quinta-feira, abril 25, 2024

Entrevista do acadêmico Eduardo Vieira da Costa Guaragna

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Recuperação do Brasil Pós COVID-19

Eduardo Vieira da Costa Guaragna é Engenheiro Mecânico e Mestre em Administração pela UFRGS. ASQ Senior, CQE, CMQ-OE, CRE, CQA. Qualidade Total no Japão/JICA (1991), HEC Management em Paris (2003), GRS – Gestão Responsável para Sustentabilidade, FDC (2007), Desenvolvimento de Lideranças (2006). Juiz do PNQ (2004-2012) e do PGQP (Qualidade e Inovação). Presidente do Conselho das Partes Interessadas do MBC (2001-2007), Diretor do PGQP (2002-2019). Atuação profissional na Petrobras, Copesul e Braskem. Consultor em estratégia e gestão. Professor de MBA. Autor do livro Desmistificando o Aprendizado Organizacional, Qualitymark, 2007. Atual Presidente da Academia Brasileira da Qualidade (2019-2020).

Acompanhe a sua entrevista realizada no inicio de agosto, à distância.

Como você percebe os impactos e consequências da Covid-19?

Os impactos são tremendos e a cada dia nós os percebemos mais. Difícil comparar com outros eventos desta natureza, mas por si só, em termos absolutos, é uma grande catástrofe. Felizmente a humanidade tem inteligência, conhecimento e tecnologia para sair desta crise.

Assim, como consequência, passamos a viver uma mudança imposta pelo vírus que pode ser mais bem compreendida se analisarmos as sete fases de um processo típico de mudança.

Fase 1: Ansiedade: quando fomos notificados do coronavírus, pouco sabíamos do que se tratava, gerando inicialmente uma grande ansiedade;

Fase 2: Negação: Naturalmente em muitos locais e países houve uma negação e, até mesmo, uma subestimada “gripezinha”;

Fase 3: Medo: Quando do aprofundamento do problema e maior o nível de informação e conhecimento, apontando para graves consequências à vida, economia e a sociedade em geral, o medo apareceu;

Fase 4: Raiva: A percepção de que havia uma ameaça se tornou clara e surge a raiva e manifestações sobre àqueles que poderiam ser possíveis responsáveis pelo vírus e a situação criada;

Fase 5: Depressão: Passou a afetar as pessoas pelas indefinições de futuro, privações de hábitos, limitações impostas, elevados riscos a saúde, a vida e ao trabalho e renda. As fases anteriores não podem predominar, pois, caso contrário, levarão ao caos.

Fase 6: Aceitação gradual: A medida que o nível de informação e consciência sobre este impacto passam a ser mais bem compreendidos e se vislumbra ações de prevenção, cuidados e fica mais claro a expectativa de vacinas, a sociedade passa a aceitar o novo normal.

Fase 7: Seguir em frente: O enfrentamento é assumido para sair da crise e restaurar a normalidade, mesmo sem saber como o futuro, de fato, será. Podemos aqui citar Churchill: “Se você entrar no inferno não pare. Atravesse!”.

Em que fase estamos hoje, passados mais de 5 meses?

 Acredito que transitando pelas últimas, mas com recaídas nas iniciais sempre que há fato novo relevante.

No Brasil estamos estabilizados com elevado número de mortes (cerca de 1 mil por dia) e infelizmente as medidas de distanciamento social, uso de máscara e a não aglomeração são descumpridas em boa parte das cidades. O número de mortes em 100.000, praticamente atingido, ainda não alertou o sinal vermelho para os cuidados pela população.

Constatamos a carência de lideranças governamentais fazendo frente à pandemia. A Europa, depois de reveses, acertou melhor o passo, onde a Chanceler Angela Merkel tem se destacado.

Nas Américas o peso e interesses políticos têm prejudicado em muito a tomada de decisão e a atenção que o combate a Covid merece, particularmente no Brasil e EUA onde seus presidentes têm comportamento dúbio com relação a pandemia, confundindo a população.

Ainda não sabemos as consequências no futuro, em termos de saúde, hábitos, relações pessoais, sociais, profissionais, entre países e governos. Historicamente crises estimulam inovações e mudanças, muitas vezes para melhor. O pós Covid-19 é uma grande incógnita!

O que fazer no curto prazo, afora as medidas já tomadas para atenuar o impacto econômico, empresarial e social?

Eu resumiria tudo a uma ação: Preservar a sobrevivência. Sobrevivência econômica: o país e as organizações que oferecem trabalho não podem quebrar. Medidas que preservem a economia estão sendo tomadas. Recentemente as previsões de queda no PIB para este ano ficaram abaixo de 6%, o que foi de certa forma, “comemorado”.

Sobrevivência empresarial: estima-se que 1/3 das empresas pequena e micro desapareçam. Embora haja crédito disponível as exigências de garantia ainda estão impedindo o acesso, pois são exigências típicas de ambiente normal. A flexibilização das leis trabalhistas, o uso de recursos do seguro desemprego facilitaram a gestão das organizações para manutenção do emprego.

Sobrevivência social: A pandemia levantou o tapete da desigualdade social e cerca de 38 milhões de pessoas, tidas como invisíveis, passaram a ser percebidas como extremamente vulneráveis a uma vida mínima e digna de um ser humano. As parcelas de ajuda do Auxilio Emergencial (R$600,00 durante 5 meses) que atingiu mais de 65 milhões de pessoas se mostra uma decisão acertada. O dilema é que passados 5 meses como fica? Para grande parte dos assistidos este auxílio corresponde a 97% da renda. Para manter esta renda são precisos R$ 600 bilhões ao ano. E o déficit fiscal como fica? Uma equação a ser definida e solucionada, mas fundamental a sobrevivência de grande parte da população.

Hoje a maior deficiência está na falta de coordenação e gestão na integração das ações de combate a Covid-19. Esta passagem de bastão de responsabilidades e limites aos municípios feitos pelos governadores e aos governadores feitos pelo governo federal deveria ser mais bem definida e articulada e mostrada à população.

Um aspecto extremamente positivo está sendo a colaboração de organizações, pessoas e entidades no auxilio ao combate da pandemia. Auxilio financeiro, mas também de ações solidárias na solução de problemas.

A ciência também passou a ser considerada como fator na tomada de decisão e, principalmente, a ser mais respeitada pelas pessoas. Isso a colocou junto ao dia a dia das pessoas.

Como a qualidade e a gestão podem ajudar para saída da crise?

Nada mais prático que uma boa teoria, já dizia um professor que tive.

A aplicação dos conceitos de Saber Profundo do Dr. Deming ajudaria muito nesse momento. Ele concebeu os conceitos de Saber Profundo segundo um sistema, subdividido em quatro partes, em que cada uma se inter-relaciona com as demais:

Entendimento do que é um sistema

Um sistema é formado por um grupo de elementos que trabalha em conjunto em prol do objetivo desejado, existindo interdependência entre eles. A eficácia do sistema não vem pela otimização de cada elemento. Vem do conjunto. O gerenciamento de um sistema exige o conhecimento das inter-relações entre os diversos elementos do sistema e das pessoas que nele atuam. A abordagem e coordenação das ações da COVID-19 têm que ser sistêmica.

Elementos da Teoria da Variabilidade

A Teoria da Variabilidade tem um papel vital na otimização de um sistema, sendo fundamental para a compreensão das diferenças entre as pessoas, da interação entre elas e das interações entre elas e o sistema onde trabalham. A variabilidade está sempre presente entre pessoas, processos, produtos e suas interações, permitindo identificar quando um sistema está estável ou não, com base na natureza dessas variabilidades (causas especiais e causas naturais). Os processos de combate a COVID-19 têm variabilidade no seu desempenho e precisam ser conhecidas suas naturezas para a correta tomada de decisão.

Chamo a atenção para o fato de que apenas passados 4 meses é que houve uma demonstração mais clara da estatística dos casos e óbitos da COVID-19 com o uso da media móvel para 7 dias. Até então eram apenas curvas acumulativas, sem qualidade para tomada de decisões.

Elementos da Teoria do Conhecimento

A Teoria do conhecimento ajuda a compreender o gerenciamento, em todas as suas formas e etapas. O conhecimento é útil para interpretar resultados de testes e experiências, visando utilizá-lo para previsões e projeções. Exemplos de experiências passadas servem para melhorar o gerenciamento se forem estudadas com apoio de uma teoria que explique porque as coisas aconteceram daquela forma e em que condições sua aplicação é válida para a situação presente. Assim, reproduzir um exemplo de sucesso sem compreendê-lo pode levar a um grande equívoco.

Neste particular o que aconteceu em 5 meses tem que servir para reflexão e explicar porque houve êxito ou fracasso. Vimos que muitos estados estavam se saindo bem no combate a pandemia, mas não sabiam a razão disso. Passaram a ter altas taxas de casos e mortes, infelizmente.

Elementos de Psicologia

A psicologia ajuda a compreender as pessoas, as interações entre elas, entre um líder e seu pessoal, entre sistemas de gerenciamento. Os líderes devem ter consciência que há diferenças entre as pessoas e utilizar essas diferenças para otimizar as habilidades e motivar as inclinações de todos na busca do desempenho do sistema. Pouco vimos disso nas lideranças do país.

Também o método da Trilogia do Dr. Juran, associado a gestão da rotina, simples e objetivo, daria mais consistência a melhoria da qualidade e do melhor desempenho em cada etapa dos processos que formam o sistema de combate a COVID-19.

Planejamento: considerar a qualidade/desempenho desejados e projetar meios para alcançá-los. Controle: diagnosticar erros e acertos no processo e manter estabilidade. Aperfeiçoamento: buscar patamares de qualidade/desempenho cada vez mais altos, sistematicamente.

É preciso levar em conta que planos mudam e isso faz parte. A água desce a colina não pelas trilhas definidas, mas pelo caminho de menor resistência naquele momento.

Temos ouvido dizer que o Estado X está estável (média móvel), mas é preciso associar ao nível de desempenho para termos melhor compreensão. Pode estar estável e em nível elevado de mortes ou infectados, infelizmente, ou estar aumentando, mas partindo de um nível atual baixo. São situações diferentes que demandam decisões diferentes.

Sempre dizemos que o Brasil é o país do futuro: Isso pode acontecer algum dia? Quando? Como será possível?

Estas denominações acabam “encaixotando” um padrão que passa a ser uma verdade, até ser confrontada.

A denominação País do Futuro deu-se através do livro do escritor e poeta judeu-austríaco Stefan Zweig em 1941, quando morou no Brasil e se entusiasmou com tudo o que aqui vira: cultura, contraste, o povo, as favelas, a simplicidade, a imensidão, natureza, as riquezas, enfim tudo o que nós temos ou mostramos ser, que ele confrontou com a forma de ver do europeu. Ficou o Jargão.

Também na década de 50, após o Brasil perder o Campeonato Mundial de Futebol para o Uruguai, no Maracanã, o nosso Nelson Rodrigues escreveu uma crônica “O Complexo de Vira-lata” onde dizia que o brasileiro se colocava em inferioridade, de forma voluntária e que isso também ocorria fora dos campos de futebol. “Não encontramos pretextos pessoais ou históricos para a autoestima”, escreveu. No futebol, em 1958, superamos esse complexo. Mas hoje somos um povo de baixa autoestima? Esse é um tema para outra entrevista.

Acredito que o Brasil pode mais, muito mais do que hoje estamos vivendo. Eu diria que há 4 áreas que precisam ser atendidas.

Aprimorar a nossa competitividade, buscando nos diferenciar ainda mais em setores que somos muitos bons. Energia renovável, agronegócio, uso da biodiversidade, indústria de turismo, entre outros.

Incluir nesse olhar de competitividade a sustentabilidade social e ambiental, de fato. Em termos sociais é preciso garantir o básico na escala de Maslow (alimentação, moradia, tratamento de esgoto e água e segurança) e gerar trabalho e renda. Hoje mais de 30 milhões de pessoas não têm acesso a água tratada e cerca de metade da população brasileira não tem coleta de esgoto. Também não é possível ser um país justo onde na média, quem está no topo recebe mais de 36 vezes do que ganha quem está na parte de baixo e os 10% com maior renda ficam com 43% de todos os rendimentos do trabalho do país.Em termos ambientais têm que separar o que é devastação por má conduta do que é critica por outros interesses. Sou 100% pela soberania incondicional do Brasil na Amazônia.

Investir fortemente na educação: A educação é uma das poucas formas de mudança na condição humana, pois o conhecimento abre portas. O país investe quase 6% do PIB em educação, o que é tido como um bom número, mas os resultados deixam a desejar. A melhoria da gestão é fundamental. A educação também é a porta para a inovação, tão necessária a competitividade. Com a educação aprendemos a pensar, a gerar ideias e a concretizá-las.

Elevar a eficácia da governança dos 3 poderes: o Executivo, Judiciário e o Legislativo. Estes 3 poderes têm que focar o bem do Brasil e de seus cidadãos. Entre outras medidas é fundamental haver um programa de Estado Brasileiro, não mutável quando da mudança dos atores do executivo e legislativo, principalmente.

Que conselho você daria a um jovem que está trabalhando e passa a viver esta situação de crise

Entender que a crise vai passar e que o mundo está cada vez mais dinâmico. Assim é importante buscar aprimoramento profissional em atividades voltadas a tecnologia atual e de conhecimentos menos substituível por máquinas e inteligência artificial ou outro meio digital. Habilidades tidas como dos humanos são insubstituíveis: empatia, inteligência emocional, liderança, relações interpessoais, empreendedorismo, criatividade e adaptabilidade. Entretanto tudo isso só terá resultado com ação. Competência é algo dinâmico e requer um estado permanente de conhecimentos, habilidades e atitudes. Na atitude destaco a busca de objetivos importantes, sem desistir e o comprometimento.

Vou contar uma história que vivi. Em 1991 me candidatei ao curso de TQC Implementation and Standardization Activities de cerca de 3 meses no Japão pela JICA – Japan International Cooperation Agency. Éramos 8 candidatos a uma vaga, soube posteriormente. Após submissão dos itens requeridos fui selecionado e comecei a tratar das providencias de ida ao Japão. Visto no consulado, preparação do trabalho a ser apresentado no Japão, etc. Num determinado dia, uma sexta feira a tarde, recebi uma ligação de Brasília. A pessoa (Marina, não a esqueço) disse-me que o Japão havia cancelado a vaga do Brasil e que ela sentia muito. Fiquei mudo e muito chateado. Conversando com o meu chefe ele disse: “Guaragna, quando o japonês decide não tem volta”. Fui para casa e passei um fim de semana horrível! Não me saia da cabeça essa decisão. Domingo a meia noite peguei o folheto da JICA e liguei para um número de telefone que ali estava (era segunda feira ao meio dia no Japão). Atendeu-me um japonês que quase não falava e eu fui dizendo meu nome, o curso que iria fazer e que a minha participação era importante para mim, minha empresa e o Brasil. E que não era justo cancelar esta vaga. Foi uma conversa de não mais de 15 a 20 minutos, em inglês. Disse a minha esposa: fiz o que estava ao meu alcance. E dormi mais tranquilo por isso. Segunda feira a vida continuava normal e passaram-se 2 semanas quando recebi outro telefonema da Marina. “Sr. Guaragna tenho uma noticia boa e uma ruim para o Sr.: a boa é que a JICA reconsiderou a sua vaga e a ruim é que o Sr. viaja dentro de 2 semanas. Que felicidade! Eu não havia desistido e fui recompensado. O que acontecera? Mais tarde, ao final do curso, perguntei a Sra. Takahashi, coordenadora do curso, o que houvera. Disse-me que esta pessoa com quem falei levou a minha solicitação e argumentação a sua chefia e que isso a fez reconsiderar. Disse-me também que em edições anteriores tiveram problemas com brasileiros que não se empenhavam no curso. Naquele momento eu estava envolto na bandeira brasileira pois nosso grupo BCM (Brasil, Colômbia e Malásia) ganhara o prêmio de melhor trabalho no curso, concedido pelo Dr. Noriaki Kano.

Quanto ao comprometimento, no dia final do curso cada participante deveria responder a seguinte pergunta: Após a volta ao seu país o que você fará com estes conhecimentos?

Disse-lhes que empregaria na empresa em que trabalhava (Copesul), no estado em que morava (RS) e no Brasil.Puxa!

Passei a gerenciar os trabalhos de qualidade na Copesul e a empresa em 1997 ganhou o Prêmio Nacional da Qualidade; em 92 me engajei no PGQP, quando de sua criação, e até 2019 atuei neste Programa sendo Membro do Conselho Diretor desde 2002. Por fim, em 1997 passei a atuar no Conselho do IBQP e, quando da criação do MBC,em 2001, no Conselho desta instituição como Presidente do Conselho das Partes Interessadas, até 2007, representando a Copesul. Mais recentemente, desde 2011, como acadêmico da ABQ sirvo o Brasil.

Assim, desejo que o jovem construa seu caminho, sempre evoluindo, aprendendo e sem esquecer-se de viver o presente, segundo Horácio: Carpe diem quam minimum credula postero ou aproveite o dia de hoje, pois o de amanhã não sabemos.

Este artigo expressa a opinião dos Autores e não de suas organizações.

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