríamos uma correlação linear negativa. Poderíamos observar também a possibilidade de não haver correlação linear nenhuma, isto é, correlação linear nula. Em Estatística se define o coeficiente, denominado coeficiente de Pearson, que varia de +1 a -1. Para o valor +1, a correlação linear positiva é perfeita, isto é, todos os pontos caem numa mesma linha reta. Para o valor -1, temos o caso da correlação linear negativa perfeita. O valor zero indica ausência de correlação linear. Todavia, é muito importante dizer que, mesmo que o coeficiente de Person esteja perto de +1 ou -1, isto é, mostre forte correlação linear entre duas varáveis aleatórias, não podemos afirmar que haja uma relação de causa e efeito entre ambas.

Conforme vemos no texto principal, é razoável supor que a percentagem de doadores em dinheiro seja função, ou dependa, do PIB per capita. Dizemos, então que a percentagem de doadores em dinheiro é a variável dependente e a variável PIB per capita é a variável independente. Neste caso, estamos, também, interessados em saber qual é a relação de dependência entre as duas variáveis. Por conhecimento prévio, há a possibilidade desta relação já ser antecipada. Todavia, quando isso não ocorre, poderíamos obtê-la olhando para o diagrama de dispersão e verificar se os pontos estão bem próximos a uma linha, chamada linha de regressão. Assim sendo, podemos concluir que a variação da variável dependente contém uma parcela que depende da variação da variável independente e outra devida ao acaso. Portanto, os valores da variável dependente podem ter uma variação adicional em torno da linha de regressão que chamamos de variação residual. Devemos observar que a variável aleatória independente pode também ter sua variação devida ao acaso, todavia vamos assumir que ela é tão pequena, como acontece na prática, que será desprezada. No caso, assumimos que o PIB per capita de um dado país é “exatamente” o utilizado.

Naturalmente, desejamos saber a função matemática que descreve a linha de regressão e, portanto, define a relação entre as duas variáveis aleatórias consideradas.

Vamos supor que a linha de regressão seja uma linha reta. Este caso é conhecido como regressão linear simples.

Há diferentes maneiras de traçar a reta na nuvem de pontos. Uma delas, é ajustar visualmente a reta no diagrama de dispersão e traçá-la com uma régua. Uma outra maneira é utilizar um método estatístico chamado procedimento de mínimos quadrados que garante que a soma dos quadrados das distâncias de cada ponto à reta procurada seja mínima.

 Conforme veremos mais adiante, a regressão linear simples apresenta algumas vantagens para analisar a relação entre as duas variáveis aleatórias envolvidas. Acemoglu (2007), observa que quando a nuvem de pontos indicar que a linha de regressão ajustada não é reta, é possível, muitas vezes, obtê-la através de uma transformação matemática denominada linearização. As funções matemáticas que permitem essa transformação são chamadas de funções linearizáveis.

Portanto, quando não existir, numa primeira tentativa, uma regressão linear simples entre duas variáveis aleatórias, o autor recomenda construir o gráfico de dispersão lançando os valores da variável independente em eixo com escala logarítmica e verificar se resulta numa regressão linear simples.

No artigo sobre felicidade e crescimento econômico mencionado no texto principal, Easterlin & Angelescu (2009) concluíram que havia uma dependência da qualidade de vida em relação ao PIB per capita, observando dados de 89 países tanto em análise entre países como em análise de série temporal de curto prazo. A curva de regressão ajustada não resultou numa linha reta. Posteriormente, seguindo a recomendação de Acemoglu (2007), eles obtiveram a linha de regressão reta ao lançar os valores de PIB per capita no eixo com escala logarítmica natural.

Igualmente, vemos, no texto principal, que Deaton (2008) chegou, também, numa linha de regressão linear utilizando este processo de linearização da função de regressão original. Adicionalmente, Sihver & Qader (2018) analisando a relação entre PIB per capita e felicidade média de diferentes países em um mesmo momento, concluíram que o modelo de linearização visto acima se mostrou mais adequado estatisticamente quando comparado com modelo que relaciona simplesmente o PIB per capita com a felicidade. É por essa razão que, conforme vemos no texto principal, que se prefere utilizar logaritmo natural do PIB per capita ao invés de simplesmente PIB per capita como uma das variáveis independentes explicativas dos índices de felicidade.

 

Anexo II – Conceitos de regressão linear múltipla

Quando uma variável aleatória depende de mais de uma variável aleatória independente e varia linearmente com cada uma, temos o caso de uma regressão linear múltipla.

A situação ideal é aquela onde todas variáveis aleatórias independentes possam explicar com precisão as variações da variável dependente. Quando nem todas as variáveis aleatórias independentes, que interagem com a variável aleatória dependente estão presentes, é importante que as de maior influência estejam consideradas. Além disso, qualquer que seja a situação, é interessante que não haja interações entre as variáveis aleatórias independentes. Se isso ocorrer, a análise estatística da regressão torna-se mais complexa.

Vemos no texto principal que o WHR (2019) considerou quatro equações de regressão para os índices de felicidade, três delas em função das mesmas seis variáveis independentes e outra em função destas seis variáveis mais duas relativas aos fatores emocionais. Vamos analisar a equação relativa à qualidade de vida utilizando a escada de Cantril. Por meio de cálculos estatísticos é possível chegar numa regressão linear múltipla entre as seis variáveis independentes indicadas no texto principal e a escada de Cantril. A função de regressão toma a forma de uma soma de parcelas representadas, cada uma, pela diferença da variável independente e sua correspondente do país hipotético Dystopia. Essas diferenças são multiplicadas por coeficientes obtidos estatisticamente. Conforme WHR (2019) esses coeficientes da escada de Cantril são os mesmos para todos países e seus valores são: 0,318 para a variável independente logaritmo natural do PIB per capita; 2,422 para suporte social; 0,033 para expectativa de vida saudável ao nascer; 1,164 para liberdade de escolha; 0,635 para generosidade e – 0,540 para percepção de corrupção. Por outro lado, como vemos no texto principal os dados da Dystopia correspondem às menores médias para as seis variáveis independentes. De acordo com o WHR 2019 (Ap. 1) seus valores são: Escada de Cantril = 1,88, Logaritmo natural do PIB per capita = 6,4, Suporte social = 0,31, Expectativa de vida saudável ao nascer = 41,85, Liberdade de escolha = 0,44, Generosidade = -0,3 e Percepção de corrupção = 0,94. Portanto, essa equação fornece a diferença entre a escada de Cantril do país em questão e a escada da Dystopia cujo valor é 1,88. Além disso, se considera que cada variável independente não tem interação com as demais variáveis independentes e, consequentemente, cada parcela da equação indica a completa contribuição da correspondente variável independente para a distância total entre a escada de Cantril do país e a escada de Cantril da Dystopia.

Como exemplo, vamos considerar a regressão para o Brasil. De acordo com WHR 2019 (Ap. 1), no caso do Brasil, as seis variáveis independentes assumem os seguintes valores: Logaritmo natural do PIB per capita = 9,555, Suporte social = 0,900, Expectativa de vida saudável ao nascer = 66,199, Liberdade de escolha = 0,772 , Generosidade = -0,150 e Percepção de corrupção = 0,782.

A seguir calcula-se a diferença entre seus valores para o Brasil e seus valores para a Dystopia. Lançando os valores das diferenças destas variáveis independentes, na equação linear de regressão e multiplicando-as pelos seus respectivos coeficientes e, após somar todos os produtos dessas multiplicações, chegamos ao valor de 3,802 que representa o quanto a escada de Cantril do Brasil está acima da escada da Dystopia. Isto quer dizer que a estimativa para média da escada de Cantril do Brasil é 5,682, isto é, 3,802 pontos acima do valor 1,88 correspondente à escada de Cantril para a Dystopia (3,802 + 1,88).

Por outro lado, o valor médio da escada de Cantril para o Brasil obtido do levantamento do relatório Gallup é de 6,300 de acordo com o WHR (2019). Portanto, neste caso o resíduo da regressão é 0,618 (6,300 – 5,682).

Como dissemos acima, cada parcela da equação da regressão linear corresponde à contribuição de cada variável independente para que a escada de Cantril do Brasil esteja 3,802 pontos acima da escada de Cantril da Dystopia. Os valores obtidos para as parcelas da equação de regressão mostram que: Logaritmo natural do PIB per capita contribui com 1,003 pontos (26,4%), suporte social com 1,429 (37,6%), expectativa de vida saudável ao nascer com 0,804 (21,1%), liberdade de escolha com 0,386 (10,2%), generosidade com 0,095 (2,5%), e percepção de corrupção com 0,085 (2,2%), e desse modo, a contribuição total de 3,802.

 

Referências

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[1] Relatório de pesquisa, Academia Brasileira da Qualidade, São Paulo, janeiro de 2020.

 
[2] Engenheiro Mecânico (FEM-UNICAMP); Diretor Presidente Aposentado da EATON – Hydraulics da América do Sul; Professor do Curso de Extensão (FEM-UNICAMP); Membro da ABQ.

 
[3] Engenheiro Aeronáutico (ITA); Doutor em Engenharia e Professor Livre-Docente (EPUSP); Professor Titular Aposentado (FEM-UNICAMP); Membro do CLE-UNICAMP; Membro da ABQ.

Este artigo expressa a opinião dos Autores e não de suas organizações.

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