Hayrton Rodrigues do Prado Filho
A revisão da ISO 9001 atingiu o estágio final do processo de revisão, em que os países membros da ISO têm dois meses para tomar uma posição nacional e votar no mais recente projeto da norma até o dia 09 de setembro de 2015. Depois da aprovação do esboço final em novembro de 2014 por cerca de 90 % dos membro, em que foram analisados mais de 3.000 comentários com sugestões sobre possíveis melhorias. Desde então, o comitê se reuniu duas vezes, na Irlanda e Lituânia, e realizou extensas discussões on-line para analisar e decidir sobre todos os comentários recebidos durante a votação.
Nigel Croft, chair of the ISO subcommittee revising the standard (ISO/TC 176/SC 2), acha que comparado com o DIS, as mudanças foram relativamente menores. “As mais expressivas foram para a Introdução e figuras, que foram mais simplificadas, com parte do texto explicativo sendo transferido para um anexo informativo. Os termos e definições que foram removidos serão adicionados à norma ISO 9000”.
Para Nigel, houve uma preocupação em se ter uma maior coerência na utilização de termos específicos, tem havido uma série de pequenas alterações técnicas. “Por exemplo, a Alta Administração deverá agora promover a utilização do pensamento baseado no risco, além de uma abordagem de processo. Nós também adicionamos explicações sobre o ambiente de processo aplicado a organizações de serviços e mais requisitos para as atividades de produção e de serviços para evitar o erro humano”.
Ele também acredita que a nova norma será ISO 9001 será muito diferente das versões anteriores. “Este é o resultado de um processo evolutivo, trazendo firmemente a ISO 9001 para o século 21. As primeiras versões da ISO 9001 (em 1987 e 1994) foram bastante prescritivas com muitos requisitos específicos para procedimentos documentados e registros; em 2000, introduzimos a abordagem de processo, que incidiu sobre os processos de gestão, e uma necessidade de menos documentação. Esta foi mantida em a revisão de 2008. A ISO 9001: 2015 é ainda menos prescritiva do que a sua antecessora. Em outras palavras, é baseada no desempenho, com um foco no que tem de ser alcançado em vez de como alcançá-lo. Temos conseguido isso combinando a abordagem de processo com o pensamento baseada no risco e empregando o ciclo Plan-Do-Check-Act em todos os níveis da organização, tendo em consideração o contexto em que a organização opera”.
Luiz Nascimento, coordenador técnico do CB 25 e líder da delegação brasileira nos fóruns do TC 176 para a revisão da norma ISO 9001 (lcdnascimento@uol.com.br), nem todos os problemas relacionados à norma ISO 9001 são decorrentes da norma em si, ou seja, não podem ser resolvidos apenas mudando a sua redação e revisando seus requisitos. Mesmo no caso do texto ser adequado, uma interpretação inadequada ou subvertida pode ser a causa de vários problemas. “O escopo da norma não foi alterado: a ISO 9001 continua sendo uma norma que especifica requisitos para um sistema de gestão da qualidade quando uma organização: necessita demonstrar sua capacidade para fornecer consistentemente produtos e serviços que atendam aos requisitos do cliente e aos requisitos estatutários e regulamentares aplicáveis; e visa aumentar a satisfação do cliente por meio da aplicação eficaz do sistema, incluindo processos para melhoria do sistema e para a garantia da conformidade com os requisitos do cliente e com os requisitos estatutários e regulamentares aplicáveis”.
A norma é aplicável às relações contratuais entre organizações e seus clientes, cuja finalidade é assegurar aos clientes produtos e serviços de qualidade. Não é uma norma que visa apenas assegurar bons sistemas de gestão, a qualidade do produto ou serviço é o fundamental. É uma norma de requisitos mínimos, estabelecidos por meio de consenso entre produtores e consumidores, além de outras partes interessadas relevantes para a conformidade do produto ou serviço intencional. É ainda uma norma genérica, aplicável a organizações de qualquer porte ou setor, e por isso é essencial que seus requisitos sejam complementados com os requisitos específicos relacionados aos produtos e serviços que a organização entrega.
“Por ser uma norma de requisitos mínimos, nada impede que uma organização supere seus requisitos para melhor atender seus clientes. Nesse sentido é uma norma de proteção ao cliente fundamentada na eficácia do sistema de gestão da qualidade. A ISO 9001 não aborda questões relacionadas à eficiência das operações, nem tampouco questões relacionadas à saúde e segurança ou à preservação do meio ambiente entre outras disciplinas da boa gestão moderna. Vale ressaltar que a própria ISO possui normas voltadas para essas disciplinas e que podem ser usadas pelas organizações de forma integrada com a ISO 9001”, acrescenta Nascimento.
Importante dizer que a ISO 9001 é uma das três normas fundamentais para a gestão da qualidade. A chamada família de normas de gestão da ISO inclui: a ISO 9000 – Sistemas de gestão de qualidade – Fundamentos e vocabulário fornece um elemento essencial para a compreensão e aplicação da ISO 9001 de forma adequada. Os Princípios de Gestão da Qualidade descritos em detalhe na ISO 9000 foram desenvolvidos pelo TC 176 e foram levados em consideração durante o desenvolvimento da ISO 9001. Estes princípios não são requisitos em si mesmos, mas eles formam a base dos requisitos especificados pela ISO 9001.
E a ISO 9004 – Gestão para o sucesso sustentado de uma organização é uma norma que fornece uma orientação para as organizações que optam por progredir além dos requisitos mínimos obrigatórios da ISO 9001 e tratar uma ampla gama de tópicos que podem levar à melhoria contínua do desempenho global da organização. A ISO 9004 inclui orientação sobre uma metodologia de avaliação para uma organização ser capaz de avaliar o nível de maturidade de seu sistema de gestão de qualidade.
Outras normas ISO que foram desenvolvidas para apoiar a implementação da gestão de qualidade compõem a faixa de número 10000. Incluem orientações sobre a satisfação do cliente, planos de qualidade, gestão da qualidade em projetos, gestão da configuração, equipamentos de medição, documentação, benefícios financeiros e econômicos da gestão da qualidade, treinamento, técnicas estatísticas, envolvimento e competência das pessoas, seleção de consultores de sistema de gestão da qualidade e de auditoria de sistemas de gestão.
Existem ainda outras normas ISO voltadas para aplicações setoriais. Tomam como base os requisitos genéricos da ISO 9001 e incorporam requisitos específicos dos setores aos quais se aplicam, são exemplos as normas dos setores automobilístico, aeroespacial, alimentação, dispositivos médicos, educação, governos locais (prefeituras), etc.
Ele complementa que no processo de revisão foram considerados, entre outros, os seguintes inputs: diretivas ISO/IEC Part 1 Anexo SL Apêndice 2 Estrutura de alto nível, texto básico idêntico, termos e definições básicas; resultados da pesquisa mundial de 2010 sobre as necessidades de usuários atuais e potenciais das normas de gestão da qualidade; Princípios de Gestão da Qualidade revisados; lições aprendidas de projetos de revisão anteriores; resultados do processo de interpretação da ISO 9001 desde a revisão 2000; e conceitos futuros de gestão.
Os Princípios de Gestão da Qualidade, que constituem a fundamentação da norma, também passaram por um processo de revisão e foram atualizados. Algumas das alterações da nova edição da norma devem-se à mudança nos princípios. A tabela a seguir resume os Princípios de Gestão da Qualidade.
Nascimento observa que a nova edição da ISO 9001 vem com uma série de mudanças que pretendem responder a alguns dos problemas que afligem seus usuários e, ao mesmo tempo, adequar-se às novas tendências e necessidades do mercado. A mudança mais evidente à primeira vista é a nova estrutura comum a todas as normas de gestão da ISO. Podemos ver abaixo a nova estrutura da norma ISO 9001. Em destaque, sublinhadas, aparecem as especificidades e adições da ISO 9001 em relação à estrutura comum às normas de sistemas de gestão.
Uma das duas novas figuras da norma ilustra o relacionamento entre os elementos de um processo.
O Ciclo PDCA – O ciclo Plan-Do-Check-Act é um método consagrado para a gestão de processos e de sistemas como um todo. A aplicação desse método não é novidade, mas foi enfatizada na nova edição da norma. A própria estrutura da norma está organizada na forma de um grande PDCA. Algumas cláusulas foram mudadas de posição para se adequarem, como é o caso da Análise crítica pela direção que, como atividade de avaliação, passa da atual cláusula 5, para a nova cláusula 9. Também é o caso da cláusula de Ação preventiva, que substituída pelo conceito de risco, passa da antiga (última) cláusula 8 para a atual cláusula 4. Muitas das cláusulas passaram também a ser redigidas segundo essa lógica: começam requisitando que a organização determine o que deve ser feito, em seguida que estabeleça a forma de execução, de avaliação e melhoria. Esse tipo de redação é menos prescritivo e concede muito mais liberdade para a organização determinar o que é de fato necessário, o que vai modificar a maneira de se auditar e exigir novas competências dos auditores. Apesar de o PDCA ser amplamente conhecido, é importante ressaltar que é necessária uma conexão entre suas etapas. Deve haver uma disciplina na sua aplicação para que se execute o que foi planejado, e ser avalie os resultados cotejando o planejamento com a execução. Não é raro que as análises sejam conduzidas apenas com base nas realizações, sem levar em conta os desvios em relação aos planos. A ilustração do PDCA, relacionando as suas etapas com as cláusulas da norma é a segunda das duas novas figuras.
Por fim, ele explana sobre o conceito de gestão de riscos em conjunto com a gestão de processos e o método PDCA que formam o tripé que suporta a implementação da nova edição da norma ISO 9001. A explicitação do conceito de risco, ao contrário da gestão de processos e do PDCA, é uma novidade. Sistemas de gestão, por natureza, são preventivos, sua finalidade é produzir produtos e serviços conformes e evitar as não conformidades. Nesse sentido a consideração dos riscos sempre esteve implícita na norma ISO 9001. A cláusula mais diretamente relacionada com o risco era a ação preventiva. No entanto essa era talvez a cláusula menos entendida e aplicada, além de ter uma posição desfavorável como uma das últimas cláusulas da norma.
“A introdução do termo risco foi cercada de polêmicas e idas e vindas ao longo do processo de revisão, principalmente entre os profissionais de gestão de risco. Havia receio, por outro lado, que a menção a risco pudesse sugerir que a implementação de sistemas de gestão de risco ou mesmo o atendimento das normas ISO 31000 passasse a ser um requisito. A solução de compromisso foi requerer apenas que as organizações tenham em mente que existem riscos na gestão de suas atividades, sem exigir explicitamente a aplicação de nenhuma técnica ou método específico. No original foi usado o termo risk-based-thinking para evitar que organizações, sobretudo as pequenas e médias, sejam obrigadas a aplicar métodos incompatíveis com a simplicidade de seus negócios. Naturalmente, organizações mais complexas vão se beneficiar pela aplicação de técnicas mais sofisticadas. O risco está definido como o efeito da incerteza sobre um resultado pretendido. Entendido como um desvio da expectativa, o efeito pode ser favorável ou desfavorável. Assim, existiriam riscos positivos e negativos. A norma, no entanto, chama o lado positivo dos riscos de oportunidades e lado negativo simplesmente de riscos. A norma ISO 14001, por exemplo, chama os riscos negativos de ameaças e os positivos de oportunidades, o que parece ser um pouco mais adequado. No entanto, optou-se por usar uma linguagem mais simples e usual para facilitar a sua compreensão por não especialistas. Fato semelhante aconteceu quando se adotou o termo “produtos e serviços” em lugar de produtos que, teoricamente, incluem serviços”, diz.
Às organizações certificadas segundo a atual ISO 9001:2008, será concedido um período de três anos após a publicação da nova versão 2015 para fazerem a transição. No início haverá um período de coexistência das duas versões e posteriormente, à medida que os contratos de certificação forem vencendo, só serão permitidas novas certificações pela nova edição. Após esse período, nenhuma certificação pela versão 2008 terá validade.
O impacto da nova versão sobre as organizações certificadas será diferente em função da maturidade e adequação dos seus sistemas atuais. Aquelas que têm um sistema de gestão da qualidade maduro, integrado ao seu sistema de gestão global, não deverão ter grandes dificuldades. Afinal, são poucos os requisitos modificados e os requisitos novos dizem respeito à práticas usuais, como o planejamento estratégico, a gestão de riscos e do conhecimento. Para aquelas que têm sistemas pró-forma, as dificuldades para a migração correta para a nova versão serão maiores: terão que rever suas estratégias, a Alta Direção terá que fazer uma crítica de seus objetivos e de sua abordagem para o sistema de gestão da qualidade, precisarão praticamente recomeçar do início.
Organizações ainda não certificadas terão que compreender exatamente o que é e para que serve a norma. A decisão pela sua adoção dever ser uma decisão bem informada da Alta Direção. Se optarem pela certificação apenas por vaidade ou porque foram demandadas, sem entender no que estão se metendo, é possível que sofram da maioria das mazelas abordadas no início desse artigo. Se contratarem um organismo de certificação que tenha uma compreensão adequada de seu papel, é bem possível que não consigam se certificar.
Organismos de certificação e auditores terão que se adequar aos novos requisitos. Será necessária uma especialização profunda de auditores para poderem realizar auditorias sem o conforto dos procedimentos escritos e das prescrições da norma. Terão que compreender o que precisa ser feito do ponto de vista da organização e não do que a norma pede. Deverão ser flexíveis para aceitar uma variedade de abordagens maior e mais adequada às especificidades de cada organização em contextos diferentes e mutáveis. Da mesma forma, consultores deverão conhecer melhor os negócios de seus clientes, não haverá mais espaço para formulas preconcebidas e esquemas padronizados de “implantação da ISO 9001”.
Hayrton Rodrigues do Prado Filho é jornalista profissional, editor da revista digital Banas Qualidade e membro da Academia Brasileira da Qualidade (ABQ) – hayrton@hayrtonprado.jor.br