sexta-feira, abril 19, 2024

Descumprir as normas técnicas é desrespeitar os direitos fundamentais dos consumidores

Arek Socha / Pixabay

Hayrton Rodrigues do Prado Filho

 

Está claro na Constituição Federal: Capítulo I Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos Art. 5: XXXII – o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor. As normas técnicas, mais conhecidas como NBR, são publicadas pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) que é uma sociedade civil, mais conhecidas como Organizações Não Governamentais (ONG), sem fins lucrativos e declarada de utilidade pública. Por força de vários dispositivos legais e regulamentares, em razão da atividade que pratica, é titulada para receber auxílio do Estado, além de ter receitas provindas da contribuição dos inúmeros associados integrantes dos vários setores produtivos da sociedade. Ou seja, precisa prestar contas de seus custos e gastos de acordo com a lei da transparência.

As normas técnicas da ABNT constituem-se referência e exigência em algumas normas jurídicas, tais como a Lei n° 8.078, de Proteção e Defesa do Consumidor, e a Lei n° 4.150, que regulamenta as obras públicas. Assim, as normas da ABNT, apesar de técnicas, possuem em juízo, força de lei jurídica, devendo sua observância constituir-se não apenas um dever ético-profissional, mas também uma obrigação legal.

O Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, lei de caráter geral e nacional, editado com fundamento no artigo 5º, inciso XXXII, da Constituição brasileira, aprovado pela Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990, ao disciplinar as vedações aos fornecedores de produtos ou serviços com o intuito de coibir práticas abusivas estabelece em seu artigo 39, VIII: Art. 39 – É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços: VIII – colocar, no mercado de consumo, qualquer produto ou serviço em desacordo com as normas expedidas pelos órgãos oficiais competentes ou, se normas específicas não existirem, pela Associação Brasileira de Normas Técnicas ou entidade credenciada pelo Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Conmetro).

Como se vê, a lei em questão torna obrigatório o uso de normas brasileiras técnicas, editadas pela ABNT, quando não existirem normas formuladas pelo órgão público competente. Art. 18. A inobservância das normas contidas na Lei nº 8.078, de 1990, e das demais normas de defesa do consumidor, constituirá em uma infração ou uma ação de infringir a lei, e sujeitará o fornecedor às seguintes penalidades, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, inclusive de forma cautelar, antecedente ou incidente no processo administrativo, sem prejuízo das de natureza cível, penal e das definidas em normas específicas: I – multa; II – apreensão do produto; III – inutilização do produto; IV – cassação do registro do produto junto ao órgão competente; V – proibição de fabricação do produto; VI – suspensão do fornecimento de produtos e serviços; VII – suspensão temporária de atividade; VIII – revogação de concessão ou permissão de uso; IX – cassação de licença do estabelecimento ou de atividade; X – interdição, total ou parcial, de estabelecimento, obra ou de atividade; XI – intervenção administrativa; XII – imposição de propaganda.

A ABNT se insere ao lado do Inmetro no organograma do governo brasileiro, fazendo parte do Sistema Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Sinmetro), dentro da estrutura do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC). O Inmetro edita as Regulamentações Técnicas específicas sobre um produto ou serviço para a sua avaliação de conformidade ou certificação. Quando não existem essas regulamentações, se a ABNT é a única entidade reconhecida pelo Conmetro, as normas NBR passam a ser a referência para a qualidade destes itens, quando comercializados no país.

Na prática, que se não fossem estabelecidas normas técnicas para o desenvolvimento das atividades produtivas em geral, haveria verdadeiro caos na organização dos produtos e serviços a ser produzidos em favor da sociedade, cada qual desenvolvendo um produto sem observar parâmetros, com inegável prejuízo da competitividade e sem levar em conta sua repercussão e risco para a comunidade em geral. Ou seja, daí vem a relevância do estabelecimento das normas técnicas, cuja principal finalidade é garantir a saúde, a segurança, o exercício de direitos fundamentais em geral dos brasileiros, além de ser o balizamento nos projetos, na fabricação e ensaio dos produtos, no cumprimento dos mesmos pelos compradores e consumidores e na comercialização interna e externa de produtos e serviços.

Em qualquer sociedade preocupada com os direitos fundamentais, é função da normalização técnica o estabelecimento de normas técnicas que ordenem, coordenem e balizem a produção de bens e serviços, com a finalidade de modelar o mercado em proveito do próprio produtor e do desenvolvimento econômico e visa à proteção e à defesa de direitos fundamentais essenciais como a vida, a saúde, a segurança, o meio ambiente etc. Disso tudo resulta, inelutavelmente, que a atividade de normalização técnica reveste-se de natureza de função pública, sendo uma ação ligada à gestão pública, essencial para a salvaguarda de direitos e para propiciar o desenvolvimento. É, portanto, o exercício de um poder e dever do Estado, expressa e implicitamente ditado pela Constituição.

Ela tem caráter de essencialidade porquanto o seu balizamento é essencial para a vida em comunidade, tanto no que diz respeito ao usufruto adequado e seguro, pelos cidadãos, dos bens e serviços, como no que concerne ao desenvolvimento da qualidade e competitividade. São regras de conduta impositivas para os setores produtivos em geral, tendo em vista que, além de seu fundamento em lei ou atos regulamentares, tendo em vista o cumprimento da função estatal de disciplinar o mercado com vistas ao desenvolvimento nacional e à proteção de direitos fundamentais tais como os direitos relativos à vida, à saúde, à segurança, ao meio ambiente, etc.

O seu descumprimento sujeita o infrator às penalidades administrativas impostas em leis e regulamentos, sem prejuízo de sanções de natureza civil e criminal também previstas em leis. As normas técnicas brasileiras impõem condutas restritivas de liberdades fundamentais (liberdade de iniciativa, de indústria, de comércio etc.) e se destinam a proteger o exercício de direitos fundamentais (direito à vida, à saúde, à segurança, ao meio ambiente etc.), expressando atos normativos do governo federal. Não aceitar isso é desrespeitar os direitos fundamentais dos cidadãos brasileiros.

Em resumo, no caso de um acidente de consumo, por descumprimento de uma norma técnica, o fabricante se sujeitará a um processo civil ou criminal. Quando se descumpre uma norma técnica, assume-se, de imediato, um risco, o que significa dizer que o risco foi assumido, ou seja, se está consciente do resultado lesivo. A consciência do resultado lesivo implica em uma conduta criminosa, passível de punição pelo Código Penal. E as instituições que defendem a não obrigatoriedade das normas técnicas, como a ABNT e o Inmetro, podem ser responsabilizadas solidariamente por isso.

 

Hayrton Rodrigues do Prado Filho é jornalista profissional e membro da Academia Brasileira da Qualidade (ABQ).

Este artigo expressa a opinião dos Autores e não de suas organizações.

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