A qualidade dos aviões brasileiros

RENE RAUSCHENBERGER / Pixabay

Ozires Silva e Claudius D’Artagnan C. Barros

 

O entendimento de que a qualidade era importante parece ter suas raízes na Europa, possivelmente a partir do Século XXXIII. O processo de avanço dos conceitos de qualidade na produção e nos serviços, embora sempre percebidos pelo consumidor, não chegou rapida e facilmente aos modelos atuais, sob os quais encontram-se estudos e pesquisas seguramente amplos que surgiram até os meados dos anos 1900.

Passando por várias mudanças o sistema fabril, com sua ênfase na inspeção do produto, começou na Grã-Bretanha em meados da década de 1750 e cresceu na Revolução Industrial no início de 1800. No início do Século 20, definitivamente os fabricantes passaram a incluir os processos de qualidade nas práticas de produção.

A Segunda Guerra Mundial foi um divisor de águas. Uma guerra, ocorrendo fora do território dos Estados Unidos, mostrou claramente às autoridades americansas que o armamento produzido, e enviado para os campos de batalha, não poderiam falhar. Surgiram então as iniciativas das forças armadas para pressionar as empresas produtoras de forma a conseguir que fosse entendido que tudo o que estava sendo requerido, como qualidade e confiabilidade dos produtos, fazia parte do esforço de guerra.

As forças armadas inicialmente passaram a inspecionar praticamente todas as unidades dos produtos e, para simplificar e acelerar este processo, sem comprometer a segurança, os militares desenvolveram normas de qualificação de fornecedores e aplicação de técnicas de amostragem para inspeção (conhecidas como Military Standards) auxiliados pela publicação de especificações militares e de normas padronizadas, ao mesmo tempo que submetiam seu pessoal a cursos de formação e treinamento.

O nascimento do Controle Total da Qualidade nos Estados Unidos, conceito concebido por Armand V. Feigenbaum em seu best seller “Total Quality Control” publicado no início dos anos 50, veio como uma resposta direta à revolução da qualidade no Japão após a Segunda Guerra Mundial. O norte-americano W. Edwards Deming e o o romeno naturalizado americano Joseph Moses Juran consubstanciaram a essência do conceito e dos princípios da Gestão da Qualidade e no lugar de se concentrar na inspeção, pós-fabricação (então chamada Controle de Qualidade) passaram a propor que cada processo do sistema produtivo deveria melhorar continuamente, cuidando para que especificações precisas fossem aplicadas.

Na década de 1970, os setores industriais dos Estados Unidos, como automóveis e eletroeletrônicos já estavam sendo superados pela concorrência japonesa de alta qualidade, irônicamente fomentada pelos compatriotas Deming & Juran. A resposta dos EUA, enfatizando não apenas estatísticas, mas o processo de gestão foi na direção de uma abordagem que envolvia toda a organização produtiva, com ações que evoluiram e se consagraram como Gestão da Qualidade Total (TQM).

Em 1950, o Ministério da Aeronáutica do Brasil tomou a iniciativa de criar o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), com o propósito de formar no país os engenheiros aeronáuticos, até então graduados na Europa e nos Estados Unidos. Uma equipe liderada, pelo então coronel Casimiro Montenegro Filho, insistia que somente teríamos uma indústria aeronáutica mundialmente competitiva, e que pudesse servir aos interesses nacionais, quando se formasse engenheiros e técnicos no Brasil.

A iniciativa da criação do ITA funcionou e várias empresas de produção de material aeronáutico surgiram mas, em que pese o apoio oficial, não conseguiram ganhar as dimensões buscadas. Entre aquelas iniciativas foi importante a decisão do Centro Tecnológico de Aeronáutica (CTA) de criar uma equipe para o projeto e o desenvolvimento de um avião, de menor capacidade do que os crescentemente maiores jatos comerciais então nas linhas de produção mundial, lançando as primeiras sementes do atual Sistema de Transporte Aéreo Regional.

O trabalho encetado pelo CTA, em 1965, trouxe a tona o desafio de produzir com qualidade os produtos que se iniciaram nas antigas pranchetas de desenho e de projeto. Uma equipe específica para cuidar da qualidade dos produtos foi criada. E, importante, já se dava os primeiros passos para oTQM, embora o uso do termo TQM tenham se desvanecido um pouco, particularmente nos Estados Unidos, ganhando sofisticação e aperfeiçamento dos métodos para cuidar da qualidade de bens e serviços.

Nos poucos anos desde a virada para o Século XXI o movimento da qualidade amadureceu além da Qualidade Total. Novos sistemas de qualidade evoluíram a partir das bases dos renomados cientistas da Qualidade, como: Deming, Juran, Crosby, Ishikawa e ultrapassou a fabricação de produtos, avançando sobre serviços, saúde, educação, setores do governo e mesmo o gerenciamento das grandes empresas multinacionais.

No caso do Brasil, o sucesso da Embraer no mercado internacional, com seus aviões voando nos cinco continentes, em mais de 90 países, é um testemunho claro do gigantesco salto, desde as pequenas iniciativas da década nos anos 60, até os dias atuais. Nossos aviões voam no mercado comercial mundial, possivelmente, a mais competitiva entre as atividades empresariais, envolvendo segurança e confiabilidade, entre todas as que hoje são praticadas. Tal esforço competitivo que redundou em posição de destaque da Embraer no mercado mundial de aviação comercial não se deu ao acaso.

Investimentos em novas tecnologias de fabricação, treinamento de equipes de alta performance e a adoção de modernos Sistemas de Gerenciamento, mormente os inerentes à Qualidade como o SIGMASQ (Sistema de Gestão Integrada) e o P3E (Programa de Excelência Empresarial Embraer), possiblitaram a empresa o desenvolvimento de um modelo de gestão reconhecidamente de classe mundial. Sem dúvida, um orgulho ímpar para todos nós brasileiros.

Porém, cabe ressaltar que o diferencial competitivo da Embraer não deve ser outorgado exclusivamente a adoção de modernos e eficazes metodos sistêmicos, sejam eles voltados a manufatura, qualidade ou gerenciamento. Neste aspecto sabemos que a maioria de seus concorrentes, também investem esforços semelhantes . O diferencial da Embraer, neste caso, tem destaque na potencialidade, no entusiasmo e no talento criativo de seus colaboradores, unidos pelo espirito construtivista e movidos pela paixão por essas máquinas que fascinam e desafiam os céus.

 

 

Ozires Silva é presidente do Conselho de Administração do Grupo Ânima de Educação e Cultura, do WTC – SP, da Pele Nova Biotecnologia e reitor do Centro Universitário Universidade Monte Serrat, além de membro da Academia Brasileira da Qualidade (ABQ) – ozires@uol.com.br; e 

Claudius D’Artagnan C. Barros é empresário, membro da Academia Brasileira da Qualidade (ABQ), consultor de empresas e pós graduado em Gestão Empresarial e Administração de Recursos Humanos – diretoria@qualidadepropar.com

Este artigo expressa a opinião dos Autores e não de suas organizações.

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