quinta-feira, abril 25, 2024

O Dia Mundial da Qualidade – 100 anos de Qualidade

Por Caio Márcio Becker Soares

 

Introdução

No dia 14 de novembro deste ano é comemorado o Dia Mundial da Qualidade. Esta comemoração foi criada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1990 com o objetivo de conscientizar a sociedade, e principalmente as empresas, sobre a importância da qualidade. O Dia Mundial da Qualidade é comemorado todos os anos na segunda quinta-feira do mês de novembro.

A Academia Brasileira da Qualidade (ABQ) promove há seis anos um seminário na Federação das Indústrias em São Paulo (FIESP) comemorando esse dia e tratando de diversos assuntos ligados ao tema da qualidade. Outras organizações, inclusive empresas privadas, realizam eventos para essa comemoração.

Neste ano será realizada em Belo Horizonte a FestQuali, evento inédito de qualidade e inovação reunindo palestrantes do Brasil, Inglaterra, Itália, Portugal e USA. O evento tem como objetivo unir as empresas e pessoas envolvidas com sistemas de gestão e inovação. Durante quatro dias, de 11 a 14 de novembro, serão realizadas palestras, cursos, exposições e outras modalidades inovadoras em evento dessa natureza. O encerramento da FestQuali coincide com o dia 14 de novembro, o dia mundial da qualidade em 2019.

Em 2019 também estamos comemorando 100 Anos da Qualidade, um século com muitas realizações importantes na temática da qualidade. Este texto mostra realizações no mundo e no Brasil. Para isso lembramos as pessoas que trabalharam durante toda sua vida, em nível mundial, para a divulgação e a melhoria da qualidade. Mostramos suas principais contribuições que são aplicadas em todo o mundo. Abordamos, também, as realizações no Brasil, lembrando os projetos que foram desenvolvidos e os resultados obtidos.

 

A Qualidade no mundo

A preocupação com a qualidade, principalmente com a qualidade de produtos, nasceu em paralelo com o desenvolvimento das atividades nas indústrias. As indústrias estão alguns anos à frente de outros segmentos de negócios no que diz respeito à qualidade.

Algumas pessoas trabalharam com afinco e dedicação na causa da qualidade criando conceitos, metodologias e práticas que provocaram o aumento da qualidade chegando ao estágio em que nos encontramos hoje.

Comemorando 100 anos de qualidade, é importante reconhecer o trabalho dessas pessoas e prestar uma homenagem a elas.

A seguir uma breve apresentação dessas pessoas e suas mais significativas contribuições para a qualidade.

Jules Henri Fayol (1841/1925). Nasceu em Istambul e faleceu em Paris. Engenheiro de Minas formado pela Ecole des Mines de Saint-Etienne, França.

Foi o primeiro a pensar a administração nas empresas e o fundador da teoria clássica da administração. Considerando que a qualidade é um produto da administração, Fayol é o pioneiro da qualidade.

Todo seu trabalho foi direcionado para a empresa como um todo, ou seja, numa visão sistêmica.

Em 1916, após anos de pesquisas, estudos e observações, reuniu suas ideias no livro Administration Industrielle e Generale (Administração Industrial Geral) que foi traduzido para o inglês em 1930.

Estabeleceu 14 princípios que se tornaram uma espécie de prescrição administrativa universal. São eles: Divisão do Trabalho; Autoridade e Responsabilidade; Disciplina; Unidade de Comando; Unidade de Direção; Subordinação; Remuneração do Pessoal; Centralização; Hierarquia; Ordem; Equidade; Estabilidade do Pessoal; Iniciativa e Espírito de Equipe.

Estabeleceu, também, uma estrutura organizacional atribuindo cinco funções aos administradores: Prever e Planejar; Organizar; Comandar; Coordenar; Controlar.

Frederick Winslow Taylor (1856/1915). Operário, técnico mecânico e engenheiro mecânico.

Taylor foi o criador da administração científica, um modelo baseado na aplicação do método científico cartesiano na administração, tendo como objetivo garantir o melhor custo/benefício aos sistemas produtivos.

Está baseada em quatro princípios: planejamento; preparo dos trabalhadores; controle e execução.

O método de Taylor introduziu os conceitos de divisão e análise do trabalho, estudo dos tempos e movimentos e o treinamento e a especialização do empregado considerando, inclusive, suas aptidões. Ele procurava uma forma de elevar o nível de produtividade conseguindo que o trabalhador produzisse mais em menos tempo.

No livro “Administração de Oficinas”, publicado em 1903, Taylor apresenta suas ideias e em 1911 seu livro “os Princípios da Administração Científica” expõe suas teorias.

O trabalho de Taylor foi voltado para os processos e a produtividade, mas é inegável a obtenção de produtos com qualidade superior à que se conseguia antes da aplicação dos seus métodos.

Henry Ford (1863/1947). Empreendedor e engenheiro mecânico, fundador da Ford Motor Company.

Foi o criador da linha de montagem em série de forma a produzir em massa automóveis em menos tempo, com menor custo e qualidade superior à que se conseguia na montagem manual, com cada carro produzido individualmente.

Suas ideias modificaram todo o pensamento da época. Através delas desenvolveu-se a mecanização do trabalho, a padronização do maquinário, do equipamento e dos produtos.

As práticas adotadas por Ford em suas fábricas são ligadas à concepção teórica de Taylor, revolucionando a indústria nos Estados Unidos e no resto do mundo.

A linha de montagem seriada é hoje utilizada não só nas montadoras de automóveis, mas também em fábricas nos diversos segmentos da indústria. Essa concepção trouxe ganhos relevantes na qualidade dos produtos.

Walter Andrew Shewhart (1891/1967), americano, físico, engenheiro e estatístico, é conhecido como o “Pai do Controle Estatístico do Processo”. Trabalhou na Western Electric e a partir de 1925 na Bell Telephones Company. Lecionou nas universidades de Harvard, Rutgers e Princeton.

Foi o criador do Ciclo PDCA de Controle e do Controle Estatístico de Processo, suas maiores contribuições. O PDCA é uma filosofia gerencial que até hoje é a base da gestão empresarial. Deming, retratado a seguir, sempre se referia ao PDCA como “Ciclo de Shewhart”. O Controle Estatístico do Processo, atual até hoje, trouxe uma contribuição significativa para o controle preconizado na etapa C do PDCA.

Shewhart escreveu o livro The Economic Control of Quality of Manufactured Product (O Controle Econômico da Qualidade do Produto Manufaturado). Esse livro é considerado o começo da época da qualidade.

William Edwards Deming (1900/1993), americano, estatístico, professor universitário, autor, palestrante e consultor.

As maiores contribuições de Deming foram as melhorias nos processos produtivos dos Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial e, a partir de 1950, seu trabalho no Japão na reconstrução desse país após o término da guerra.

O PDCA, e também o Controle Estatístico do Processo, desenvolvidos por Shewhart, foram as bases do trabalho de Deming, com resultados surpreendentes.

São também relevantes “Os 14 Pontos para a Gestão” de Deming, que orientam o caminho para a chamada qualidade total.

Ao retornar do Japão Deming foi contratado pela Ford. As vendas da montadora estavam caindo e ele foi recrutado para ajudar na melhoria da qualidade dos carros. Como consultor, após observar atentamente a cultura da empresa e seu modo de operação, questionou ambas, informando os executivos que as decisões da gerência são responsáveis por 85% dos problemas da produção de melhores carros. Em 1982 contribuiu na criação da linha Taurus-Sable quando a Ford foi a automotiva americana mais rentável, ultrapassando sua concorrente General Motors. O sucesso da Ford se mantem até hoje, confirmando o talento de Deming.

Nos seus trabalhos Deming sempre demonstrou a importância das 7 ferramentas da qualidade: Diagrama de Pareto, Diagrama de Causa e Efeito, Histograma, Folhas de Verificação, Gráficos de Dispersão, Fluxograma e Cartas de Controle.

Foi professor nas universidades de Nova York, Wyoming, do Colorado e de Yale. Autor de livros que são referência na administração, produtividade e qualidade.

Joseph Moses Juran (1904/2008). Juran nasceu na Romênia e em 1912 mudou para os Estados Unidos juntamente com a família. Diplomou-se em Engenharia Elétrica na Universidade de Minnesota em 1925.

Iniciou sua carreira de engenheiro na Western Electrical Company. Foi convidado a participar do Departamento de Inspeção Estatística da empresa onde ficou responsável pela aplicação e disseminação de técnicas de controle estatístico da qualidade.

Foi transferido para a sede da empresa em New York no cargo de Chefe de Engenharia Industrial. Nessa função realizou visitas a diversas empresas, ampliando sua visão e entendimento nos métodos de gestão da qualidade. Também nessa época se dedicou ao estudo do Direito, sendo diplomado pela Loyola University Chicago School of Law.

Com o término da Segunda Guerra Mundial Juran decide deixar a Western Company e inicia sua carreira como consultor, focando sua atenção no estudo da gestão da qualidade. Desenvolveu projetos para Gilette, Hamilton Watch Company, Borg-Wagner e muitas outras empresas.

Uma contribuição significativa de Juran para a qualidade foi a publicação pela primeira vez em 1951 do seu Quality Control Handbook, considerado na época, e até hoje, uma referência para todo gestor da qualidade.

O Handbook despertou o interesse dos japoneses, preocupados com a reconstrução do Japão após a segunda guerra. Assim, convidaram Juran para consultoria às empresas e ao governo japonês. Juntamente com Deming que já estava trabalhando no Japão, colaborou na transformação desse país em potência mundial. Os dois, Deming e Juran, são considerados os pais da revolução da qualidade no Japão.

Outra contribuição de Juran é o seu Juran Management System (JMS). Resultado de mais de 50 anos de estudo, esse sistema foi iniciado na Toyota em meados da década de 50, sendo considerado o primeiro sistema a atribuir qualidade à estratégia empresarial.

A base do JMS é a Trilogia Juran, que engloba os seguintes conceitos: Planejamento da Qualidade, Controle da Qualidade e Melhoria da Qualidade. Pode-se observar que o PDCA de Shewhart também contribuiu para o JMS.

Em 1941 o economista italiano Vilfredo Pareto propôs o Princípio de Pareto, ferramenta importante para caracterizar e ordenar problemas, causas ou seus efeitos. Juran expandiu o Princípio de Pareto aplicando-o no nivel organizacional no qual 80% dos problemas são causados por 20% das causas. Entretanto, não se pode ignorar as demais causas.

Em 1979 Juran criou o Juran Institute com o objetivo de disseminar suas ideias através de livros, vídeos e outros materiais. Até hoje o instituto é considerado uma importante consultoria de gestão da qualidade. Mesmo após a morte de Juran em 2008, o Juran Institute continua a apoiar empresas na otimização da qualidade, mantendo acessíveis as contribuições de Juran.

 

Realidade ou ficção?

Nas minhas viagens aos Estados Unidos, me contaram uma história para a qual não tenho confirmação se é verdade ou se é falsa.

Em 1925 acontecia o “boom” das comunicações nos Estados Unidos. A Bell Telephones produzia telefones e centrais telefônicas em grandes volumes. Shewhart era o responsável pela produção e estava preocupado: uma produção enorme sem muito controle.

Consta que nessa época dois jovens bateram na porta da Bell buscando uma oportunidade de estágio. Um era Edwards Deming, graduando em matemática e apaixonado pela estatística. O outro era Joseph Juran, buscando seu diploma em engenharia. Shewhart admitiu os dois como estagiários e a partir daí começaram a desenvolver o Controle Estatístico do Processo aproveitando o conhecimento de Deming na estatística. Trabalharam também no desenvolvimento do PDCA e muitas outras ferramentas da qualidade.

Nos meus cursos e treinamentos sempre contei essa história, mesmo sem ter certeza da sua veracidade. Meu objetivo era apresentar aos meus alunos Shewhart, Deming e Juran,

que sempre considerei e admirei pelo seu trabalho na qualidade. Era também um artifício para mostrar a importância do trabalho participativo e de equipe. Para aqueles meus alunos que agora estão lendo esse texto peço desculpas e que me perdoem.

Kaoru Ishikawa (1915/1989). japonês, engenheiro químico diplomado na Universidade de Tóquio, onde lecionou.

Ishikawa teve uma grande atuação no desenvolvimento da qualidade no Japão. Trabalhou e absorveu os conhecimentos de Deming e Juran, quando esses dois americanos orientaram o governo japonês na reconstrução do país após o término da segunda guerra mundial. Ele traduziu, integrou e expandiu os conceitos de gerenciamento de Deming e Juran para a cultura japonesa. Desenvolveu uma estratégia de ampla participação na qualidade, de cima para baixo dentro das empresas, envolvendo todos os empregados.

Uma relevante contribuição para a qualidade foi a criação em 1943, antes de sua parceria com Deming e Juran, do Diagrama de Causa e Efeito, também conhecido como Diagrama de Ishikawa ou de Espinha de Peixe. Uma ferramenta poderosa para a análise e solução de problemas, classificando e ordenando as causas das variações na qualidade e organizando as relações mútuas entre elas. Ishikawa e Deming usaram esse diagrama como uma das primeiras ferramentas nos processos da gerência da qualidade.

Em 1949 passou a integrar a União japonesa de Cientistas e Engenheiros (JUSE), um grupo de pesquisa e controle da qualidade.

Talvez sua maior contribuição foi a criação em 1962, juntamente com a JUSE, dos Círculos de Controle da Qualidade (CCQ). Promovidos dentro das empresas, reúnem empregados que voluntariamente realizam reuniões em busca da qualidade na empresa. Os CCQs espelham a estratégia e a filosofia de Ishikawa de uma ampla participação, de cima para baixo, envolvendo todos os empregados.

Os Círculos de Controle da Qualidade estão difundidos por todo o mundo, sendo utilizados em empresas de grande, médio e pequeno porte, com resultados muitas vezes surpreendentes.

Ishikawa firmou conceitos que influenciaram a qualidade no mundo todo. Um deles:

“O controle da qualidade começa com a educação e termina com a educação. Para promover o Controle da Qualidade com a participação de todos, a educação em controle da qualidade precisa ser dada a todos os empregados, do presidente aos operários na linha de montagem”

Armand Vallin Feigenbaum (1922/2014), americano, bacharel em engenharia pelo Union College em Schenectady, New York e mestrado e doutorado em engenharia econômica pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT) em Cambridge.

Feigenbaum foi um modelo de compromisso com a qualidade, por toda a sua longa vida de 94 anos. Trabalhou na General Electric (GE). Iniciando como ferramenteiro, aproveitou os benefícios educacionais excepcionais oferecidos pela empresa chegando a Diretor de Fabricação e Qualidade, cargo que ocupou por dez anos antes de fundar a sua própria empresa, a General System.

Não existe nenhuma metodologia ou ferramenta da qualidade que possa ser atribuída a Feigenbaum. Desenvolveu todo o seu trabalho com uma visão sistêmica, agregando a qualidade às demais funções dentro da empresa. É mais conhecido pelo seu livro clássico Total Quality Control (Controle Total da Qualidade) publicado pela primeira vez em 1961. Esse livro foi uma expansão de um artigo publicado na revista Harvard Business Review em 1951 quando ele introduziu o conceito do controle total da qualidade no mundo ocidental. Também em 1951 publicou seu livro sob o título Quality Control: principles, practice and administration (Controle de Qualidade: Princípios, Práticas e Administração).

Como empregado da GE trabalhou na reconstrução de suas operações na Europa após o término da segunda guerra mundial, contribuindo para o desenvolvimento da qualidade na Europa. Foi um dos criadores da European Organization for Quality (EOQ) e, também, um dos fundadores da International Academy for Quality (IAQ).

Foi também um membro pioneiro da American Society for Quality (ASQ) sendo a única pessoa que ocupou a presidência por duas vezes.

Como legado Feigenbaum definiu dois conceitos importantes: o da “Fábrica Oculta”, aquela que gera desperdícios e o conceito do “Custo da Qualidade”, focando os custos da sucata e o retrabalho que ocorre quando o trabalho não é realizado de maneira correta na primeira vez.

Philip Bayard Crosby (1926/2001), americano, engenheiro e empresário.

Engenheiro na Crosley Corporation em 1952, Gestor da Qualidade na Martin-Marietta em 1957 e vice-presidente da ITT em 1965 onde trabalhou durante 14 anos. Fundou a Philip Crosby Associates em 1979 e a Career IV Inc. em 1991.

Crosby contribuiu na teoria da gestão empresarial e nos métodos de gestão da qualidade. A ele são atribuídos os conceitos “zero defeito” e “fazer certo à primeira vez”.

Para Crosby qualidade significava conformidade com as especificações que variam conforme a necessidade do cliente.

Seu livro Quality is Free (Qualidade é Gratis), publicado em 1979, é um dos clássicos da qualidade que vendeu mais de 2,5 milhões de exemplares. Em 1996 lançou um novo livro intitulado “Quality is Still Free” (Qualidade ainda é Gratis).

 

A Qualidade no Brasil

A preocupação com a qualidade sempre esteve presente no Brasil. No início do século passado as siderúrgicas se empenhavam em oferecer produtos de qualidade aos seus clientes. Na década de 50 as montadoras de automóveis já procuravam atender aos anseios de seus clientes. E quando o então Presidente Fernando Collor de Melo declarou que os “nossos carros eram carroças”, as montadoras prontamente modernizaram seus produtos atingindo um nível de qualidade que nos coloca hoje no mesmo patamar dos demais fabricantes mundiais. A indústria farmacêutica sempre se dedicou à qualidade, hospitais e laboratórios e alguns prestadores de serviço se dedicaram à garantia da qualidade nos seus produtos e serviços.

Uma das primeiras ações do Governo Brasileiro para a questão da qualidade ocorreu em 1984 quando foi realizado o Programa de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (PADCT). A implantação desse programa esteve a cargo de quatro agências governamentais: A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior (CAPES), o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP) e a Secretaria de Tecnologia Industrial (STI).

A STI ficou responsável pelo Programa Tecnologia Industrial Básica (TIB) contemplando a Metrologia, a Normalização e a Qualidade Industrial. Nesse programa foram realizados estudos de política tecnológica industrial, informação tecnológica e a capacitação dos recursos humanos.

O Acadêmico ABQ Professor José Israel Vargas, mineiro de Paracatu, foi quem apresentou as primeiras preocupações mais sistêmicas com a Gestão da Qualidade. Segundo o Prof. Vargas, a Gestão da Qualidade tinha mais efeito na produção e na produtividade do que as tecnologias duras de produto e processo.  Ele era o Secretário da STI naquele momento e foi, também, Ministro da Ciência e Tecnologia no Governo Itamar Franco e no primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso.

No início da década de 80 o Acadêmico ABQ Professor Vicente Falconi Campos, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), fez uma visita à JUSE, já mencionada neste texto, no Japão. Nessa visita o Prof. Falconi conheceu experiências concretas e bem-sucedidas de implantação do modelo japonês TQC (de Total Quality Control). Esse modelo foi estruturado a partir dos trabalhos dos americanos W. Edward Deming e Joseph M. Juran no seu apoio ao programa de reconstrução da economia japonesa no Pós-Guerra. O Prof. Falconi observou, também, que os cursos de capacitação do TQC eram dirigidos à média gerência das empresas, o que foi considerado um fator crítico de sucesso do programa.

Após a visita do Prof. Falconi ao Japão, a STI redirecionou a capacitação dos recursos humanos para algo semelhante ao que estava ocorrendo no Japão, com bons resultados para a qualidade do produto, a produtividade e a competitividade das empresas japonesas.

Nasceu assim o Projeto de Especialização em Gestão da Qualidade (PEGQ) com a atuação de três entidades: A Fundação Cristiano Ottoni (FCO) da UFMG, a Fundação Carlos Alberto Vanzolini (FCAV) da Universidade de São Paulo (USP) e o Instituto Brasileiro da Qualidade Nuclear (IBQN). A FCO cuidou da implantação do TQC, a FCAV dos modelos americanos com base em gestão de processos e nas normas da International Organization for Standardization (ISO) e o IBQN trabalhou nos sistemas baseados nas normas adotadas no Programa Nuclear Brasileiro.

Além das ações de capacitação e consultoria às empresas, os projetos do PGQP contemplaram um estágio no exterior para conhecimento das experiências de capacitação e implantação de programas de Gestão da Qualidade. Ao todo foram realizadas 30 missões ao exterior (Japão, EUA e Europa).

O PEGQ trouxe bons resultados para a qualidade no Brasil. Foram realizados seminários de avaliações anuais e uma avaliação final realizada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) que demonstraram o acerto dessa estratégia de disseminação da Gestão da Qualidade.

Em 1986 o Ministério da Industria e Comércio lançou o Programa da Qualidade e Produtividade (ProQP) organizado em quatro subprogramas: Comunicação Social e Promoção; Articulação com o Setor Governamental; Articulação com o Setor Produtivo e Adequação da Infraestrutura em Qualidade.

Em 1990 foi concebido e iniciado o Programa Brasileiro da Qualidade e Produtividade (PBQP). Esse programa envolveu os ministérios da Economia, Fazenda, Planejamento, Justiça (que na época abrigava o INMETRO) e a Secretaria de Ciência e Tecnologia (SCT). Desde o início o PBQP esteve vinculado à Presidência da República, o que garantiu sua visibilidade e autoridade, e seu Secretário Executivo era o Ministro-Chefe da Casa Civil.

O PBQP foi estruturado com cinco Subprogramas Gerais: Conscientização e Motivação; Métodos de Gestão; Recursos Humanos; Serviços Tecnológicos e Articulação Institucional. Esses subprogramas articulavam-se com Subprogramas Setoriais voltados para os complexos industriais, para a administração pública, para os estados e para os demais setores da economia.

O PBQP produziu várias ações, contribuindo de forma significativa com a qualidade no Brasil. Essas ações estão sendo executadas por organizações voltadas diretamente para a questão da qualidade.

Em 1991 foi instituída em São Paulo a Fundação para o Prêmio Nacional da Qualidade (FPNQ) posteriormente renomeada para Fundação Nacional da Qualidade (FNQ). A FNQ promoveu durante vinte e cinco anos o Prêmio Nacional da Qualidade (PNQ), similar ao “Malcolm Baldrige National Quality Award” criado em 1987 nos Estados Unidos. O Objetivo desses prêmios era sensibilizar e motivar os empresários para a excelência na gestão, como preconizado no Modelo de Excelência da Gestão (MEG), referência utilizada no PNQ para a avaliação das candidatas.

Como decorrência do PBQP, em nível nacional, foram criados os Programas estaduais de Qualidade e Produtividade. Quase todos os Estados estabeleceram seus programas de qualidade e produtividade. Assim, foram constituídos o Programa Mineiro da Qualidade e Produtividade (PMQP), o Programa Gaúcho de Qualidade e Produtividade (PGQP) e outros, com o objetivo de estabelecer ações em seus respectivos estados para a difusão da qualidade.

Em Minas Gerais o PMQP, formalmente um programa do Governo de Minas, era gerenciado pelo Instituto Qualidade Minas (IQM), posteriormente renomeado Instituto Qualidade e produtividade (IQPM). O IQPM promovia ações para a melhoria da qualidade nas empresas por meio do MEG e durante dezesseis anos promoveu o Prêmio Mineiro da Qualidade (PMQ) incentivando os empresários para a melhoria da qualidade em suas empresas.

Os programas dos outros estados também administravam seus prêmios e ações para a melhoria da qualidade e da produtividade nas empresas, contribuindo de forma relevante para a qualidade no Brasil.

Em São Paulo, por sediar a FNQ, não foi estabelecido um programa estadual de qualidade, como nos outros estados. A difusão da qualidade e da produtividade em São Paulo vem sendo conduzida, além da FNQ que atua em nível nacional, também pelo Instituto Paulista de Excelência na Gestão (IPEG). O instituto administra o Prêmio Paulista de Excelência na Gestão (PPEG) e outras ações de promoção da qualidade.

A União Brasileira para a Qualidade (UBQ) promove e difunde conceitos e práticas da qualidade desde 1982. Está presente em Minas Gerais, no Espírito Santo e no Rio de Janeiro. Congregando cidadãos e empresas de diversos segmentos realiza atividades para o desenvolvimento das pessoas, das empresas e da sociedade em geral. Promove grupos de estudos sobre diversos temas, realiza cursos e eventos, como o Grande Encontro da UBQ Minas, onde as empresas e as pessoas têm a oportunidade de mostrar os resultados obtidos nos grupos de CCQ, de melhoria contínua e na metodologia Lean (Pensamento Enxuto). O trabalho realizado pela UBQ contribuiu e continua contribuindo para a difusão da qualidade no Brasil.

A Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) responde pela padronização no Brasil desde 1940, quando foi criada. É o foro nacional de normalização. Entidade privada e sem fins lucrativos, é responsável pela elaboração das Normas Brasileiras (ABNT NBR). A produção dessas normas é feita nos Comitês Brasileiros (ABNT CB), nos Organismos de Normalização Setorial (ABNT ONS) e nas Comissões de Estudos Especiais (ABNT CEE). O Comitê ABNT CB25 é o responsável pelas normas da qualidade.

A ABNT é membro fundador da International Organization for Standardization (Organização Internacional de Normalização – ISO). Participou também na fundação da Comisión Panamericana de Normas Técnicas (Comissão Pan-Americana de Normas Técnicas – Copant) e da Asociación Mercosur de Normalización (Associação Mercosul de Normalização – AMN). É membro da International Electrotechnical Commission (Comissão Eletrotécnica Internacional – IEC). A normalização é um componente fundamental no estabelecimento da qualidade.

A International Organization for standardization (Organização Internacional de Normalização – ISO) desenvolve e publica padrões ou normas internacionais. É representada no Brasil pela ABNT, responsável pela tradução e publicação das normas ISO no Brasil.

A ISO criou em 1987 a série ISO 9001 – Quality Management Systems (Sistemas de Gestão da Qualidade) que é utilizado por empresas em todo o mundo. Esse sistema de gestão foi um dos fatores que contribuiu significativamente para a melhoria da qualidade em muitas empresas brasileiras. Também da ISO vem a norma ISO 14001, Environmental Management Systems (Sistemas de Gestão Ambiental) também utilizado em muitas empresas brasileiras.

O Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (INMETRO) foi criado em 1973. É uma autarquia federal e atua como Secretaria Executiva do Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Conmetro) que é o órgão normativo do Sistema Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Sinmetro).

O Instituto trabalha para fortalecer as empresas nacionais na busca de produtividade por meio de mecanismos destinados à melhoria da qualidade de produtos e serviços, cumprindo sua missão que é “a medida certa para promover confiança à sociedade e competitividade ao setor produtivo”.

Dentre suas muitas competências e atribuições destacam-se as seguintes em relação à qualidade: promover a utilização das técnicas de gestão da qualidade nas empresas brasileiras e planejar e executar as atividades de acreditação (credenciamento) dos organismos de certificação, incluindo a acreditação de empresas para auditoria e certificação nas normas da qualidade da ABNT.

A Academia Brasileira da Qualidade (ABQ) iniciou suas atividades em 2010. É uma organização não governamental e sem fins lucrativos tendo como membros participantes pessoas experientes e de reconhecida competência profissional adquirida ao longo dos anos – nas universidades, nas empresas e em outras organizações privadas ou públicas – em atividades relacionadas à engenharia da qualidade, à gestão da qualidade e à excelência na gestão.  A ABQ preserva o conhecimento dessas pessoas e procura utilizar esse conhecimento em projetos que contribuam para a melhoria e a excelência da gestão nas empresas brasileiras, públicas, privadas ou de qualquer outra natureza. Dessa maneira cumpre sua Missão “contribuir para o desenvolvimento do conhecimento em engenharia da qualidade, em gestão da qualidade e da inovação e em excelência da gestão, para benefício das organizações e da sociedade brasileira”.

 

A situação atual

Apesar de algumas perdas, como a extinção do PBQP, o enfraquecimento dos programas estaduais e setoriais da qualidade e produtividade e o encerramento de muitos prêmios da qualidade, a posição do Brasil em relação à qualidade é boa. Nossas empresas disponibilizam produtos e serviços que satisfazem as necessidades dos compradores e nos colocam, no aspecto qualidade, no mesmo nível dos concorrentes internacionais.

A agricultura, liderada pela Empresa Brasileira de Agropecuária (EMBRAPA), colocou o Brasil no mesmo nível dos principais produtores mundiais.

Além das entidades citadas neste texto, existem milhares de outras empresas que contribuíram e continuam contribuindo para a qualidade no Brasil, principalmente as instituições que trabalham para o aperfeiçoamento da gestão empresarial. Cabe citar as empresas do Sistema S, tanto na área da indústria como na área do comércio e na prestação de serviço. A Fundação Getúlio Vargas (FGV), as universidades e as fundações associadas a elas, as associações comerciais e empresariais e as empresas de consultoria, cursos e treinamentos que orientam e preparam as nossas empresas buscando uma adequada gestão empresarial e obtendo como resultado a qualidade dos produtos e serviços disponibilizados, a produtividade e a competitividade dessas empresas.

Neste momento podemos tirar o foco da qualidade e concentrar nossos esforços na melhoria da produtividade e da competitividade das nossas empresas. Os resultados dos indicadores desses dois fatores mostram que o Brasil não ocupa uma posição adequada.

Precisamos nos convencer da importância de se olhar a gestão empresarial de forma sistêmica, ou como um todo, sem particularizar setores da gestão que apresentam problemas.

Para isso precisamos trabalhar com objetividade os processos das nossas empresas. Segundo a ISO, o processo transforma uma entrada numa saída agregando valor nessa saída. Numa visão mais técnica, o processo é um conjunto de atividades que executadas numa determinada sequência produzem um resultado esperado, necessário ou desejado. Tudo o que fazemos nas nossas empresas segue um processo e tem por objetivo a obtenção de um resultado que, normalmente, é uma meta fixada.

As empresas precisam atender os seus clientes, uma das suas partes interessadas. Mas o cliente não é a única parte interessada. O dono da empresa, ou seus acionistas, os funcionários, os fornecedores e a sociedade, são também partes interessadas, cada uma com suas necessidades e expectativas em relação à empresa.  Dentro de uma visão sistêmica, todas essas partes interessadas precisam ser satisfeitas nas suas necessidades e expectativas, não somente os clientes da empresa.

Como conseguir esse atendimento a todas as partes interessadas? Por meio de uma gestão da empresa com visão sistêmica, trabalhando os processos que, com resultados corretos, vão assegurar a satisfação das partes interessadas.

Existem processos para cada uma das partes interessadas. O correto estabelecimento desses processos na empresa vai garantir, além da satisfação das partes interessadas, a produtividade dos processos e da empresa.

Alinhando a qualidade dos produtos e serviços com a produtividade adequada dos processos a empresa assegura sua competividade no seu mercado de atuação. E com qualidade, produtividade e competitividade adequadas, a empresa garante a sua sustentabilidade. É o que as nossas empresas demandam neste momento.

Portanto, precisamos trabalhar a gestão nas nossas empresas com uma visão sistêmica, global, holística, com foco nas suas partes interessadas e nos seus processos. Podemos resolver um problema específico ou melhorar um dado processo? Podemos e devemos, mas sem perder a visão do todo, dos outros muitos processos da empresa.

 

 

Caio Márcio Becker Soares

Academia Brasileira da Qualidade

Conselho Consultivo da UBQ

Conselho Empresarial de Produtividade da ACMinas

Este artigo expressa a opinião dos Autores e não de suas organizações.

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