Recuperação do Brasil Pós COVID-19
Acadêmico José Joaquim do Amaral Ferreira é Engenheiro Mecânico em 1972 e Mestre em Engenharia de Produção em 1974, ambos pela Escola Politécnica da USP. Master of Science in Industrial Engineering Stanford University em 1976, Doutor em Engenharia de Produção pela Escola Politécnica da USP, em 1983. Professor do Departamento de Engenharia de Produção da Escola Politécnica da USP desde 1973. Orientador de dissertações de Mestrado, teses de Doutoramento e Pós Doutorado. Lead Assessor para Sistemas de Gestão e Diretor de Certificação da Fundação Vanzolini. Foi Vice-Presidente da IQNet – The International Certificatrion Network.
Acompanhe a entrevista realizada no início de julho, à distância, onde Joaquim aborda aspectos de auditoria remota, já em uso, para fazer frente às mudanças pela Covid-19.
Como você percebe os impactos e consequências da COVID-19?
A pandemia impactou diversos sistemas da sociedade de formas distintas. O Sistema econômico sofreu muito no setor de serviços, onde a presença física e o contato pessoa a pessoa são importantes. A indústria, de forma geral, teve que lidar com adaptações de seu ambiente produtivo para controlar o contágio, o que de certa forma conseguiu, mas com grandes perdas de produção por conta da demanda final que se retraiu enormemente. Como a pandemia se manifestou mais nos grandes centros urbanos a agricultura prosseguiu na sua trajetória, principalmente a mecanizada que depende menos de mão de obra. O setor de saúde não estava preparado e aparelhado para enfrentar a sobrecarga que recebeu, mas conseguiu fazer seu trabalho apesar de alguns pontos que deixaram a desejar. Quem ganhou foram atividades que aproveitaram rapidamente as oportunidades que surgiram na economia, como a de insumos hospitalares cuja demanda explodiu e logística inclusive na entrega urbana. Isso se refletiu em toda a cadeia produtiva, a exemplo das vendas de motocicletas e acessórios para motociclistas.
Na área de avaliação da conformidade passamos a praticar as auditorias e avaliações remotas o que foi uma mudança de paradigma no setor. Os resultados têm sido bons na avaliação de sistemas de gestão com muita economia de tempo e recursos em geral. Apesar dos bons resultados obtidos até agora não se pode usar de forma indiscriminada a auditoria remota, que é feita usando ferramentas de videoconferência. Apesar das vantagens, a evidência objetiva que é coletada no chão de fábrica dificilmente pode ser feita remotamente. É bastante eficiente na entrevista de pessoas e avaliação de documentos e a visita ao local pode ser feita com o auxílio de uma pessoa da empresa que está sendo avaliada portando uma câmara e circulando pelas dependências. Mas o portador da câmara tem o poder de direcionar de alguma forma o que será visto pelo auditor. Por isso as auditorias iniciais de certificação não podem ser realizadas dessa forma. Nas auditorias de supervisão o tempo de avaliação é dividido em duas partes. Uma parte remota e outra parte presencial podendo ir desde 100% remota a 100% presencial. A definição dessas percentagens depende de uma análise técnica que envolve a avaliação de risco da atividade desenvolvida pela empresa auditada. A tendência é que esse sistema híbrido vá continuar após a pandemia.
O que fazer no curto prazo, afora as medidas já tomadas, para atenuar o impacto econômico, empresarial e social?
É um fato que as estratégias para vencer a pandemia focadas no isolamento social, lockdown e outras modalidades têm vida curta. Se a sociedade não perceber um avanço significativo na solução da pandemia num determinado prazo, começará a praticar a desobediência civil. Não haverá mais respeito às diretrizes das autoridades. Por outro lado o vírus não desaparecerá por um passe de mágica.
Então a convivência do ambiente pandêmico com uma economia em funcionamento precisará de estratégias adequadas para não entrar em colapso.
Necessidades imediatas começam com a melhoria de gestão do sistema de saúde pública adotando-se o conceito de cadeia de suprimentos e de planejamento agregado (ERP); introdução maciça de cursos a distância para qualificação profissional dos desempregados aproveitando essa parada no sistema econômico para que na retomada já tenhamos um capital humano adequado para as necessidades que virão.
Ainda uma ação do Estado, não simplesmente dando um auxílio emergencial, mas criando frentes de trabalho dentro de condições sanitárias adequadas que possam dar dignidade aos que o recebem.
A criação de mecanismos de avaliação da conformidade para termos Ambiente Seguro e Saudável nas empresas de forma a possibilitar a retomada segura para essa e outras pandemias que aparecerem. A Fundação Vanzolini adotou como metodologia para elaborar esse mecanismo de avaliação a reunião com especialistas em gestão hospitalar, médicos epidemiologistas, arquitetos, engenheiros civis e mecânicos. Foi então criado um referencial, A2S, que serve como documento normativo usado para essa avaliação de conformidade. São três eixos principais contemplados nesse referencial. O eixo Pessoas onde a condição de saúde de cada indivíduo, seja colaborador, fornecedor ou cliente é avaliada de diversas formas. O eixo Processos onde as atividades para a preservação do Ambiente Seguro e Saudável são definidas, colocadas em procedimentos e geridas dentro de um ciclo PDCA inclusive com responsável perante a administração pelo A2S. O eixo Instalações que trata do local onde funciona a empresa ou entidade sendo avaliada, o qual deve estar de acordo com os requisitos do referencial. Neste caso explica-se a presença de engenheiros e arquitetos na elaboração do referencial, para que os requisitos atendam às boas práticas de utilização e manutenção do espaço e equipamentos.
A empresa é avaliada numa auditoria presencial e em sendo aprovada recebe um certificado de conformidade com validade de um ano que pode ser retirado a qualquer momento se detectados desvios em relação ao que prescreve o documento normativo. O eixo Pessoas é desenvolvido em conjunto com um renomado laboratório de Analises Clinicas.
Como a qualidade e a gestão podem ajudar para saída da crise?
A busca pela Qualidade no sentido mais amplo engloba a gestão que é uma das ferramentas para atingi-la.
A visão sistêmica onde temos a sociedade organizada como um conjunto de partes interdependentes para atingir um objetivo comum é a maneira adequada de olharmos para a situação de pandemia em que vivemos.
Não adianta criarmos hospitais de campanha sem termos uma gestão das necessidades de internação. Esses equipamentos vão ficar ociosos e serão desativados. Um dos paradigmas da Qualidade que é a capacitação da mão de obra não pode ser esquecido. De outra forma teremos leitos de UTI equipados sem pessoal habilitado a operar os equipamentos.
A manutenção, reposição de equipamentos e fornecimento de insumos (p.ex. anestésicos) para o funcionamento adequado dos leitos de UTI não pode ser esquecida. Toda a logística por trás disso também tem de ser tratada adequadamente. Esse exemplo foi apenas para lembrar que não se pode tratar isoladamente um componente do sistema. E não adianta nada termos todos os recursos necessários disponíveis se não forem utilizados com Qualidade nos conceitos de eficácia e eficiência.
A Qualidade sempre trabalhou com a lógica de processos definidos e controlados sabendo que a qualidade se faz durante a execução das operações e não no controle de qualidade final. Que a ação preventiva deve sempre ser priorizada em vez das ações corretivas. A importância do treinamento, motivação e disciplina no cumprimento das tarefas sempre foi trabalhada e enfatizada nos programas da Qualidade. Essa mesma abordagem deve ser empregada para conscientizar a população no cumprimento das regras estabelecidas pelas autoridades para o combate à pandemia. Não adianta nada fazer a triagem de pacientes que chegam ao hospital com testes de última geração e ter de interna-los para tratamento o que equivale a um controle de qualidade final e tomada de ação corretiva em vez de tomar ações preventivas para evitar que fiquem doentes e necessitem de cuidados hospitalares. Nesse aspecto as vacinas são também ações preventivas que poderão minimizar a necessidade de ações corretivas para tratar de pessoas doentes.
Sempre dizemos que o Brasil é o país do futuro: Isso pode acontecer algum dia? Quando? Como será possível?
O Brasil é o país do futuro dentro do conceito de disponibilidade de recursos. Não há país no mundo que disponha de tantos recursos naturais abundantes e disponíveis como o nosso país. O problema é que sempre vivemos numa crise de gestão. A corrupção endêmica e o descaso com a educação atrasam muito essa trajetória na direção do futuro que poderemos alcançar um dia. Mas os recursos naturais são finitos. Se forem dilapidados estaremos jogando fora esse tesouro que nos foi entregue. Poluindo o ar e as águas, destruindo as florestas e mantendo o povo na ignorância não estaremos no caminho adequado.
Temos de investir em educação e na valorização da ciência e do conhecimento. Focar na Qualidade no sentido mais amplo que engloba Qualidade de Produtos, Processos, Sistemas, Ambiente, Saúde, Responsabilidade Social e Qualidade de Vida.
É perfeitamente possível chegar lá, mas é uma mudança que levará gerações para acontecer se começarmos já a educar nossas crianças para isso.
Que conselhos você daria a um jovem que está trabalhando e passa a viver esta situação de crise?
Procurar sempre se manter atualizado buscando aumentar seus conhecimentos, pois a as mudanças estão muito aceleradas nesta fase de pandemia. Ficar atento às novas oportunidades que estão surgindo nos negócios on line, educação e interação social à distância. Não desanimar com um eventual desemprego. Pode ser a chance de iniciar uma nova atividade de sucesso bastando ser criativo e ter iniciativa.