Estudo quantifica o desmatamento nas emissões de CO2 até 2050

Janusz Maniak / Unsplash

O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) fez um estudo apresentando os cenários de uso da terra e emissões de gases do efeito estufa atualizados para a Amazônia brasileira. O trabalho ajuda a elucidar o potencial e as limitações das metas propostas pelo Brasil na intended Nationally Determined Contribution (iNDC), subsidiando as discussões para a COP21 em Paris.

Ana Paula Aguiar, pesquisadora do CCST/INPE e uma das líderes do estudo, explica que a necessidade de elaboração de novos cenários surgiu das mudanças observadas na região na última década. “Muitos estudos discutiram o futuro da Amazônia nos anos 2000, com foco principal na questão do desmatamento. Porém, aqueles estudos foram desenvolvidos com base num contexto socioeconômico e institucional de total falta de controle do desmatamento – e mesmo seus cenários mais otimistas seriam considerados hoje muito pessimistas. A situação mudou e com ela houve a necessidade de atualizar os cenários. Porém, o futuro da região continua muito incerto. Por exemplo, embora as taxas de desmatamento na Amazônia tenham caído desde 2004, elas estabilizaram em torno de 6.000 km²/ano nos últimos cinco anos. As taxas vão cair mais, estabilizar ou subir novamente? O Código florestal será cumprido? Como o passivo ambiental será regularizado? Os altos índices de degradação florestal atuais serão revertidos? As respostas dependem de uma série de fatores, externos e internos – em especial, do modo como os governos e a sociedade irão lidar com a demanda por terra e commodities nas próximas décadas. Mas os novos cenários que propomos não se limitam às questões de recursos naturais e uso da terra. Eles são abrangentes, incluindo explicitamente a dimensão social como eixo de discussão. Temas bastante importantes, tais como a urbanização caótica e a desigualdade de acesso aos recursos na região também foram abordados”, ressalta a pesquisadora.

Neste contexto, narrativas contrastantes sobre o futuro foram construídas de modo participativo, através de workshops com representantes da sociedade civil e governo, no âmbito do projeto Amazalert, em parceria com a Embrapa, Museu Emilio Goeldi e diversas outras organizações. Os elementos destas narrativas, relativos ao uso dos recursos naturais, foram quantificados através de modelos computacionais capazes de estimar o balanço regional de CO2, considerando trajetórias alternativas de desmatamento, da dinâmica da vegetação secundária e também da degradação florestal.

“É o primeiro trabalho que inclui esses três processos no balanço de carbono da região de modo espacialmente explícito. Os cenários representam histórias contrastantes, porém factíveis, e incluem uma série de premissas sobre políticas para região – em especial sobre o cumprimento ou não do Código Florestal”, diz Jean Ometto, chefe do CCST/INPE e um dos líderes da pesquisa. Este estudo integra dados produzidos pelos sistemas de monitoramento do INPE (PRODES, DEGRAD e TerraClass) e utiliza as ferramentas de modelagem de código aberto LuccME e INPE-EM, também desenvolvidas pelo INPE.

O cenário mais otimista (Cenário A – Sustentabilidade) representa um futuro com avanços significativos nas dimensões socioeconômica e ambiental. Neste cenário, as medidas de Restauração e Conservação previstas no Código Florestal são, não apenas cumpridas, mas superadas. A região se tornaria um sumidouro de carbono após 2020, devido ao fim do desmatamento por corte raso e do processo de degradação florestal, aliado a um aumento da área de vegetação secundária (e do seu tempo de permanência), levando a um processo de Transição Florestal.

O cenário oposto, bastante pessimista (Cenário C – Fragmentação), parte da premissa de um retrocesso nos avanços ambientais e sociais da última década, com uma volta a maiores taxas de desmatamento e desrespeito ao Código Florestal, aliados a um processo de urbanização caótico e acirramento dos problemas sociais. Finalmente, um cenário intermediário (Cenário B, Meio do Caminho), combina premissas dos dois cenários mais extremos.

Este cenário também considera o cumprimento do Código Florestal, com taxas de desmatamento legais em torno de 4.000 km²/ano após 2020. As reservas legais são regularizadas principalmente através do mecanismo de compensação no mesmo bioma e a vegetação secundária mantém a mesma dinâmica atual, de abandono e corte cíclico nas áreas menos consolidadas. Neste cenário, talvez o mais plausível, a região continua sendo emissora de CO2.

Sobre a plausibilidade dos cenários, os autores do trabalho advertem: “Cenários não são previsões. Afirmar que a Amazônia vai virar um sumidouro de carbono, como no cenário A, sem esclarecer todas as premissas subjacentes, seria equivocado. Cenários são apenas histórias internamente consistentes sobre como o futuro pode se desenvolver. Técnicas de cenários são aplicadas justamente quando as incertezas sobre o futuro são muito grandes. Por outro lado, o futuro depende das nossas ações hoje. Se ele será mais próximo do cenário A ou C irá depender da organização da sociedade em uma direção ou outra. Fomentar esta discussão é o objetivo principal do método proposto”.

No setor florestal e de mudança do uso da terra, a iNDC prevê, entre outros pontos: “fortalecer políticas e medidas com vistas a alcançar, na Amazônia brasileira, o desmatamento ilegal zero até 2030 e a compensação das emissões de gases de efeito de estufa provenientes da supressão legal da vegetação até 2030”. Ou seja, o Brasil está propondo zerar as emissões líquidas por desmatamento até 2030 – numa situação entre os cenários A e B descritos acima. Alguns aspectos do trabalho do CCST/INPE podem ajudar na análise dos desafios destas metas.

Desmatamento ilegal zero – O que significa? Diversos trabalhos recentes publicados na literatura científica estimaram a área passível de ser desmatada legalmente de acordo com o Código Florestal, obtendo valores de 86.000 km² a 290.000 km² (Martini et al., 2015; Soares-Filho et al., 2014; Sparovek et al., 2015). O cenário B em Aguiar et al. (2015) considera uma taxa de desmatamento (legal) em torno de 4.000 km²/ano após 2020 (isto é, uma perda de aproximadamente 140.000 km² no período 2015 a 2050). Uma fonte importante de incerteza consiste em como estes estudos consideraram as terras públicas sem destinação, sobretudo, no Estado do Amazonas. As opções em relação à estas áreas são (i) a criação de áreas protegidas ou (ii) destinar para produção agrícola. A criação de áreas protegidas nestas áreas poderia diminuir substancialmente o potencial de desmatamento legal. Por outro lado, a literatura indica (o que também foi sido bastante discutido no processo participativo de construção dos cenários) a fragilidade das áreas protegidas existentes, incluindo unidades de conservação não consolidadas e a pressão sobre terras indígenas (Ferreira et al., 2014). Por fim, cabe ressaltar ainda que as taxas de desmatamento caíram significativamente após 2004, mas estabilizaram em 6,000 km² nos últimos anos. Logo, a manutenção e aprimoramento do conjunto de ações dos PPCDAM (Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal) e o fortalecimento dos arcabouços institucionais (para evitar retrocessos) são essenciais para que, no máximo, as taxas permaneçam dentro dos limites legais – e não voltem a subir na direção do Cenário C (a Tabela S1.1 do material suplementar do artigo apresenta uma síntese de ações necessárias, resultante do processo participativo de construção dos cenários).

Compensação das emissões provenientes do desmatamento legal: (a) Papel da vegetação secundária no balanço de carbono: Uma das formas de compensar as emissões por desmatamento legal na Amazônia seria a absorção de CO2 através da regeneração da vegetação secundária. De acordo com o sistema TerraClass, em 2008 foram observados cerca de 150,000 km² de vegetação secundária em áreas previamente desmatadas. Esta área vem aumentando nos levantamentos mais recentes do sistema. O processo de crescimento da vegetação secundária poderia, potencialmente, compensar as emissões por corte raso. Porém, os dados da literatura e do próprio TerraClass mostram que parte considerável desta vegetação é ciclicamente cortada (por exemplo, cerca de 25% da área identificada em 2008 havia sido cortada em 2012). Os novos cenários discutem o papel potencial da vegetação secundária no balanço de carbono no futuro, através de modelos que representam a dinâmica de abandono, crescimento e corte cíclico nas áreas desmatadas. Os resultados do cenário B mostram que, mantida a dinâmica atual, as emissões continuariam positivas. É importante notar que a vegetação secundária existente na região foi produzida pelo processo histórico de ocupação da região (pecuária extensiva, falta de assistência técnica, agricultura itinerante, especulação fundiária, etc.), inicialmente dissociado da questão mais recente da regularização do passivo ambiental pelo Código Florestal. Medidas que visem utilizar estas áreas para fim de regularização das reservas legais deverão incluir – além de sistemas de monitoramento adequados e de legislação específica que norteie a necessidade de sua supressão cíclica – a disponibilização de alternativas tecnológicas para que a vegetação secundária possa fazer parte do sistema produtivo aos agricultores da região, como por exemplo, sistemas que integram pastagem/agricultura e floresta. (b) Regularização das Reservas Legais (RL). Os trabalhos mencionados acima (Martini et al., 2015; Soares-Filho et al., 2014; Sparovek et al., 2015) também estimam a área de Reserva Legal a ser restaurada (passivo ambiental) caso as regras do novo Código Florestal venham a ser cumpridas de fato. O trabalho de Soares-Filho et al. (2014), por exemplo, estima cerca de 80.000 km² de passivo ambiental. O Código Florestal oferece dois mecanismos principais de regularização: efetiva restauração da reserva legal dentro da propriedade rural ou compensação em outra área do bioma (através de Cotas de Reserva Ambiental – CRA). Existe muita incerteza em relação a qual mecanismo será adotado por diferentes atores. Em todos estes trabalhos a área de passivo ambiental é consideravelmente menor do que o ativo (área legalmente disponível para conversão), em muitos casos, menos da metade. O mecanismo de compensação pode proteger áreas de floresta primária (diminuindo o ativo), enquanto o mecanismo de restauração pode favorecer o aumento das áreas de florestas secundárias. Existe, portanto, a necessidade de uma ampla discussão sobre os mecanismos de regularização das RL mais apropriados em diferentes contextos – considerando não apenas as emissões líquidas de carbono, mas a perda de biodiversidade, a provisão de serviços ecossistêmicos e os impactos nos atores envolvidos. Os resultados em Aguiar et al (2015) indicam que, em termos de emissões, mesmo no caso de que a regularização dos 80.000 km² de passivo viesse a ocorrer pelo mecanismo de restauração (pouco provável no entender dos autores, pois implicaria, em muitos casos, no abandono de áreas em produção), as emissões continuariam positivas – devido ao balanço entre as áreas passiveis a serem legalmente desmatadas (ativo) e à curva de crescimento da vegetação nas áreas de restauração. Por outro lado, os resultados da simulação B mostram que seria necessária a regeneração de uma área superior a 150 mil km² para zerar as emissões líquidas em 2030. Portanto, apenas o cumprimento do código dificilmente será capaz de zerar as emissões na Amazônia em 2030, independente do mecanismo de regularização das RL utilizado pelos diferentes atores. Serão necessárias medidas complementares que mantenham as taxas de desmatamento por corte-raso abaixo dos níveis “legais”.

Outros pontos relevantes: (a) Emissões por degradação florestal. O trabalho apresenta a quantificação das emissões provenientes do processo de degradação florestal – um componente importante do balanço regional de carbono não considerado na elaboração das metas. Utilizando dados do Sistema DEGRAD do INPE, o trabalho estima que as emissões brutas por degradação no período foram, em média, cerca de 47% das emissões por desmatamento tipo corte raso. Por outro lado, o processo de regeneração pós-distúrbio pode compensar, em parte, essas emissões. (b) Emissões nos outros biomas. A iNDC se refere apenas ao bioma Amazônia. Porém, tanto trabalhos de modelagem econômica (Dalla-Nora 2014), quanto a estimativa da área passível de ser legalmente desmatada de acordo com o Código Florestal no Cerrado (cerca de 400.000 km² de acordo com Soares-Filho et al. 2014) apontam para altas taxas de desmatamento neste bioma nas próximas décadas, devido ao seu potencial produtivo para a agricultura e menor grau de proteção. Caso apenas o cumprimento do Código Florestal seja o balizador de ações para proteger o Cerrado, podemos antever impactos consideráveis nas emissões nacionais e em termos de perda de biodiversidade. Já o bioma Caatinga, embora também apresente um ativo elevado (cerca de 258.000 km², de acordo com Soares-Filho et al. (2014)), não apresenta condições edafoclimáticas para a expansão da agricultura de grãos. Este bioma está, no entanto, sujeito a outros vetores de desmatamento, em especial a exploração predatória para satisfazer demandas por carvão vegetal e lenha para fins energéticos.

 

O trabalho completo em inglês está no link http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/gcb.13134/abstract

Este artigo expressa a opinião dos Autores e não de suas organizações.

Siga-nos nas Redes Sociais

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Posts Relacionados