Dois retratos

Ozires Silva ABQ_

Acadêmico Pedro Luiz de Oliveira Costa Neto

 

O mês era abril de 1997. Eu chegava a Washington na segunda-feira bem cedo, após o voo noturno de São Paulo com troca de aeronave em Miami. O objetivo da viagem eram duas semanas de treinamento em qualidade no NIST – National Institute of Science and Technology, principal organismo regulador da matéria nos Estados Unidos e, certamente, um dos mais prestigiosos do mundo. Uma cidade nos arredores da capital.

Ficara sabendo que, naquela mesma noite, meu caro amigo e colega de turma Ozires Silva – formamo-nos engenheiros juntos em 1962 no ITA – Instituto Tecnológico de Aeronáutica, em São José dos Campos embora ele fosse oito anos mais velho, pois se tornara aluno como capitão daquela arma – seria homenageado com a suprema honra de ter seu retrato inaugurado no Hall of Fame do Museu de Aeronáutica e Espaço do venerando Smithsonian Institute, situado no coração da capital americana.

Essa distinção certamente era devido a ter sido o Ozires o grande líder, idealista e empreendedor que, chefiando uma equipe de entusiastas, em sua maioria colegas do próprio ITA, arquitetaram a construção da Embraer –Empresa Brasileira de Aeronáutica, da qual Ozires foi o primeiro presidente, visando a construção no Brasil de aviões comerciais e militares. Um sonho de loucos, muitos devem ter dito à época, mas o fato éque a almejada empresa tornou-se uma realidade em 1969 e iniciou suas atividades produzindo o Bandeirantes, uma aeronave de médio porte para atender um nicho de mercado identificado na aviação regional. Daí, de sucesso em sucesso, a empresa chegou ao que é hoje: uma das quatro maiores do seu ramo no mundo ocidental, competindo no mercado aeronáutico em inúmeros países com jatos comerciais para até 120 passageiros.

Tudo isso teve um admirável precedente na pessoa do Brigadeiro Casimiro Montenegro Filho, responsável pela criação do Centro Técnico de Aeronáutica e do ITA, sem o que jamais existiria a Embraer e o paradoxo de um país que tem uma bela fábrica de aviões, mas não foi capaz de ter ou conservar nenhuma indústria automotiva própria. Uma vergonha.

Voltemos, entretanto, à cerimônia na qual a Meca da lembrança aeronáutica reconheceu o grande empreendedor responsável por essa historia extraordinária. Eu tinha comigo o convite, mas toda uma logística se fazia necessária. O traje era a rigor e eu deveria quanto antes, me apresentar para o dia de trabalho no NIST. Assim, a Claudia, esposa do nosso querido companheiro de turma Mario Rosenthal, que por ali residia na condição de consultor do BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento me apanhou no aeroporto e fomos de imediato procurar um smoking em alguma casa do ramo. Na terceira que entramos havia um traje que necessitava apenas mínimos ajustes para servir bem em mim. Contratei o aluguel da vestimenta por um dia, não sem antes precisar responder à pergunta do funcionário “O senhor quer com merbund?” Passado o susto e após algumas explicações, descobrimos que o termo designava uma faixa preta para enrolar na barriga, pela bagatela de 20 dólares, que foi prontamente recusada. Iria de barriga branca mesmo.

A cerimônia aconteceu à noite, na surpreendentemente gelada Washington a zero graus Celsius em abril. O Ozires e sua esposa Terezinha tinham viajado com o casal Rolim Adolfo Amaro, copilotando o jatinho deste. Lá estavam também os colegas do ITA Yasufico Saito e Mario Rosenthal, além do Prof. Dr. Francisco Romeu Landi, meu amigo e diretor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Além dos discursos de praxe e da inauguração do retrato, houve um magnífico jantar no qual me coube um lugar à mesa ao lado do simpático casal Shigeaki Ueki. Este exerceu cargos de Diretor Comercial e Financeiro da Petrobrás no governo Médici, Ministro das Minas e Energia no governo Geisel e Presidente da Petrobrás no governo Figueiredo, todos durante a ditadura militar. Foi ao que se dizia, um antecessor das práticas ocorridas em muito maior escala na grande empresa brasileira nesta era do lulo-petismo. Seja como for, ficou meu amigo e tive mais duas oportunidades posteriores de encontrar amistosamente esse senhor.

Para não me alongar, termino este relato renovando meus cumprimentos ao exemplar homenageado do dia, o segundo brasileiro a ter seu retrato colocado naquela ilustre galeria da fama. O primeiro foi Alberto Santos-Dumont.

Este artigo expressa a opinião dos Autores e não de suas organizações.

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