sexta-feira, março 29, 2024

Santiago de Compostela e gestão

Andre_Grunden / pixabay

Jairo Martins

No auge dos meus 65 anos, lancei-me a um desafio. Digo auge, pois na idade em que me encontro, não me classifico como um senhor da terceira idade, assim como ditam as estatísticas. Uso as sábias palavras de uma experiente jornalista, de que hoje me considero um talento maduro, com ricas experiências a serem transmitidas.

E com essa maturidade, decidi realizar o caminho de Santigo de Compostela, na Espanha. Incorporei todo o conhecimento profissional na área de gestão e o apliquei neste momento particular. Aqui, compartilho os aprendizados durante a jornada.

O desafio era percorrer, em 30 dias, exatos 827 quilômetros, partindo de Saint Jean Pied de Port, na França, e chegar ao meu destino final, na Catedral de Santiago de Compostela, na Espanha. Para os que não sabem, o caminho é feito por peregrinos do mundo inteiro e, nos últimos anos, voltou a ser procurado por executivos que buscam autoconhecimento, autorrealização, momentos de reflexão ou apenas aliviar-se da pressão do dia a dia.

Para todo objetivo é necessário planejamento. E posso afirmar que apliquei integralmente o conceito de aprendizado organizacional chamado de ciclo PDCL – planejar (plan), fazer (do), checar/corrigir (check) e aprender (learn) em minha viagem. Decidimos pelo caminho, eu e mais dois velhos amigos, e o planejamento teve início um ano antes. Conhecemos o “mercado”, buscando informações em diversos lugares; aplicamos uma pesquisa, falando com pessoas que já haviam feito o caminho e tomamos nota de valiosas dicas sobre o que levar na mochila, o mapa das cidades, os pontos turísticos e a altimetria que iríamos enfrentar.

Os preparativos são essenciais para o sucesso de qualquer atividade. Além de todo o planejamento, preparei também o meu corpo com treinos de longas distâncias. Afinal, andar 28 km/dia, em média de 8h, não foi uma tarefa fácil.

Foi necessário pensar, ainda, na bagagem, pois a mochila precisa ter até 10% do peso de seu corpo. Você sente isso nos primeiros dias de caminhada. Então, se desapegue das coisas que você não precisa, pois é necessário fazer o certo e mais com menos – os conceitos de eficiência e eficácia.

As etapas de fazer, checar e corrigir estiveram presentes durante toda a viagem. Pedir informações, cuidar da reserva de água e comida, descansar o corpo e prepará-lo para o dia seguinte. Em meu ritual matinal, também tinha uma conversa franca com meus pés. Eu os tratei muito bem, o que resultou em “zero” bolhas e nenhuma contusão. Digo isso, pois muitos peregrinos que encontrávamos, na pressa e ânsia de fazer as coisas rápido, ganharam várias bolhas e dores que carregaram durante o caminho. Mais uma constatação: a pressa continua sendo inimiga da perfeição.

E a cada passo, a cada amizade que fizemos e momentos pelos quais passamos, ficaram muitos aprendizados. Entre eles, observar as pessoas e os seus contextos. A Espanha ainda não saiu da crise e o empreendedorismo foi uma das alternativas para driblar o desemprego.

Observei a produtividade nos albergues. Em um deles, o casal que era dono do estabelecimento trabalhava sozinho, sem a ajuda de funcionários. Cuidavam de tudo, faziam as camas e a limpeza e acordavam antes dos hóspedes, às 5h, para fazer o café da manhã. Conversei com o rapaz e ele disse que havia feito uma capacitação para receber os peregrinos, além de ter feito o “camino”, como dizem, para poder orientar os seus hóspedes.

Outros empreendimentos tinham a mesma estrutura enxuta. Refleti o quanto os brasileiros têm sofrido em relação à crise, buscando reduzir custos e criar novas oportunidades. A crise faz você rever seus processos e a Espanha aprendeu com isso.

Outro grande aprendizado adquirido: respeite o seu limite e tenha paciência. Mesmo ao lado de amigos, você fica boa parte do tempo sozinho. O ritmo é diferente para cada um e dessa forma você pode aceitar o seu tempo, refletir sobre as coisas certas e erradas que fez durante o caminho, e principalmente durante a sua vida. A paciência é a virtude de suportar situações desagradáveis e tolerar o outro. Mesmo em uma grande amizade ou nas relações interpessoais é necessário exercitar isso.

Nesses mais de um milhão de passos dados, reencontrei pelo caminho um jovem coreano estudante de teologia, que me deu um grande abraço, após quase uma semana sem nos vermos, acompanhei, em um trecho, duas jovens cariocas, uma delas com faixas no joelho e me chamaram de anjo da guarda, passei uma noite em um convento, ouvindo belas palavras de uma freira dizendo que cuidar dos peregrinos era sua missão.

E após tudo isso, enfim cheguei ao meu destino. Peguei meu certificado junto com meus velhos amigos, hoje muito mais do que simples amigos. Estive aberto para o aprendizado e concluí com sucesso o meu trajeto.

Vi pessoas que desistiram por ter sofrido alguma lesão, por não aguentar a dor ou o cansaço. Veio-me uma frase cantada pelo Paulinho da Viola, que diz: “As coisas estão no mundo, só que é preciso aprender”. Tenho certeza que o planejamento, a paciência e o aprender com o erro foram essenciais para eu cumprir a meta. Agora, preciso de outra, para desenvolver novos talentos na idade madura. “Buen camino!”

 

Jairo Martins é presidente executivo da Fundação Nacional da Qualidade (FNQ) e membro da Academia Brasileira da Qualidade (ABQ).

Este artigo expressa a opinião dos Autores e não de suas organizações.

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